MEO Kalorama 2022 | Dia 3 (03.09.2022)
No último dia de festival, a romaria até ao Parque da Bela Vista começou visivelmente mais cedo, pelo menos a julgar pela multidão que já se acercava do Palco MEO para a visita de Tiago Bettencourt. A moldura humana era realmente surpreendente para um concerto às 17h, facto que o próprio música acabou por realçar e agradecer. Foi uma actuação deveras agradável do ex-Toranja, que atingiu pontos de tão altos que até o guitarrista Pedro Branco, de perna engessada, não deixou de desbundar. Especialmente memorável a interpretação da “Carta”, cantada literalmente a meias com o público, tornando o momento especial. Foi definitivamente um concerto de comunhão, o que é garante de que passámos um bom bocado.
Subimos a colina até ao palco lá instalado para subirmos igualmente o tom de festa, patrocinada pelo som do trabalho mais recente de Moullinex. A empatia entre músicos e espectadores continuou em alta, fazendo inclusivamente levantar poeira aqui e ali, quiçá em honra da rainha honorária deste parque. Foi mais uma exibição ainda pertencente à digressão de «Requiem For Empathy», quase inteiramente dedicado a esse álbum, embora tenhamos tido direito a algumas das últimas diatribes concebidas por Moullinex e GPU Panic, como “Pacífico” e “See Me Burn”.
Era a vez dos míticos Ornatos Violeta tomarem conta do palco principal, e promoverem o (re)encontro do «Monstro» com amigos. É difícil perceber a razão de proscreverem continuamente o «Cão», mas algum bom motivo existirá para que, mais uma vez, recorressem a raridades e inéditos para rematar um concerto desta envergadura em detrimento de canções mais populares do primeiro disco. Todavia, não foi esse detalhe que impediu a monstruosa plateia de desfrutar a ouvidos vistos do espectáculo que Manel Cruz e comparsas sempre garantem.
De passagem pelo Palco Futura, foi novamente difícil conseguirmos vislumbrar algo da prestação dos Meute, que ainda assim fomos escutando prazenteiramente mesmo sem o encanto visual que as fardas dos artistas mereceriam.
O senhor da noite irromperia seguidamente no Palco MEO, arrebatando todas as atenções possíveis e imaginárias, pisando solo português pela segunda vez em 2022. Nick Cave & The Bad Seeds trouxeram um concerto praticamente decalcado do que assinaram no NOS Primavera Sound, o que seria expectável dado que se enquadravam na mesma tour. Mas, mesmo para quem se encontrava a bisar, como era o caso deste escriba, a intensidade e a emoção não esmoreceram minimamente devido a esse factor. É sempre um privilégio ter perante os nossos olhos Nick Cave, Warren Ellis e companhia, incluindo o coro gospel que tem provado ser um ingrediente extremamente nutritivo nestas performances. O contacto com o público é omnipresente, Nick Cave nunca se aguenta muito tempo em palco, longe do calor humano dos seus dedicados fãs, a não ser quando tem que se ocupar das teclas do piano, que sempre nos fazem estremecer. Continuamos a respirar a seu pedido, muitas vezes descompassadamente dado o rol de sensações que o que é transmitido do palco nos provoca. Não é fácil sobreviver a canções como “Waiting For You”, “Vortex” ou “Bright Horses”, bem como à comoção em palco alimentada pelo desenrolar de “Jubilee Street”, com todos os instrumentos a terminarem a excesso de velocidade. Tal e qual o nosso coração sempre que nos cruzamos com o mestre australiano.
No cimo da colina, Chet Faker provava que a mudança do nome artístico para o nome civil nunca devia ter sucedido. Nenhuma das partes saiu a ganhar nesse processo, em especial a inspiração do músico australiano. No MEO Kalorama, Chet Faker voltou a mexer connosco, mercê igualmente de um alinhamento pensado para uma aparição festivaleira, sempre na crista da onda.
Por fim, no Palco Futura, o melhor disco nacional que 2022 nos apresentou até ao momento (e já estamos na recta final do ano) ribombou conforme esperado, com o Club Makumba a provar ao vivo o nível da referida obra. Ainda que criado irmãmente com o percussionista João Doce, é impossível não olhar para este projecto como a continuação natural do caminho, sempre sinuoso e empoeirado (literalmente, neste cenário da Bela Vista) de Tó Trips. Continuamos aqui a sentir os fantasmas e as histórias de vidas marginais, desta feita embaladas por uma componente tribal e rítmica muito vincada, além das vagas de sopro persistentemente irresistíveis.
Fechavam-se os portões da edição debutante do MEO Kalorama que, com os habituais percalços e inconsistências duma primeira experiência (ainda que num terreno bem conhecido do roteiro festivaleiro luso) foi claramente um êxito. Quer a nível sónico, quer a nível de popularidade.
Reportagem do primeiro e segundo dia, respectivamente.
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