“Mao, A História Desconhecida” | Jung Chang e Jon Halliday
Era uma vez um homem muito Mao
Pela mão da Quetzal chega-nos “Mao, a História Desconhecida”, de Jung Chang (n. 1952), a celebrada autora de “Cisnes Selvagens”. Publicado originalmente em 2005, “Mao” é um imenso tour de force de 850 páginas sobre a figura de Mao Tsé-tung, líder da revolução comunista chinesa e fundador da República Popular da China.
Escrito a meias com o marido, o historiador irlandês Jon Halliday, “Mao” é o resultado de mais de uma década de pesquisa (sintetizada nas mais de cem páginas dedicadas ao vasto elenco de entrevistados, fontes consultadas e referências bibliográficas) que cobre toda a vida de Mao Tsé-tung, desde o seu nascimento numa humilde família camponesa do interior da China até à sua morte como líder de uma nação com mil milhões de habitantes, passando por eventos historicamente significativos como a Longa Marcha ou a Revolução Cultural.
“Mao” procura estilhaçar a imagem benevolente de que Mao Tsé-tung ainda goza em alguns círculos ocidentais, procurando elevá-lo à primeira divisão da tirania, juntamente com Hitler e Estaline, responsabilizando-o por 70 milhões de mortes em tempo de paz e pelo longo inventário de traições e intrigas políticas, suspeitas e delações, purgas e execuções que caracterizou o comunismo chinês. O problema é que o faz focando quase exclusivamente os defeitos de carácter de Mao (invariavelmente provenientes de fontes orais inverificáveis), relegando para segundo plano o rigor da descrição histórica. Assim, temos Mao o egoísta (“conseguir comer à sua vontade e ler até ficar plenamente satisfeito era a ideia que fazia de uma boa vida”, pág. 49), o desmazelado (“era desleixado e parecia nunca mudar de roupa”, pág. 36), o oportunista (“tornara-se comunista, não após uma viagem idealista ou impulsionado por uma crença apaixonada, mas estando no sítio certo na altura certa”, pág. 40), o promíscuo (“os sentimentos de Mao não tinham comparação com os de Kai-hui e ele continuava a encontrar-se com outras namoradas”, pág. 44) ou o sádico (“descobriu em si próprio um gosto pela arruaça sedenta de sangue”, pág. 62), para citar apenas alguns exemplos.
Este retrato unidimensional de Mao parece provir sobretudo do ressentimento (a autora é ela própria filha de quadros do PC chinês caídos em desgraça em purgas internas, tendo sido forçada a emigrar), que sendo compreensível não é o melhor conselheiro da narrativa histórica. É assim que Mao surge quase como um vilão de banda desenhada, perdendo-se o rasto ao contexto histórico e não se chegando a compreender o apelo ideológico que o maoísmo chegou a ter.
Como entretenimento funciona razoavelmente, mas os leitores interessados em conhecer realmente a figura controversa e multifacetada de Mao, e sobretudo mais exigentes com o rigor historiográfico, devem procurar noutro lado. Atribua-se contudo uma nota positiva à edição, enriquecida pela inclusão de fotografias de arquivo.
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