Mark Deputter
Fomos ao encontro do novo director do Teatro Municipal Maria Matos. Entrevista exclusiva com o homem que acredita que Lisboa tem tudo para ser a Berlim da Europa do Sul.
A Rua de Baixo foi ao encontro de Mark Deputter, antigo director do Festival Alkantara e novo director do Teatro Maria Matos em Lisboa, para conhecer o seu “projecto de acolhimento” a novos e já conhecidos coreógrafos e encenadores portugueses e internacionais. A ideia não é nova, mas revigora um pouco o panorama das estruturas artísticas em Lisboa.
RDB – Porquê o Maria Matos?
Mark Deputter (MD) – De facto foi um convite por parte do Miguel Honrado, director da EGEAC, e esta foi uma opção dele, que a meu ver faz todo o sentido e foi por isso que decidi aceitar, embora tenha sido difícil tomar esta decisão… deixar o meu “bebé” (Festival de Alkantara). Mas depois achei que era um desafio interessante e que o ponto de partida era igualmente interessante e tomei a decisão.
Voltando ao início da resposta, para o Miguel fazia sentido também porque a CML tem dois teatros municipais e era importante começar a pensar numa divergência entre os dois teatros, criar perfis diferentes, enquanto na realidade os dois estavam cada vez mais próximos em termos de trabalho, e penso que esta questão fez todo o sentido enquanto ponto de partida. Assim podemos ter um teatro que se dedique à renovação, aos novos criadores e a um trabalho mais contemporâneo que estávamos a precisar nas artes do espectáculo.
RDB – Que cruzamento pode haver entre a estética e as opções artísticas que dão cara ao Festival Alkantara e o que virá a ser mostrado no Maria Matos?
MD – Partindo do convite e da missão que foram apresentados para este teatro, há para mim uma lógica para quem quer trabalhar na área das artes contemporâneas e no trabalho contemporâneo que é trabalhar transversalmente todas as áreas como o teatro, dança e até a música, porque hoje em dia o público e os próprios criadores já não vêem isso de uma forma separatista. Há muitos cruzamentos e fusões entre as várias áreas, o que para o Maria Matos vai ser novo. Vamos ter muito mais dança, muito mais música e outras áreas que possam cruzar-se. Outra consequência imediata para mim é a internacionalização que também é comparável com o que acontecia no Alkantara, porque acho que arte contemporânea já não vive ao nível nacional. Há tipos de criação artística mais mainstream que sobrevivem e fazem sentido a um nível estritamente nacional, mas há uma parte da criação que só pode ser vista num panorama mais elevado e mais internacional porque as influências são mais rápidas e vêm de todo o lado e isto é imediatamente uma consequência.
Por outro lado, deparamo-nos com uma grande diferença em relação ao Alkantara, que se prende com a responsabilidade em relação aos criadores nacionais e locais e, como teatro, com a sua continuidade em termos de programação pode ter-se um papel mais dinamizador. Um festival de dois em dois anos é bom como um momento de festa e de encontros, enquanto que no teatro pode-se trabalhar mais em profundidade e com continuidade, criar ligações mais estreitas e mais fortes.
Outra questão importante tem a ver com a ideia de teatro municipal, pensado no que é e como pode ser diferente ou semelhante a festivais e outros teatros. Acredito que pode ser um lugar passível de ser redescoberto, criando um espaço de encontro, de troca de ideias e de debate, sobre a vida na cidade e como ela está organizada, e tentar remeter um pouco à ideia muito antiga do teatro como espaço de debate de questões sobre a cidade. No teatro grego todas as questões metafísicas e filosóficas eram discutidas no teatro, e gostava de tentar fazer um pouco isso aqui.
RDB – O Maria Matos vai “competir” com que estruturas em Lisboa?
MD – Bem, uma das grandes conquistas do Diogo Infante e da Mónica Almeida foi terem conseguido em poucos anos colocar o teatro Maria Matos no mapa cultural da cidade. Neste momento é um dos palcos centrais da cidade e em termos de oferta cultural concorremos com estas estruturas.
