Manuel Monteiro
"Todo o excesso contém a sombra do seu oposto." A entrevista com o autor de "O Suave e o Negro"
Ao longo da vida, muito provavelmente já todos nos deparámos com amizades infelizes. Gente de quem esperávamos mais, em quem acreditávamos mais, a quem decidimos dar tudo, mesmo que o retorno não tenha dado para encher um saco de congelação dos mais pequenos.
Em “O Suave e o Negro”, Manuel Monteiro tira o retrato a uma destas amizades que funcionam em sentido único, indiferente aos sinais de perigo e proibições de estacionamento. Porém, para lá da história de uma amizade (es)partilhada, há também o desconforto do narrador com a política, nomeadamente com uma esquerda que, de tão radical, pouco se distinguirá da vizinha que mora na porta à direita.
O diálogo constante entre o Alexandre (o narrador/escritor) e o autor, traduzido em comentários, notas e trocas de palavras ao longo da narrativa, assemelha-se a um acto de introspecção, em que a consciência vai lutando por escolher entre o anjo e o diabo que por lá moram. Falámos com Manuel Monteiro sobre amizade e política, mas não arranjámos lata para lhe pedir dinheiro emprestado (para bom entendedor, basta ler “O Suave e o Negro”).
É este livro a exorcização de uma amizade falhada, o assumir que o passado é algo inalterável (ou irrepetível)?
O líder militar Douglas MacArthur dizia que todas as derrotas vinham de um “demasiado tarde”. Talvez a maioria dos problemas do ser humano tenha também origem numa percepção “demasiado tarde”. Por outro lado, sem esses dolorosos “demasiado tarde” não haveria aprendizagem.
A amizade pode ser mais letal que o amor?
Amor é um hiperónimo de amizade. Philos é o amor sob a forma de amizade.
É preferível deixar ficar neve preta no canto da alma ou perder a identidade (mesmo que esta perda traga o tão desejado esquecimento)?
Não sei se é possível perder a identidade. É possível mudar a identidade – e mesmo assim de forma subtil e lenta. É possível camuflá-la aos olhos dos outros. É possível desconhecê-la – há tanta gente que não olha para dentro de modo profundo.
No final do livro são-nos apresentados, em “Dispersos”, uma série de pensamentos de curta extensão. São estas as máximas por que guia a sua vida? E se sim, pode dizer-nos uma das suas máximas de cabeceira?
Máximas por que guio a minha vida… Não sei. Talvez uma outra, subscreva e tente pôr em prática. Respondendo à segunda pergunta, sempre me identifiquei com a sentença do Juízo Final em que se fala do pobre, do enfermo, do despido, do peregrino, do doente, do recluso.
Alexandre, o narrador e protagonista de “O Suave e o Negro”, fala por vezes de si na terceira pessoa. Quis de alguma forma transmitir com isto um estado de introspecção em voz alta e ao espelho?
É uma interpretação válida, mas evito sempre que posso afunilar as infinitas interpretações do leitor dizendo: “Isto foi para transmitir tal, isto é porque o Alexandre aquilo…”
O livro mostra a perda de fascínio de alguém pela esquerda (pelo menos na sua extremidade), dizendo que qualquer que seja o lado da barricada que se escolha há sempre a ameaça de uma ditadura. É esta crença/descrença partilhada por si enquanto escritor e homem?
Todo o excesso contém a sombra do seu oposto.
Todos nós temos – ou tivemos – um José Rato nas nossas vidas?
Procurei retratar uma personagem que o leitor conseguisse conhecer bem, dotada de vida, densidade psicológica. Se o consegui, porventura, será natural que haja leitores que identifiquem o José Rato com alguém.
Qual é a pior forma de fanatismo?
Eles estão aí espalhados… Os clássicos, que não vale a pena enumerar. E, claro, este terrível fanatismo na receita da austeridade expansionista que está a desagregar a União Europeia, a destruir Portugal e os laços entre as pessoas – a realidade é um pormenor irrelevante para o fanático. Se a teoria não funcionou na prática, há que voltar à carga com mais força – porque a teoria nunca pode ser posta em causa por estes fideístas de três ou quatro ideias que explicam a economia e o mundo. Pouco interessa que todas as previsões falhem, a ideologia permanece intacta e soberana. Estamos a ser guiados por cegos. E o fanatismo antitabágico…
“O Suave e o Negro”, de Manuel Monteiro, tem edição pela Quidnovi
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