Márcia @ São Jorge (14.05.2013)
A voz que nos envolve como se num "Casulo"
«Oceano» abre o concerto de Márcia, no Cinema São Jorge. As expectativas são altas, o novo álbum da cantora rompe com o seu estilo usual. A banda, disposta em semicírculo, emana um sentimento de unidade, de igualdade. A cantora enquadra-se na disposição, sem se querer destacar – aliás, é este o sentimento geral de “Casulo”, onde cada instrumento tem o seu tempo de antena, e dá lugar ao próximo, num ciclo coerente.
E são muitos os amigos que povoam a sala Manoel de Oliveira: Ana Bacalhau e os seus Deolinda, Luísa Sobral, Ana Moura, entre tantos mais, conhecidos e desconhecidos, todos com a vontade de se deixar envolver por Márcia, e pelo mundo encantador que ela cria em palco.
Os seus convidados são também muito especiais: a fabulosa Celina da Piedade e o seu acordeão trazem mais magia ao single «Deixa-me ir», e a outras canções de “Casulo”. Samuel Úria dá um contributo súbito e harmonioso, com a sua sonoridade especial, como já nos habituou, em «Menina», num dueto incrivelmente bem executado pelos dois cantores, deixando a sala com vontade de dançar.
São canções de intervenção, de mudança, que despertam o espírito, que fazem pensar, estas que são apresentadas no cinema São Jorge. Muito se deve também à simpatia, à naturalidade, à calma que Márcia emana, contando-nos histórias à medida que o concerto avança, revelando um pouco mais de si, e do mundo que a inspira.
«Decanto» é uma surpresa constante de novas batidas, de uma percussão desenfreada, arrítmica, fora do lugar, que não obedece a regras, que nos deixa inquietos. É o melhor exemplo do álbum a que pertence. «Hora Incerta», com os seus acordes perturbadores e agitados, é talvez a canção mais surpreendente deste álbum, fugindo ao registo ameno que Márcia nos habituou. É, pelas suas próprias palavras, a canção mais negra que já compôs, é uma canção de desassossego.
É com alguma surpresa que Márcia revela ter de se socorrer das canções do seu anterior álbum. “Já cantámos todas as músicas do Casulo, agora temos de cantar as do Dá” diz, rindo-se.
De facto, pegando nas palavras da cantora, num momento divertido, “um concerto é como a feijoada” – cozinhando lentamente, para ser degustado num momento breve, mas intenso. E aqui não se fugiu à regra. O arranjo é melódico e harmonioso, onde os metais são uma constante, até como Márcia diz a certa altura – os “metaleiros” regressam ao palco, discretamente – e ainda bem, reunindo todo um conjunto de sons que se harmonizam, acrescentando a sua peculiaridade musical à noite.
Depois de um São Jorge a aplaudir de pé, a banda regressa para um encore: Márcia canta «A pele que há em mim» lamentando-se pela ausência de JP Simões. Mas não é menor a sua performance – acompanhada apenas da sua fiel guitarra, relembra-nos porque é tão fácil gostar de “Dá”.
«O Mais Humano Sentimento São», em dueto com Samuel Úria, e «Misturas» são mais duas canções de “Dá” que a cantora visita, trazendo-lhes um novo fôlego musical.
«Pra quem quer» finaliza o concerto, numa mistura de personagens e sons, num ambiente intimista, divertido, pautado pela espontaneidade e pelo génio de todos os músicos que compõem a banda que a acompanha.
Neste concerto de apresentação, chegamos à conclusão que este é um álbum cheio de alma, cheio de personalidade; é despretensioso, quase simplista até, onde a música muitas vezes fala por si só, sem precisar de letra para fazer passar a sua mensagem. É uma Márcia diferente que nos chega ao ouvido, com outro sentido na vida; é um rompimento com a exuberância de “Dá”. Mas no final, existe mesmo algo em comum: a voz doce e suave de Márcia, que nos envolve como se num casulo.
Fotografia por Ana Marques
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