Em relação ao teatro com o qual iremos ter mais proximidade em termos de programação é obvio que será a Culturgest, mas vendo sempre de uma perspectiva positiva. Acho que uma boa particularidade do teatro aqui em Lisboa é a vontade de se trabalhar em conjunto e não de costas viradas, o que em Paris ou até em Bruxelas e noutras cidades é impensável, por exemplo, um artista estar um ano num teatro e noutro ano mudar para outro. Ou seja, se um artista está no Kaaitheater ou no Théâtre de la Ville, não é provável que vá para o Centre Pompidou ou para o Theatre de la Bastille, isto porque nestes teatros existe aquela ideia de encontrar um artista específico e ficar com ele só para si. Aqui não, as pessoas fazem os seus programas. Um artista pode estar no CCB e a seguir no Teatro Camões ou no São Luiz, não há aquela ideia de posse, e isso é uma característica muito positiva.
Com a Culturgest já temos projectos para trabalhar em conjunto, porque entendemos que temos algumas coisas em comum e ao mesmo tempo também creio que não haja uma oferta demasiado grande e em conjunto podemos realizar um bom trabalho, que também tem a ver eventualmente com o facto de o CCB ter deixado este papel um pouco de lado. Há uns anos atrás tinha mais programação na área do teatro e hoje em dia está mais direccionado para a música clássica e erudita e muito menos para as artes do espectáculo.
RDB – E internacionalmente?
MD – Um dos grandes objectivos e desafios para este teatro é de facto colocá-lo num circuito internacional. É algo a construir; gostava de criar uma imagem a nível internacional, termos trabalhos que possam ser vistos lá fora, poder dar uma visibilidade internacional aos nossos artistas. Outra questão a desenvolver é a criação de redes de colaboração entre o Maria Matos e outros espaços internacionais para começarmos a co-produzir e co-criar espectáculos. Não só a nível financeiro e de divulgação internacional, mas também me agrada bastante a ideia de juntar artistas portugueses e estrangeiros ao nível artístico, para trabalharem em conjunto.
Por exemplo, porque é que Berlim ou até mesmo Bruxelas, que em si não são cidades muito interessantes, em termos culturais têm tanta importância e pujança? Tem a ver precisamente com o facto de serem cidades onde muitas pessoas se juntam e onde existe um grande intercâmbio cultural e internacional. Nova Iorque também teve isso, e ainda tem, porque é um sítio onde toda a gente se encontra e trabalha em conjunto.
Obviamente que Lisboa não se compara com Nova Iorque, Londres ou Paris, mas poderia perfeitamente comparar-se com Berlim, que na cultura não tem orçamentos muito maiores que Lisboa. Sendo que Lisboa tem inúmeras qualidades, tanto para se viver, como cidade com um panorama artístico no meu ponto de vista muito interessante e com muito potencial. E depois tem ligações com o Brasil e África, que oferecem imensas possibilidades.
E já tenho reparado, por exemplo com o Alkantara onde fizemos vários encontros internacionais, como é impressionante a relação entre nós e os povos do Mediterrâneo, dos países Árabes como Beirute e outros países africanos, a forma como se sentem em casa, porque também existe uma história e referências culturais fortes que potenciam isso.
Acho que Lisboa pode ser o “Berlim do Sul”, sem ter a dimensão de Paris, Londres ou Nova Iorque. Podemos ter uma dimensão pequena mas sermos mesmo bons naquilo que fizermos, sermos mais avant-garde e Lisboa pode ser uma cidade onde as coisas acontecem.
RDB – O que é que falta para isso acontecer?
MD – Penso que faltam várias coisas. Em primeiro lugar, de uma forma muito estrutural, penso que têm de haver mais apoios e estes serem mais eficientes. Acho inacreditável que os subsídios para as artes dos espectáculos existam desde 1996 e em 2009 ainda não estejam a funcionar, com atrasos e problemas vários ao nível dos concursos. Estamos em Janeiro de 2009 e as estruturas ainda não sabem se vão ter dinheiro para este ano.
