Maria João e Mário Laginha

Dia 7 de Setembro, de borla no Casino do Estoril.

O cenário previsto no Casino Estoril para o próximo dia 7 (quinta-feira) é de casa cheia, e não é de surpreender. Poder escutar mais uma vez as delícias musicais de Mário Laginha, acompanhadas das acrobacias vocais de Maria João, é sempre uma ocasião que não se rejeita facilmente. Mais para mais quando ela nos é oferecida (um cavalo com “dentes de ouro”). E é legitima a atenção que o público de terras lusas (e não só) dedica ao duo jazzistico português mais conhecido e reputado internacionalmente (infelizmente é difícil não fazer uso da “cotação internacional” para ajudar a sublinhar a importância de alguém em Portugal, mas talvez a humildade de admitirmos a nossa pequenez seja a chave para dela sair. Fica em boa fé).

Cito rapidamente duas notícias sobre os mesmos:

Maria João nomeada para Prémio Europeu de Jazz
(in www.mariajoao.org)

“Maria João é uma das nomeadas pelo júri do Austrian Music Office (AMO) para o Prémio Europeu de Jazz 2006, que distingue os nomes que mais se destacaram internacionalmente no panorama do jazz. Os outros nomeados são o cantor britânico Jamie Cullum e o pianista sueco Bobo Stenson. A selecção e entrega do prémio acontece em Viena no próximo dia 1 de Dezembro.”

Mário Laginha vence Grande Prémio SPA-Millennium BCP
(in www.mariolaginha.org)

“O pianista e compositor foi o vencedor da primeira edição do Grande Prémio SPA-Millennium bcp. O galardão foi criado para distinguir autores que representem a qualidade e a capacidade de inovar, contribuindo para o enriquecimento do nosso património cultural e artístico e para o prestígio internacional de Portugal.”

Mas a razão que nos leva dia 7 “a correr” para ouvir Maria João e Mário Laginha não está obviamente nos prémios acima mencionados. Não, mesmo nada. Está algures no sinal captado quando ouvimos a sua música. Experimento “decompor” a composição musical deste duo.

Ele

Responsável pela composição de praticamente todo o arranjo musical dos temas. É difícil tecer preferências entre os prodígios criados pelos dedos deste músico compositor: se martelando um teclado branco e preto ou de lápis empunhado sobre uma folha de papel pautada.

Mário Laginha parece acumular dentro de si uma inesgotável fonte de inspiração musical que lhe permite jogar com qualquer composição instrumental como um refinado chefe de cozinha com os mais variados ingredientes. Perante uma formação de jazz mais simples ou mais composta, perante uma formação rítmica standard ou mais rica “etnicamente”, perante uma inteira orquestra clássica ou um único piano, o músico compõe bases temáticas de uma forma genialmente criativa, misturando influências rítmicas e harmónicas oriundas do jazz, música africana, oriental, sul americana, da clássica, um pouco de pop e de tudo o mais que lhe vier em mente. Tempera-as de seguida com melodias que flúem contínuas entre momentos simples com um carácter mais intimista e desenhos rápidos e articulados que enchem o tema de cor e vida. Tudo misturado, se for preciso, numa só música, qual delicioso prato multi-étnico.

Com todos estes ingredientes e utensílios, o nosso gourmet cozinha de tudo: canções românticas, alegres, melancólicas, swings jazzisticos, temas instrumentais complexos, fugas barrocas, épicos sinfónicos, danças tribais, canções-dança de raiz popular. E mais se queira mais se inventa…

Depois arregaça as mangas e suja as mãos na comida. O virtuosismo técnico destacado nas passagens mais velozes e articuladas é indiscutível e dispensa comentários. Mas o que fica marcado são as formas inventivas em que o nosso artista mete a sua criatividade ao volante do seu virtuosismo. Melodias e solos improvisados, que parecem nascer de um universo criativo racionalmente apaixonado (ou apaixonadamente racional, se se preferir!) alternam-se a motivos rítmicos geralmente rápidos e repetidos em loop que usa frequentemente na sua música e com os quais exibe o piano quase como “instrumento de percussão” ao lado da secção rítmica. Escrita ou improvisada, a música de ML manifesta com toda a clareza a genialidade com que articuladamente cozinha as suas ideias musicais.

Mário, le chef.

Ela

Escreve os textos. E depois canta-os. Não faz sentido comentar os temas escolhidos por cada artista (ou cada pessoa em geral), cada um pensa (pelo menos até certo ponto!) no que lhe apetece, mas faz muito sentido apreciar a forma como habilmente constrói as suas histórias, as suas personagens, oriundas de distantes pontos do globo e mundos inexistentes, as suas poesias em que disserta sentimentos sentidos ou imaginados. Palavras que servem de guião num filme representado com a voz.

Provavelmente já todos nós, nem que uma só vez ou outra por acaso, ouviu a Maria João a cantar e sabemos bem do que é capaz de fazer com a voz. No entanto, continuo a deixar-me deslumbrar cada vez que, premeditada ou casualmente, oiço um disco seu. Capaz de traduzir com a voz a intimidade que estabelece com as palavras e ideias que canta, carrega-se de um sentimento, um desejo, um sabor, sente-o vivo dentro de si e depois canta-o cá para fora. Imagina as suas personagens, veste-as com sotaque e modos de dizer, escolhe os timbres vocais para a sua decoração e depois dá-lhes vida (quando o canta deseja provavelmente aquele peixe para o almoço tanto quanto o menino Rafael). Brinca com a voz, corre linhas melódicas velozes improvisando com as notas, salta por cima dos instrumentos dobrando as suas melodias, por vezes “senta-se” ao lado das percussões e toca o último instrumento do grupo: a percussão vocal.

Maria João, a cantora que dança com a sua voz

Se é causa ou consequência da união destes dois músicos, pouco importa. O que realmente nos leva dia 7 até ao Casino Estoril para ouvir mais uma vez Maria João e Mário Laginha é esta sintonia criativa com a qual o duo continua a produzir delícias musicais para os nossos ouvidos. “De escutar e aplaudir por mais.”



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