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Lola Dueñas

“Quando tocas a realidade tudo se converte em algo especial”

O sorriso é contagiante, a boa disposição o cartão de visita. Lola Dueñas esteve em Lisboa para apresentar “Yo, También” no âmbito do IV Ciclo de Cinema Espanhol. Aos 40 anos, a actriz relembra a Rosa de “Mar Adentro”, um dos papéis que mais a marcou, mas esta workaholic não descansa e fala já num possível regresso aos palcos.

A Lola é filha de um actor e a sua formação é em Arte Dramática…

Eu comecei muito tarde a ser actriz, no Teatro de La Abadía, Madrid, onde aí sim tive uma pequena formação de quatro meses. Quem dirigia era o José Luis Gomez.

Com que idade?

21, por aí. Muito tarde… Mas o amor ao teatro vem desde sempre. Quando era pequena via o meu pai e as actrizes encantavam-me. Adorava estar nos camarins!

Nunca pensaste noutra carreira?

Não. Bem, fui cozinheira, empregada e tudo isso em que se começa quando não se sabe o que fazer.

“Mar Adentro” foi, sem dúvida, um marco na carreira. Chegaste mesmo a dizer que Rosa foi o seu papel preferido. É verdade?

Não, porque “Yo, También” também foi muito importante para mim. Mas é verdade que “Mar Adentro” foi o primeiro que, de repente, foi visto por todo o mundo. Portanto foi um marco muito importante, claro.

Estavas a encarnar uma pessoa que existia e que viu o filme. Como é que se processou a pesquisa e o desenvolvimento para o papel de Rosa?

É diferente porque a história era real, como com “Yo, También”. Quando tocas a realidade tudo se converte em algo especial e numa responsabilidade muito grande também. Ramon Sampedro tem a sua história, a sua família estava viva, Ramona Maneiro também. Preparei o papel com ela porque ela é muito generosa e ajudou-me desde o primeiro momento.

Manténs-te em contacto com ela?

De vez em quando, muito pouco. Cada um continua a viver… a mim dá-me muita pena essa faceta da minha profissão. Porque há muita gente que te ajuda, mas continuas com a tua vida e não podes arrastar três autocarros cheios de pessoas para onde quer que vás. Mas para os outros também deve ser duro, mas é impossível.

Depois de “Mar Adentro”, que teve um grande impacto, algo mudou dentro de ti?

Naquela época passei a ver a morte de forma diferente. Sempre me causou muito medo, e aí dei-me conta de que Ramon Sampedro dizia que fazia parte da vida, era apenas mais uma parte.

Já conhecias a história de Ramon?

Conhecia-a quando me deram o papel. Tinha uma imagem de Ramon com o copo, que vi na televisão. Mas não tinha lido os seus livros, que são preciosos. Tem poesia em galego, “Cartas desde el Infierno”, que são uma jóia. São cartas que ele escrevia com a boca e respondia a toda a gente que lhe escrevia.

E julgas que o filme mudou algo na sociedade?

Não, não mudou nada. A lei nunca mudou. Acho que mais do que o filme, o próprio Ramon Sampedro teve muito impacto. Lutou trinta anos por um direito que era seu. Era uma pessoa lúcida, inteligente, boa e generosa. E não conseguiu.

Tiveste uma passagem pela televisão por uma série espanhola, “Policías”. Normalmente tende-se a desvalorizar este tipo de trabalhos em relação aos filmes e ao teatro, mas as séries televisivas têm a sua importância porque chegam onde alguns filmes não chegam.

É verdade. E o importante é estar a trabalhar. Um actor não vai estar sentado em casa à espera do grande filme. Tem que trabalhar e trabalhar toda a vida nisto não é fácil. Há muitíssima gente, mas a trabalhar somos poucos e portanto há que valorizá-lo. E há séries que estão muito bem feitas.

Javier Rebollo disse sobre ti que “fundes o cinema e a vida, com tudo o que isso tem de bom e de mau”. Será assim porque desde sempre viveste neste meio?

É porque sou uma viciada em trabalho. Desde sempre me dei conta que organizo a minha vida para trabalhar, é horrível. Uns organizam as suas vidas para o amor, para a família, eu organizo-a para ser actriz.