Para além do dinheiro, também é importante criar melhores estruturas e desenvolver o elemento da internacionalização, assim como a criação de projectos de residências artísticas que qualquer cidade cosmopolita tem. Acontece, por exemplo, os nossos artistas irem a Berlim e nós não podermos dar nada em troca. E não é muito caro, é principalmente uma questão de organização.
RDB – Até que ponto o teatro Maria Matos pode mutar-se para oferecer o necessário a tão variadas estéticas e ambientes?
MD – É um desafio de facto, porque dada a variedade de trabalhos que aqui vão poder ser desenvolvidos e uma vez que a estrutura do teatro Maria Matos é a do teatro italiano clássico, com auditório e palco, e isso em termos de criação contemporânea é limitativo, os formatos são muito mais diversificados. Mas o que vamos tentar fazer é exactamente criar soluções para multiplicar as possibilidades de utilização do espaço, ou seja, no próprio auditório já estamos a preparar uma bancada, que a Culturgest também já tem e utiliza com alguma regularidade, para peças que necessitam de um diferente relacionamento entre o palco e o público. Ao mesmo tempo, também não tenho nenhuma resistência em poder utilizar outros espaços, por exemplo em Junho no programa que vamos apresentar, que é um pouco festivo, vamos utilizar espaços aqui do bairro, que são fora do teatro mas não estão longe. Acho que este tipo de projectos que não são dentro do auditório mas noutro tipo de espaços também são interessantes e vamos trabalhar nesse sentido.
RDB – Que planeamento prevê em termos de formação, projectos educativos e criação de novas consciências artísticas?
MD – Em termos de formação o Maria Matos já tinha um Projecto Educativo e este é um projecto que vamos desenvolver mais. Vai ter mais espaço e visibilidade no teatro, vamos continuar com a apresentação dos espectáculos para o público dos 3 aos 16 anos, porque é mesmo muito importante em termos de criação de hábitos culturais. Em relação à formação artística, também vamos desenvolver algumas iniciativas mas não vejo nisso o nosso ponto mais importante. Há estruturas que o fazem e que focam mesmo essa questão da formação e experimentação, em contextos mais fechados, como o Fórum Dança por exemplo, e eu gosto de pensar neste teatro como um espaço mais aberto, onde o confronto com o público é muito importante. Gostava mais de me concentrar em projectos onde a formação seja uma vertente da própria criação.
RDB – Que público vamos ter nesta nova fase do Maria Matos?
MD – É uma questão muito importante, e eu tenho noção que uma mudança em termos de conteúdo artístico e programático tem repercussões em relação ao público. O teatro Maria Matos conseguiu criar um público grande, vem aqui muita gente, e obviamente que gostava de manter esse público mas sei que não vamos manter todo. Gostava portanto de pensar que é possível manter uma parte deste público e criar um outro, que seja curioso em relação a outras formas de fazer teatro, que em parte será também público do Alkantara, e ainda os públicos das companhias que vão encontrar aqui uma casa, porque vamos ter um maior fluxo de propostas e não peças que ficam dois e três meses. E isso significa que vamos também poder contar com os públicos destas companhias independentes.
Obviamente que é uma questão que leva tempo, mas acredito que quando se faz um programa consequente e regular e quando se consegue criar um perfil claro para uma casa, que o público vem e vai-se formando. Não vai ser do dia para a noite mas vai acontecer.
RDB – Gostava que caracterizasse, em duas palavra, o Maria Matos numa era pré e pós Mark.
MD – Bem, é muito difícil, porque as realidades são muito diferentes e têm muitas facetas, mas pensando em termos de passado e futuro, vem-me à ideia um passado mais “sólido”, e um futuro num estado mais “líquido” porque ainda tem alguma coesão mas ao mesmo tempo é muito flexível.
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