MECHANICAL MONSTERS
Uma criação de Rui Neto em cena no Teatro Comuna.
A espécie que se observa
“É quase como se fosses ao jardim zoológico ver aquilo.” É assim que Rui Neto nos fala desta criação. Isto porque, ao entrar na sala dámos logo de cara com um painel branco à frente do palco e talvez se pense ‘quando é que isto sai daqui para começar o espetáculo?’.Mas não. é mesmo uma parede e faz parte da encenação. A visão do público é confinada às imagens que os atores vão formando dentro de um retângulo nesta parede, como se fosse um ecrã que se fecha para a projeção dos vídeos e se abre numa tentativa de delimitar a visão e colocar aqueles espécimes em observação. A nudez dos pés remete para a questão do homem se mostrar primitivo em alguns momentos, ainda que se julgue num contexto cuja tecnologia o faz parecer evoluído.
A forma rápida como é dito o texto em muitos momentos, a inexistência de personagens definidas e a falta de lógica entre o que é dito (talvez por se dizer aquilo que se pensa) não tem só influência nas novas tecnologias. Há aqui, para quem conhece, uma referência a Samuel Beckett (mais precisamente ao seu Not I) mais evidente numa cena em que cada um transporta a sua própria luz, um pouco como se o pensamento fosse a energia que “dá à luz.” A falta de narrativa concentrada no egocentrismo do ser humano aproxima o texto da ideia de comunicação nos dias de hoje. De acordo com o autor “é sempre a perspetiva do mundo a partir de ti”, “É um espetáculo sobre a sociedade, sobre uma visão um bocado apocalíptica e de uma série de coisas, mas acho que nada disto é possível se não fosse pelo eu, este ponto de vista do eu, a forma com que eu gosto de olhar para as coisas e a forma com que eu absorvo as coisas que estão à minha volta”. Somos abalroados com uma chuva de informação do início ao fim, onde o uso da palavra é uma constante indispensável e que entra no que é falado, pensado e contra-pensado com um mix de termos ingleses pelo meio (sem esquecer o nome do próprio espetáculo), o que é perfeitamente normal quando nos encontramos rodeados por Iphones, messenger, facebook, apps ou “epps” como a shot gun que se escreve com ‘u’ mas lê-se com ‘a’…- “nunca fui bom a inglês”- é uma das falas.
Este ano é já a reposição desta peça e as caras novas trazem consigo cenas novas, porque para este criador, os atores são uma peça chave na construção dos seus projetos. Quanto aos atores, o interesse em participar surgiu do desafio que o texto coloca à interpretação e até mesmo da reputação de Rui Neto, bem afamado por algumas das suas produções anteriores.
Mechanical Monsters funciona como uma crítica à sociedade contemporânea que absorve informação a toda a hora e em todo o lado sem capacidade para aprofundar os assuntos, e muitas vezes de filtrar o que é realmente importante do acessório. É assim um espetáculo dinâmico com cenas de palco e de audiovisual, marcado por um ritmo frenético e de reflexões confusas e fúteis em torno da questão do EU no mundo atual.
FICHA TÉCNICA
Texto e criação: Rui Neto
Interpretação: Cristóvão Campos, Jani Zhao, João Vicente, Martyn Gama, Rúben Pêro, Susana Blazer (vídeo)/ Luz: João Rafael Silva/ Som: Cristóvão Campos/ Vídeo: Henrique Carvalho/ Vídeoclip: Pedro Salvado/ Vídeo Promocional: Roger Madureira/ Cenografia: Marisa Fernandes,Rui Neto/ Apoio cenográfico: Duarte da Cunha/ Coreografia: Paulo Jesus/Fotografia: Mariana Silva/ Operação técnica: João Rafael Silva, Ricardo Foz, Rui Neto/Assessoria de Imprensa: Mafalda Simões/ Produção: Rui Neto
Teatro Comuna
De 19 a 29 de Maio.
Quinta a Sabado às 21:30
Domingos às 16:00
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