Manuel Fúria
«No princípio e no fim o que importa são os lírios, porque os lírios lírios são». A conversa com o músico a propósito de "Manuel Fúria Contempla os Lírios do Campo”
Quando há uns anos atrás Os Golpes anunciaram um fim prematuro, muitos foram aqueles que ficaram à espera que Manuel Fúria, o comandante da nau, seguisse em frente e apresentasse (mais) uma rodela em nome próprio. Pois bem, o tempo chegou e o momento é, agora, de celebração: a nova rodela chega às lojas a 28 deste mês.
“Manuel Fúria Contempla os Lírios do Campo” é o segundo trabalho em nome próprio de Fúria, depois de em 2008 se ter aventurado com o disco “Manuel Fúria Apresenta As Aventuras do Homem Aranha”. E fá-lo em muito boa companhia, secundado pela banda Os Náufragos e com convidados como Hélio Morais (Paus, Linda Martini), Martinho Lucas Pires (Deserto Branco), Lucas (o baterista místico dos Velhos) e Luís Montenegro (SALTO).
O disco tem o ar de um artefacto descoberto numas escavações arqueológicas, começando pelas letras que se ouvem como trovas, passando pelo lado cénico medieval que a banda leva para cima dos palcos e terminando nos arranjos que muito vão buscar ao fundo sonoro de música de época. Ou de música de baile com um tremendo balanço, se preferirem mudar a festa da corte para a aldeia.
“Manuel Fúria Contempla os Lírios do Campo” pode também ser escutado como um disco conceptual, de um homem que se conhece a si próprio, à sua terra e aos que rodeiam, até se deparar com um País que o cerca e, de certa forma, o deprime. E que procura, na fuga para o campo, encontrar um novo caminho. A Rua de Baixo pegou no estandarte e foi contemplar os lírios com Manuel Fúria, neste campo de flores chamado Portugal.
O disco abre com uma «Declaração de Intenções» onde se ouve «só quero ver Lisboa a arder», algo que é repetido mais à frente. Em «Procuro a claridade» canta-se isto: «Não quero dançar sobre um cemitério | Não quero deixar prolongar o mistério | Lisboa, capital de que império? | Lisboa, residência do mistério | Como canta o hebraico: procuro a claridade mas respeito o mistério». Ainda vivemos num País – e ao abrigo de um Estado – que acha que Lisboa é Lisboa e o resto é paisagem?
As elites mais esclarecidas, e também as menos esclarecidas, estão em Lisboa, tudo o que interessa acontece em Lisboa. Cidades como o Porto ou o Funchal vão perdendo cada vez mais para a capital, perdendo inclusivamente os seus; tenho, por exemplo, muitos, muitos amigos do Porto que se vão mudando para Lisboa. É aqui que tudo que se concentra, o bem, o mal e todas as ambiguidades entre um e outro. O resto, sim, continua a ser paisagem, em alguns lugares muito bonita, noutros lugares tão estragada, ardida, inconsolável.
A cidade é um lugar perigoso, como se ouve em «Estandarte»?
O perigo não é exclusivo urbano, como canta o Samuel Úria, “o diabo aparece onde se espera”. No contexto deste disco construí uma fantasia na qual a cidade funciona como uma espécie de Babilónia e será o esse dispositivo que lança o sujeito da canção na procura do silêncio que imagina encontrar num cenário rural ideal.
É a dor o lado mais forte do amor?
Prefiro acreditar que não, que a alegria ocupa esse primeiro lugar. Contudo a dor é um dom de Deus e poderemos crescer através da violência desse lado tão sentido.
Uma noiva quer-se sempre atrasada? E o amor, deve ser passageiro ou quer-se eterno?
Encantam-me os lugares comuns, os protocolos, os movimentos cuja origem é anterior à mais longínqua data de nascimento e por isso sim, a noiva quer-se sempre atrasada. Acerca do amor, para ser amor de verdade tem de ser, necessariamente, eterno.
O concerto do S. Jorge, na última edição do Vodafone Mexefest, mostrou uma banda – Os Náufragos – que, cenicamente, está entre uma tripulação escolhida a dedo por Jack Sparrow e um grupo de andarilhos que vai fazer a festa à corte a convite do rei. Essa ligação entre a música e a imagem é pensada ou trata-se de puro acaso?
Está tudo ligado. Existe um imaginário que se quer total. Dos acordes, às roupas, aos sinais de pontuação.
Consideras-te um trovador dos tempos modernos?
A palavra trovador é um bocado pomposa, mas sim, será qualquer coisa desse género.
“Manuel Fúria Contempla os Lírios do Campo” soa a disco épico com sabor arcaico, como se acolhesse dentro dele as ideias de saudade, mágoa e nostalgia. Poderá ser visto como um disco conceptual em volta de um País?
Com certeza que sim. O fio condutor que aguenta este disco tem uma dinâmica que cresce do particular para o geral. Parte sempre das alegrias e angústias do homem que canta e vai alastrando para o seu quarteirão, para o seu bairro, a sua cidade, a sua terra, o seu País. Esse homem que canta sintetiza uma ideia de colectivo muito maior que ele, de um modo tão radical que só se encontra a si próprio e ao seu lugar no mundo na ideia do outro, do seu próximo. Quando a dinâmica alastra até ao seu limite máximo, esbarra nas fronteiras de Portugal.
Ainda há tempo para salvar Portugal? E como fazê-lo?
Sou um optimista, um entusiasta com uma grande dose de esperança, por isso quero acreditar que sim. Não sei muito bem como o fazer, mas suspeito que o descaramento ajudará; o descaramento de amar a terra que nos pariu, nos construiu e nos permite entender o mundo com um olhar que não é de mais ninguém. Do meu lado vou escrevendo cantigas, alinhando-as em discos e concertos; e sempre que me apercebo que os meus olhos vêem as coisas turvas lavo-os com muita água.
No fim de contas, o que importa são os lírios, a festa e o amor (mesmo que desencontrado)?
No princípio e no fim o que importa são os lírios, porque os lírios lírios são.
É este o disco com que sempre sonhaste ou o melhor ainda está para vir?
Sonhei muito este disco mas o melhor ainda está para vir.
O que nos reserva Manuel Fúria para 2013?
Concertos. O maior número possível. E nesses concertos, alegria e celebração. A vida começa agora.
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