Entre cinema e teatro qual é que escolherias?

O cinema.

E que é que conseguiste transportar do teatro para o cinema?

O ofício de actor aprende-se no teatro. E quero voltar a fazer teatro, há já treze anos que não faço. São géneros totalmente diferentes. É muito mais fácil fazer cinema do que teatro, para mim. Cinema pode fazer quase qualquer um. De facto, há directores que filmaram com pessoas que passam por eles na rua. Não são profissionais e estão maravilhosos no cinema, mas não podem subir a um palco. O teatro é uma lupa gigante que está diante de ti e se és mau actor vê-se. No cinema não, um actor sem grande talento pode estar maravilhoso, desde que bem dirigido.

Mas gostas mais do cinema, ainda assim.

Gosto mais do cinema porque me apanhaste enquanto faço cinema. Mas se falares comigo daqui a um ano digo-te: O teatro, o teatro! (risos)

Já falámos dos papéis que mais te agradaram, mas há algum que não tenhas gostado tanto?

Sim. Mas não quero dizê-lo, por respeito aos directores. Não gostei dos papéis, detestei a rodagem, não gostei das pessoas com quem trabalhava, enfim, más experiências toda a gente tem, mas na maioria são muito boas. Fico sempre com as boas recordações e esqueço as más. É incrível! Acho que podia cumprimentar pessoas que foram filhos da puta para mim, porque não me lembro.

Consideras-te uma “chica Almodóvar”?

Sim, encanta-me! É uma honra. Também sou “chica Rebollo”, “chica Pastor e Naharro” (risos)

És uma actriz muito premiada e normalmente os actores dizem que não dão grande valor aos prémios, mas não deixam de ser um motivo de orgulho.

É uma alegria! Ir às festas com os amigos! (risos) Agora quando me mudei para Paris ficaram numa caixa porque não ia andar com aquilo. Mas no momento em que os recebo, é com muita alegria, e porque é o reconhecimento do filme e parece-me importante, também por causa dos directores. As Conchas de Prata que eu e o Pablo [Pineda] ganhámos foram muito importantes para os realizadores, porque é o seu primeiro filme e leva logo duas conchas. É importantíssimo, independentemente que sejam nossas.

O cinema espanhol é cada vez mais reconhecido no estrangeiro…

Mais que dentro! (risos)

O que dirias àquelas pessoas que, quando se fala em cinema espanhol, pensam apenas em Almodóvar e Penélope Cruz?

Há gente que pensa assim? Estive agora em França e Almodóvar é Deus, verdadeiramente, mas as pessoas conhecem muitíssimos filmes espanhóis e adoram-nos. Conhecem Julio Medem, vêem muito cinema independente espanhol. É verdade que em França há muita cultura de ir ao cinema. Conhecem muito. Já tinham visto “Eu, Também”, tudo. Mas claro, se os conhecem aos dois, estupendo! E Bardem, não? É um “arte com patas”!

Gostaste muito de trabalhar com Bardem, não foi?

Adorei. É um actor generosíssimo. O seu papel [em “Mar Adentro”] era dificílimo e ele fazia o seu e ainda me ajudava a mim e a todos os companheiros. Generosíssimo!

Fizeste 40 anos no mês passado…

Que festa! Toda a vida quis ter 40 anos.

Normalmente é um drama, uma barreira psicológica. Aconteceu contigo?

Não, mas às vezes levanto-me e dói-me qualquer coisa e digo: ai, que estou tão velha! (risos) Por exemplo, pelos filhos chego a pensar “ainda não tive filhos, minha mãe!” e já não resta muito tempo. As crianças encantam-me. Mas agora é possível ter filhos um bocadinho mais tarde. Nunca menti na idade. Celebro cada aniversário, adoro estar viva. Até vou tirar a cor de cabelo para ver se tenho cabelos brancos, porque adoraria vê-los. Agora, em Paris, vieram os meus amigos da escola que conheço desde pequenina e eles diziam-me “é verdade, tu sempre quiseste ter 40”. Não sei porque sempre quis ter 40 anos.

Se calhar porque sempre fizeste o que mais gostavas.

Pode ser que sim, e porque me divirto.



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