“Lugares Escuros” | Gillian Flynn

“Lugares Escuros” | Gillian Flynn

Consciência em chamas

No ano de 1869, o poeta francês – de origem uruguaia – Isidore Ducasse lançava uma das obras seminais da literatura fantástica, carregada de estranheza e espírito mórbido. Divididos em seis cantos, “Os Cantos de Maldoror” descreviam cenas brutais, pintalgadas com violência extrema e dedicadas a temas como a crueldade, a maldade, a cobardia e a estupidez humana.

Lugares Escuros”, de Gillian Flynn, começa também com o prenúncio de uma maldade infinita, apresentando ao leitor Libby Day, uma jovem mulher de 31 anos: «Tenho uma ruindade dentro de mim, palpável como um órgão. Cortem-me a barriga e provavelmente ela escorrega cá para fora, escura e carnuda, e cai no chão e alguém a pisa. É o sangue dos Day.»

Aos sete anos de idade Libby escapou àquele que ficou conhecido como o “Sacrifício Satânico de Kinnakee», onde foram assassinadas a sua mãe e ambas as irmãs, resultando na prisão do irmão Ben – então com 15 anos – que, desde então, vive em prisão perpétua. Desde os 18 anos que Libby vive de um fundo criado por pessoas caridosas, que está prestes a chegar ao fim apesar da tentativa de zelo de Jim Jeffrey, o gestor da conta de Libby.

Incapaz de pensar em arranjar trabalho, Libby recebe uma proposta para ganhar 500 dólares se aparecer numa sessão de um clube clandestino conhecido por “Kill Club”, formado por pessoas que gostam de mistérios e se dedicam a manter activos blogues sobre crimes reais.

Os membros do clube têm a teoria de que o seu irmão está inocente, defendendo antes a culpa do pai de Libby que, motivada em ganhar um dinheiro extra que lhe permita viver mais uns meses de ócio, aceita investigar o assassinato da sua família, regressando assim aos lugares escuros da sua infância. Pelo caminho há clubes de striptease de beira de estrada, biógrafas arrependidas, cidades em tempo turísticas que viraram ruínas e rituais satânicos ao virar da esquina.

Sucessor de “Em Parte Incerta”, livro que desde logo lhe colou o autocolante de “best-seller”, esta é mais uma viagem de Gillian Flynn ao lado negro da mente humana, abrindo agora uma pequena fresta para a redenção individual. Mesmo sem o espírito inventivo, o sarcasmo e a capacidade de surpreender do seu antecessor, “Lugares Obscuros” continua a mostrar uma escritora apaixonada pela loucura e a tragédia humanas, revelando de forma exemplar o funcionamento de uma consciência em chamas.



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