Made @ Portugal
Joel Xavier.
O guitarrista Joel Xavier é o caso mais flagrante de como o sucesso musical em Portugal é determinado pela indústria e pela comunicação social, limitadas por um espartilho de políticas de gosto e de interesses duvidosos.
Apesar de não ser um completo desconhecido, a carreira de Joel Xavier passa demasiadas vezes em plano secundário, ao contrário do público estrangeiro, que regularmente presta tributo ao nome máximo da guitarra em Portugal dos dias de hoje.
Pode-se pensar que não se toca guitarra em Portugal, tão poucos são os guitarristas que conseguem furar até aos escaparates. Sabemos contudo que não é isso que se passa. Há muita e boa gente a tocar guitarra em Portugal, apenas não têm a projecção que outros alvos musicais recebem. Por isso ficamos pelas excepções, que se destacam pela genialidade incomparável, como Carlos Paredes.
Apesar de tudo, Joel Xavier começou a sua relação com a guitarra bastante tarde, apenas aos 15 anos. No entanto, o tempo perdido foi compensado e aos 17 já tinha o primeiro disco editado. O seu talento não passou despercebido e após o segundo álbum saltou fronteiras, sendo convidado para integrar a colectânea “Palabra De Guitarra Latina”, ao lado de grandes nomes mundiais da guitarra, que lhe valeram projecção e reconhecimento internacional.
A partir daí, os reconhecimentos sucederam-se: é considerado um dos cinco melhores guitarristas do ano pelas críticas norte-americana e quatro anos depois é reconhecido como um dos melhores guitarristas latinos da actualidade. Começa a percorrer os principais festivais de jazz, partilha o palco com alguns dos maiores nomes internacionais, como Paco de Lucia, Joey DeFrancesco ou Arturo Sandoval, é convidado a integrar o Trio Acústico de Richard Galliano e grava com vários nomes consagrados, nomeadamente Larry Coryell, Toots Thielemans ou Carlos do Carmo.
O ano transacto coincide com novo marco na sua carreira. A 24 de Setembro grava ao vivo, em Nova Iorque, um álbum com Ron Carter, músico lendário norte-americano cujo nome se confunde com o próprio contrabaixo. Com o título “Joel Xavier & Ron Carter In New York”, o álbum passa despercebido em Portugal. Agora, a Europa volta a chamar por Joel Xavier, que passará em digressão por vários países em promoção do seu último álbum.
A Rua de Baixo esteve à conversa com Joel Xavier, um artista algo desapontado com a indústria musical em Portugal, mas feliz com o seu trabalho.
Rua de Baixo – Começou a tocar aos 15 anos. Como surgiu esse interesse pela guitarra?
Joel Xavier – Na altura andava no liceu; foi onde pela primeira vez tomei atenção à guitarra, que até aí nunca me tinha despertado interesse. Andava por lá um rapaz com uma guitarra, ouvi-o tocar e fui logo falar com ele, perguntei-lhe o que era aquilo que ele estava a tocar e ele respondeu-me que era blues, que tinha vivido nos Estados Unidos e que tinha aprendido lá esse som. Fiquei logo apaixonado e fui a correr para casa, pedir aos meus pais que me oferecessem uma guitarra no Natal, para aprender a tocar. E foi assim, foi amor à primeira vista.
RdB – Aos 17 anos gravas o teu primeiro disco [“18”] e aos 19 és considerado um dos cinco melhores guitarristas do ano, nos Estados Unidos. Como aconteceu essa ascensão vertiginosa? Fruto de muito trabalho e de alguma sorte, presumo eu.
JX – Sim. Gravei o primeiro álbum e depois, quando gravei o segundo, o “Sr. Fado”, o produtor e guitarrista espanhol Juan Bibiloni, que estava envolvido num projecto que consistia em juntar alguns dos melhores guitarristas latinos (já tinha reunido, por exemplo, o Tomatito, o Luis Salinas, o Bireli Lagrene e o Larry Coryell), ouviu o disco e achou que valia a pena convidar-me. Fomos então para Palma de Maiorca, onde gravei com esses músicos o álbum “Palabra De Guitarra Latina”. Éramos cerca de catorze guitarristas e chegamos a tocar todos juntos, num concerto que encheu a Praça de Touros de Palma de Maiorca, uma das maiores de Espanha. Daí, fizeram uma selecção de sete, onde me incluíram, para fazer uma digressão mundial. Ou seja, foi o resultado de ter estudado e trabalhado muito e, também, de ter aproveitado a oportunidade que me deram para participar neste projecto.
RdB – A guitarra é um instrumento muito exigente. Há algum guitarrista que, após estes anos todos a tocar, continue a ter como exemplo a seguir?
JX – Pode parecer um pouco estranho, mas de facto nunca aprendi com guitarristas, ou seja, nunca olhei para um guitarrista e disse “ele é o meu ídolo, é como ele que quero tocar”. Eu sempre vi a música de uma forma muito geral, ou seja, muito dos músicos com quem aprendi são pianistas, por exemplo. Eu ouvia um som que gostava, que não conhecia e ia investigar e acabava descobrindo que era um pianista cubano, por exemplo. E depois comprava os discos dele para ouvir, para estudar. Eu acabo por ter muito poucos discos de guitarristas. Aprendi muito com pianistas, saxofonistas, trompetistas… Mas se tiver mesmo assim que destacar um ou outro guitarrista, isso depende muito da fase em que estou, há muitos nomes que foram passando ao longo dos anos. Mas houve dois “monstros” que ficaram, que são o Joe Pass e o George Benson
RdB – Apesar das várias distinções que já recebeu no estrangeiro, o seu percurso continua a passar um pouco ao lado em Portugal. Porque é que isso acontece?
