Maurício de Sousa
O criador da "Turma da Mônica" passou pela Amadora e a RDB falou com ele.
Maurício de Sousa é um nome que dispensa apresentações, sendo o artista de BD lusófono mais conhecido em todo o mundo. Neste ano em que comemora 50 anos de carreira, passou por Portugal no segundo fim-de-semana do “Festival Internacional de BD da Amadora”.
Não podendo perder esta oportunidade a RDB foi ao seu encontro e é impressionante ver que após 50 anos, Maurício de Sousa continua com a mesma paixão pela sua carreira, pensando sempre em novas ideias para desenvolver na “Turma da Mônica”.
Como começou a trabalhar em Banda Desenhada?
Eu aprendi a ler na BD e desde criança falava que se os outros fazem eu posso fazer também. Quero fazer os meus personagens, criar as minhas histórias, fazer as minhas BD’s e me preparei para isso. Comprava revistas, estudava os textos, o desenho, colava, recalcava, desenhava copiando, até que quando me tornei adulto eu saí da minha cidade e fui procurar emprego nos jornais e editoras, não conseguindo. Consegui uma vaga na Reportagem/Produção, no jornal a “Folha da Manhã” em São Paulo e fiquei lá alguns anos me preparando mais ainda para depois lançar a primeira série de histórias de quadradinhos nos jornais, tiras de jornais. Não havendo solução para que a mesma tira saísse em diversos jornais, como o sindicado dos americanos faz pois no Brasil não havia um sindicato, tive de montar isso. E foi assim que começou, eu queria contar histórias com desenhos e isso aconteceu há 50 anos.
Foi precisamente na “Folha da Manhã” que criou o seu primeiro personagem da “Turma da Mônica”, o Bidu.
Sim a Mônica não existia ainda.
E vê-se que não o esqueceu pois é o símbolo da sua empresa.
É que normalmente os cães são muito fiéis, então é recíproco eu quero ser fiel a ele.
Eu pensava que ele era o seu primeiro personagem de BD, no entanto quando li a revista “Lostinho-Perdidinhos nos Quadrinhos” descobri que tinha alguns personagens ainda mais antigos.
Mas eram personagens não comerciais, da parte não profissional. Eram umas brincadeiras da época em que era estudante.
Como criou os seus personagens? Sei que alguns deles são baseados nos seus filhos e tendo 10 já é um bom número para tirar ideias.
É bom ter dez filhos para criar personagens. Ainda não são todos, falta o caçula, o último, porque ele ainda não quer. Eu criei já o personagem, já vesti com a personalidade e ele não aceitou. Ele concorda que o personagem se parece com ele, mas não se sente bem sendo divulgado. Marcelinho é o nome dele, e ele é politicamente correcto, ele faz tudo certinho, economiza a água, apaga a luz, estuda sem ninguém mandar, troca de roupa regularmente, se veste sozinho, faz a mala sozinho, dobra camisa, engraxa sapato, não precisam de o acordar para ir para a escola, ele é perfeito, não existe. Então criei “Marcelinho o certinho” e ele não quer porque os seus colegas na escola vão gozar e pegar no seu pé, lá no Brasil eles falam: “vou pagar um mico”. Então o Marcelinho não quer e diz para eu inventar outra coisa qualquer, mas ele é assim, então estou negociando com ele faz 5 anos, para ver se eu crio ou não o personagem. Os outros aceitaram, a Mônica acha que não é tão brava quanto eu coloco nas histórias, mas ela é.
E o Cebolinha também é um dos seus filhos?
O Cebolinha não. O Cebolinha e o Cascão eram dois miúdos que jogavam bola com o meu irmão mais novo e tinham os nomes de Cebolinha e Cascão mesmo. O Cascão não tomava banho de verdade e o Cebolinha tinha o cabelo espetado igual à cebola e falava trocando o “R” pelo “L”, então eu não os inventei, eles existiam de verdade.
Qual a sensação de saber que a “Turma” influencia e continua a influenciar tantas gerações? Falo por mim, pois foi das primeiras coisas que comecei a ler e foi algo que me iniciou nesta paixão pela BD.
Que bom. Eu acho que é positivo, que é interessante e gratificante, no entanto me dá mais responsabilidade, eu tenho que cuidar muito bem da forma, do conteúdo, da mensagem, do que eu coloco nas histórias. Tenho de conversar com o leitor como se fosse um filho meu então se eu mantenho essa filosofia a história vai ser bem aceite por qualquer pessoa, pela família, pelo pai, pela mãe, esse é o nosso mandamento único lá no estúdio. Quando o desenhista, o roteirista ou alguém está imaginando um novo brinquedo, a pergunta que colocamos é: “Você daria este produto que estou imaginando para o seu filho?”, se a resposta for positiva vamos fazer, se houver uma dúvida é melhor não, porque você não quer dar nada errado para o seu filho, essa é a nossa vida.
Aliás apesar de a “Turma da Mônica ser BD infantil eu ainda hoje com 26 anos a leio e continua a divertir-me. E acho que com 50 ou 60 anos o continuarei a fazer e acho isso fascinante.
A coisa é não tratar criança como se fosse criança você dá sempre algo um pouquinho mais para cima intelectualmente porque ela vai buscar, a criança vai atrás.
Até porque a “Turma da Mônica” tem muitas referências culturais.
