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Manuel Dordio | Entrevista

"A verdade é que para mim a dor está muito próxima do processo criativo, seja este uma terapia para a primeira ou a dor como acompanhante próxima da criação. Mas não é um significado negativo da dor. É mais uma constatação que ela existe e que é preciso reconhecê-la."

Manuel Dordio editou “Dor”, a sua estreia a solo e a Rua de Baixo aproveitou para lhe colocar algumas perguntas.

Creio que a primeira que me “cruzei” contigo num concerto foi num evento na APAV, junto ao Jardim Constantino em Arroios, onde estavas a acompanhar a Mariana Ricardo numa série de covers de canções de artistas brasileiros, se não estou em erro. Já lá vão uns 10 anos (pelo menos). Desde então muito aconteceu, continuaste a tocar com muitos e bons músicos mas nunca te tinhas “aventurado” em nome próprio. O que te levou a avançar agora?
O trabalho em grupo sempre me interessou mais que a solo. Como consequência, demorei muito tempo a descobrir e aceitar a minha voz enquanto instrumentista a solo. A verdade é que tocar essas músicas só para mim em casa me é suficiente. Mas mesmo não tendo divulgado nenhuma delas, foram surgindo por acaso alguns convites para dar concertos em nome próprio e isso obrigou-me a organizar a composição e interpretação do material que tinha que lentamente se cristalizou neste disco.

Quando escutamos as canções que dão corpo a “Dor”, creio que é bem notório que se trata de composições muito pessoais, em especial aquelas em que a guitarra é o instrumento dominante e que parecem dominar a primeira metade do álbum, digamos assim. Esta “divisão” foi algo deliberado?
Sim a divisão do disco é deliberada. Quis que fosse um contínuo clarear e que sugerisse um progressivo aumento de espaço. Mesmo as músicas mais ambientais com sons mais eléctricos são feitas com guitarra que é o único instrumento no disco, apesar de processada por efeitos neste caso. Essa transição entre a guitarra acústica e eléctrica também me interessou enquanto manifesto de libertação do que eu sentia que tinha de ser música tocada por mim no passado.

As canções que integram os elementos electrónicos ganham logo outra amplitude, que é ainda mais acentuada se lhes considerarmos a (fantástica) componente visual que os vídeos da Joana Linda acrescentam. Se nas primeiras canções é fácil vermo-nos calma e confortavelmente sentados a apreciá-las, com estas sentimo-nos como que a flutuar. Têm algo de onírico e etéreo. Concordas?
As músicas mais processadas têm também as cadências mais lentas. A flutuação é uma boa imagem porque o que me interessava experimentar era dar a quem ouvisse uns minutos de concentração sem que a música provocasse muitas distrações melódicas ou rítmicas. Parece que estamos sempre a ouvir algo que nos quer mostrar coisas ou prender a atenção e eu começo a interessar-me mais por música que nos envolva só como uma mancha contínua.

O título do álbum, “Dor”, é o resultado de um jogo de palavras com o teu próprio apelido. Qual a história por de trás dessa escolha?
Achei que era bom marcar o disco com o meu nome mas sem ser Manuel Dordio. A verdade é que para mim a dor está muito próxima do processo criativo, seja este uma terapia para a primeira ou a dor como acompanhante próxima da criação. Mas não é um significado negativo da dor. É mais uma constatação que ela existe e que é preciso reconhecê-la. Além disso, sendo um primeiro trabalho em nome próprio sofreu algumas dores de um parto prolongado para que saísse o disco.

É justo dizer que a componente visual do trabalho desempenha um papel muito importante em “Dor” ou encara-lo mais como um complemento à obra?
A imagem tem um papel muito importante em tudo na minha vida e isso inclui também a concepção das músicas, seja no conceito ou no seu processo de trabalho. Não é só no sentido de imaginar um espaço que as represente, mas também no desenho e na geometria das mesmas. A comunicação visual da música hoje em dia é muito importante. O magnífico trabalho da Joana Linda neste disco, seja na fotografia e design ou nos vídeos, partiram da interpretação dela do meu trabalho. Eu só escolhi uma fotografia dela como mote e dei-lhe liberdade para fazer o que achasse melhor. A Joana Linda já trabalha com música há muitos anos e tem uma capacidade enorme de engrandecer as canções com a sua interpretação das mesmas e com uma atitude e sensibilidade artística muito forte. Mais do que um complemento à música a componente visual é para mim neste caso uma evolução para algo ainda melhor, um trabalho conjunto a dois tempos com uma artista que admiro muito.

Os últimos meses têm sido um período complicado para todos, de uma forma ou de outra. Como o encaraste?
Se excluirmos as dificuldades de sobrevivência enquanto músico e a ansiedade causado pela incerteza relativa ao futuro da minha actividade, não tenho passado mal. A solidão e distanciamento físico são estados que conheço bem e nos quais estou até confortável. Foi bom nesse sentido para me concentrar e experimentar tocar coisas diferentes que de outra forma provavelmente não faria. Com instrumentos e música disponível uma pessoa não se aborrece facilmente.

Está nos planos apresentar “Dor” ao vivo?
Tenho um terror enorme em tocar sozinho. Fico mesmo descomposto e fora de mim umas horas antes de fazer soar as primeiras notas. Contudo, os concertos são a minha parte favorita de ser músico e assim que for possível tentarei mostrar o disco ao vivo.

 

Nos dias 5 de Junho e 3 de Julho, o Bandcamp prescinde das comissões e o valor total das vendas reverte a favor dos artistas por isso, podendo, contribuam.



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