JX – Portugal é um país muito complicado, um país pequeno em todas as áreas, o que faz ser muito difícil, às vezes, entender o mercado. Mas eu em Portugal faço muitos concertos, do Norte ao Sul do país e, normalmente, estão sempre cheios, principalmente quando toco fora de Lisboa. Em Agosto último fiz uma mini-digressão pelo país e, por exemplo, no concerto do Convento de Mafra, que foi gravado para a RTP (e que deve estar no ar dentro de duas semanas), estavam 2000 pessoas; em Oeiras, quinze dias depois, estavam outras 2000 pessoas e a seguir em Viana do Castelo também.
RdB – Mas a imprensa, se calhar, não faz esse acompanhamento, não concordas?
JX – O problema é por um lado a imprensa (escrita) e, por outro, a televisão; o português vive muito com a televisão, que hoje em dia é o pior veículo para divulgar música de qualidade, porque não há programas com nível. Por isso é que a maior parte dos grandes músicos portugueses não aparecem. E quando isso acontece parece que existe um vazio gigantesco.
Além disso, os grandes auditórios em Lisboa são espaços muito complicados para dar concertos. Por exemplo, não entendo como é que um artista português tem que alugar uma sala para tocar, não consigo perceber porque é que o Ministério da Cultura não intervém, não entendo como é que o Paco de Lucia aluga uma sala pelo mesmo preço, porque as coisas foram construídas com o nosso dinheiro e os espanhóis não ajudaram em nada. E quando é assim, obviamente que um produtor prefere levar um Paco de Lucia a um Joel Xavier, mesmo que seja dez vezes mais caro, porque tem casa cheia garantida. É isto que leva a que se aposte nos nomes consagrados, com vários anos de carreira. A máquina produtora de concertos, especialmente em Lisboa, é muito complicada e faz com que os produtores se encolham e tenham medo.
RdB – Sente que o seu trabalho não é reconhecido em Portugal?
JX – Sim, pelo menos com o valor que eu achava que merecia, mas acho que não é nada pessoal, assim como nunca foi reconhecido o José Saramago até receber o Prémio Nobel, a Amália até ter quase cinquenta anos, ou, a meu ver, o Carlos do Carmo. Só depois de se andar vinte ou trinta anos lá fora, depois de dar duas voltas ao mundo é que se reconhece o mérito. E não é só na música. Portugal não mudou muito, continua a pensar da mesma forma e, ao contrário dos espanhóis por exemplo, que preferem comprar produtos espanhóis, em Portugal nunca houve interesse em cimentar o produto nacional, a prioridade é o lucro. Atenção, eu não peço dinheiro, peço meios físicos disponíveis, uma comunicação social de qualidade e uma política governamental que apoie os artistas.
RdB – Achas que as inúmeras distinções que tens recebido lá fora são como que uma bofetada de luva branca nessas pessoas?
JX – Sim, acho que sim… Por exemplo, ontem estive a ver na Internet o que se tem dito de mim ultimamente, pelo mundo fora, e vi três rádios alemãs que têm o meu novo disco [“Joel Xavier & Ron Carter In NY”] nas suas playlists, algo que é impossível em Portugal. Continuam a haver os “macaquinhos” que dizem que a música instrumental não é comercial e assim não se consegue. Portugal apesar de ser um país pequeno tem muitos valores, mas raramente os acarinha.
RdB – O Joel já tocou ao lado de nomes como Paco De Lucia, Ron Carter ou Joey DeFrancesco, por exemplo. Houve algum que destacasse por qualquer motivo?
JX – Com cada um deles tive uma relação diferente. Com o Ron Carter, com quem gravei este último disco, tive uma relação especial, porque com os outros músicos com quem toquei foram participações num ou dois temas, enquanto que o Ron Carter gravou o disco todo comigo, sem a participação de mais ninguém. Houve por isso uma cumplicidade maior entre nós.
O Richard Galliano é outro músico que tenho de destacar. Ele gravou comigo, depois tocámos juntos em Portugal e depois ele convidou-me a integrar o trio dele [o Trio Acústico de Richard Galliano]. Tocámos um pouco por todo o mundo e foi aí que senti pela primeira vez como era estar do outro lado, em que era eu o convidado especial.
E depois há outro músico que gostava de destacar que é o Larry Coryell, porque é uma pessoa com quem tenho uma grande relação de amizade, apesar da diferença de idade que temos. Conhecemo-nos quando gravámos o “Palabra De Guitarra Latina” e desde logo que nos demos muito bem; ele convidou-me para gravar uma música no disco dele e eu convidei-o depois para participar no meu e quando ele lá chegou, ofereceu-me a primeira guitarra que tinha recebido do seu próprio modelo, o que foi para mim uma grande prova de amizade e de humildade.
RdB – Com quem gostaria de tocar um dia?
JX – Há muita gente, mas um dia gostaria de tocar ou gravar com o George Benson, um músico que gostava imenso de conhecer e tocar com ele.
RdB – Vou terminar com a pergunta da praxe. Projectos para o futuro?
JX – Este meu último disco é um álbum que saiu em Maio na Alemanha e que começou a sair em Junho no resto da Europa e no Japão. Por isso este disco ainda é um bebé e os projectos para o futuro são unicamente em internacionalizá-lo, tocar o máximo ao vivo no maior número de países. Já temos concertos marcados para a Alemanha e Áustria, na primeira quinzena de Dezembro e depois é procurar percorrer uma série de países à volta, Holanda, Bélgica, Suíça, Luxemburgo… Vão ser estes os planos para bastante tempo.
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