Tem, algumas que você precisa duas, três leituras para depois pegar. A história do Horácio, que eu que desenho e escrevo, tem três leituras, a criança lê de um jeito, o jovem de outro e o adulto de outro. A criança lê e fala: “Que é que é isto? Não entendi bem”, mas tem dinossauro, tem cores e ela se interessa mais ou menos. O jovem percebe que há alguma coisa de mensagem mas ele ainda não está sentindo totalmente a força daquela mensagem filosófica do Horácio e o adulto quando lê o Horácio fala “Ah então era isso”. Isto pode acontecer nas histórias da turma da Mônica também e isso faz com que a revista não seja jogada fora ela fica lá para ser relida.
Qual o seu personagem preferido deste Universo?
Realmente não tem personagem preferido porque quando você está fazendo o Bidu, ou o elefante, ou a Mônica você tem que ser ele, se não você não passa a mensagem, a emoção. Só que quando eu visto a fantasia de Mônica eu sou uma menina eu não posso falar muita coisa fora do Universo da menina, quando eu sou o Cebolinha eu sou um miúdo, quando eu sou um elefante eu sou um elefante, mas quando eu sou o Horácio… O Horácio provavelmente é um dinossauro, o tempo que ele habita lá no mundo dele eu não sei pode ser alguns milhões ou biliões antes ou depois não se sabe. Não há tecnologia, não há cidade, não há nada, então você pode fazer uma história espírito, uma história com filosofia, uma história livre. É nas suas histórias aonde eu me ponho mais como artista, socialmente ou em termos filosóficos. Então o Horácio permite que o Maurício adulto fale mais mas não é que eu goste mais dele, eu gosto de todos, todos são meus filhos.
A “Turma” além da BD já teve adaptações ao cinema, à TV, a jogos de vídeo, até tem parques de diversões. Falta-lhes conquistar mais alguma coisa?
Todo o dia tem coisa nova, agora com tanta tecnologia tivemos que emitir avanços maiores no desenho animado, nos filmes, nos jogos de vídeo, e na área de diversões também quero criar coisas diferentes e estou criando um laboratório de pesquisa para nós usarmos novas tecnologias, um criadouro de novas ideias com cientistas de robótica já contratados, que já estão trabalhando em local incerto e não sabido para pesquisa de novos produtos.
O que está a achar do festival em geral e da sua exposição em particular?
Adorei. Essa exposição é das melhores, mais interessantes e didáticas que mostra todo o processo de criação dos personagens, nem no Brasil eu fiz isto. Nunca no Brasil eu tirei dos estúdio os originais, aqui é a primeira vez, o Nelson garantiu que tinham segurança e que o pessoal respeita, que não haveria problema nenhum e ficou tão bem que quero repetir a dose, com coelho gigante e tudo, no Brasil e a exposição no geral está muito boa.
É verdade que tem um projecto de alfabetização cujo objectivo é o de educar mais de 10 milhões de crianças?
A pré-alfabetização. Eu estou tentando montar um projecto desses no Brasil, estou já executando algo parecido na China e vamos fazer um no Brasil só que está um pouco mais atrasado. Mas se eu tiver muito empecilho vamos fazer por conta própria, vamos criar para a televisão programas paradidáticos para auxiliar as crianças que estão na idade da pré-escola. Depois que entram na escola as crianças estão bem servidas, nesse período antes da escola é que estamos mal servidos no Brasil e é aí que eu quero ajudar, a televisão no Brasil é muito forte e eu quero usar a sua força.
A educação é o nosso próximo passo.
Quais são ou foram as suas maiores influências?
Já foram, mas hoje tem coisas acontecendo também.
Mas Foram os clássicos Will Eisner, Al Capp que criou “Ferdinando” um caipira norte-americano que era uma critica social muito forte.
Havia um personagem pré-histórico no Brasil chamado “Brucutu” um homenzinho pré-histórico que viajava no tempo também me influenciou bastante, no desenho principalmente. Havia um bom material naquele tempo do “Popeye o Marinheiro”, na década de 40´s
Se não trabalhassem em BD o que é que estaria a fazer agora?
Pianista. Eu tinha dúvida se iria para o piano ou para o desenho. Como não dava para estudar piano quando era criança cheguei à conclusão que era mais fácil usar o lápis e ia ser mais fácil carregar o lápis do que o piano.
Mas eu faço música, as músicas dos filmes fui eu que compus, depois foi o meu irmão que assumiu o papel e agora eu deixo com ele mas as primeiras músicas dos primeiros filmes são minhas.
O mangá é um género de BD que tem ganho muitos adeptos nos últimos anos. Como falávamos anteriormente a “Turma da Mônica” tenta estar sempre actualizada e neste caso também não ficou para trás tendo direito a uma série de mangá. Como surgiu esta ideia?
Eu estava perdendo leitores depois dos 10 anos de idade para o mangá, depois eles casam e voltam para comprar para os filhos mas eu perdia 10 anos desses meus amigos, então resolvi criar com o estilo mangá a “Turma da Mônica Jovem” e ganhei de novo as pessoas.
No entanto há diferenças entre essa turma e a original, pois são dirigidos a públicos diferentes, reparei por exemplo que nesta o Cebolinha não troca os “R’s” pelos “L’s” e o Cascão já toma banho. Uma vez que estas características são tão típicas dos personagens, quem for ler a “Turma da Mônica Jovem” vai reconhecer a personalidades dos personagens originais?
Totalmente. São as mesmas personalidades, apenas cresceram. Eu não mudei muito e acrescentei alguns bons hábitos, todos nós aprendemos alguma coisa com o tempo.
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