MEDEIROS/LUCAS | “Terra do Corpo”
Pode não parecer mas "Terra do Corpo" vai, mais cedo ou mais tarde, tornar-se um dos álbuns incontornáveis da música portuguesa. É apenas e só uma questão de tempo
“Terra de Corpo” é tradicional e é arrojado. É feito com a mente no passado, no presente e no futuro, como que a desafiar todas as limitações de espaço e tempo. Não pode nem devem haver quaisquer barreiras a impor limites na criação artística. Paira no ar um sentimento de urgência, de quem não quer ser inconsequente. É uma demonstração cabal de que as regras existem para ser quebradas.
A canção de abertura «Sede» pode deixar antever um registo assente apenas no Jazz mas é sol de pouca dura. Um minuto basta para que a canção pule a cerca. A percussão e os arranjos electrónicos asseguram-se disso. Depois há a voz de Medeiros. Grave e profunda. Exige atenção e reverência. E nós damo-las.
As letras (ou poemas se preferirem) são reflexos dos nosso estados de alma e dos nossos tempos, sempre tão revoltos e convulsos.
«Safra de Gente» é uma combinação perfeita entre o tradicional e o moderno; canção tradicional electrónica. Já ouviram falar? É isto! E depois há ainda a forma como cada palavra é tratada. Não é nada menos que brilhante. Sentimos que não fica nada por dizer e que também nada é dito a mais.
«Sístole Perdida» traz as guitarras belas mas distintas de Tó Trips e Filho da Mãe. O resultado é inesperadamente belo. Escutadas isoladamente, os acordes parecem desencontrados mas ouvidos em conjunto interligam-se de forma perfeita.
As canções de “Terra do Corpo” moldam-se em função dos convidados, sem que o duo que está no centro de tudo perca a sua identidade. É o expandir inevitável do cancioneiro açoreano.
“De que te vale a transparência / Se primeiro cegas” cantam Carlos Medeiros e António Costa. É possível estabelecer um paralelo entre os bracarenses Ermo, a banda de António Costa, que colabora em «Transparência», e MEDEIROS / LUCAS. São ambos únicos nas abordagens que fazem à composição. Um pote de géneros e influências que vão da música popular portuguesa, passando pelo pop, pela electrónica, pelo jazz ou pelo rock.
A voz de Selma Uamusse em «Corpo Vazio» arrepia. É portentosa, versátil, grave, profunda e perfeita. «Asas» tem uma percussão intensa e desconcertante, que tão depressa surge como logo de seguida se silencia.
«Azougo» pode encerrar em si inúmeros significados. É verbo transitivo, intransitivo e pronominal. A canção progride num crescendo de intensidade, com Medeiros a cantar “por ti me vejo em grande falta / acorda, acorda, acorda, acorda”. Mais uma vez a necessidade de despertar presente. É talvez a canção mais rock de todo o álbum mas nem por isso foge à identidade de “Terra do Corpo”.
«Pulmão». Não vivemos sem ele. “Coisa alguma é feita sem ares no pulmão”. Podemos dizer o mesmo sobre “Terra do Corpo” e maior elogio não há.
«Fome de Vento» volta a trazer Tó Trips e o Filho da Mãe. É talvez a canção mais bonita do álbum. Tem um travo pop e depois há a guitarra do Filho da Mãe a invocar o nosso fado e uma qualquer saudade, porque temos sempre saudade de algo.
Pode não parecer mas “Terra do Corpo” vai, mais cedo ou mais tarde, tornar-se um dos álbuns incontornáveis da música portuguesa. É apenas e só uma questão de tempo.
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