MERZBAU
O encerramento após cinco anos a dar-nos (literalmente) música.
A notícia apanhou-nos de surpresa. Começou por ser um rumor espalhado por um par de blogues e fóruns e, pouco depois, surgiu o email a confirmar: a Merzbau, uma das netlabels nacionais mais estimulantes, profícuas e (temos que o dizer) interessantes ia encerrar. Depois de cinco anos a dar-nos (literalmente) música, Tiago Sousa, criador, mentor e dinamizador da netlabel, anunciava o fim do projecto.
Uma das razões para tal decisão prende-se com o próprio “crescimento da Merzbau”, que chegou a um ponto em que tinha que dar o passo seguinte ou parar. E como esse passo seguinte envolvia “um investimento mais sério, com dinheiro envolvido”, Tiago Sousa optou pela segunda opção, até porque, como promotor, funciona “mais pela boa-vontade” do que por uma visão futurista de progressão, já que é “mais produtivo ideologicamente do que como homem da indústria” (mesmo que esta seja uma espécie de indústria marginal). Além disso, Tiago Sousa também é músico e prefere “a parte de criador”. E vem aí um disco novo, “cheio de expectativas”, que quer “lançar e promover bem”. Por isso, foi uma questão de “prioridades”.
A Merzbau surgiu há cinco anos, em Janeiro de 2004 para ser mais preciso, e nasceu dessa faceta de criador de Tiago Sousa, que sentia “uma necessidade de unir forças e criar sinergias”, numa espécie de “comunidade artística” para “concretizar projectos. E, de uma netlabel desconhecida e independente que proliferava pela internet, foi crescendo, ganhando projecção, tempo de antena e reconhecimento. Primeiro foram os projectos nacionais, depois vieram nomes internacionais. Tiago Sousa desataca “a sorte de ter estado rodeado de pessoas de enorme criatividade”, os verdadeiros responsáveis pelo sucesso da Merzbau. “Porque sem os artistas, a Merzbau não era nada”, conclui.
Olhando para o catálogo de 42 edições online lançadas (e não estamos a contar com as seis edições físicas e as outras três que foram apoiadas directamente), Tiago Sousa confessa-se “orgulhoso” com a lista de nomes, nomeadamente aqueles que, paralela e perpendicularmente à Merzbau, garantiram o seu próprio espaço na realidade musical nacional. Nomes como os Lobster, B Fachada, Noiserv, Walter Benjamin ou os Jesus, The Misunderstood, estrearam-se na Merzbau e hoje são já valores seguros dentro dos seus géneros, alguns bem distintos entre si. Tiago Sousa considera que essa até é uma das principais vantagens de uma editora desta natureza, ser um género de “tubo-de-ensaio” onde os artistas “podem crescer, sem compromissos”, visto que hoje “não há tempo para o fazerem” na grande indústria. Mas não foi só dentro de portas que se fez o sucesso da netlabel. Lá fora, houve também o curioso caso da francesa Chat, que deu o salto para uma multinacional, algo que “não acontece mais porque a indústria não está ainda virada para essa realidade”, considera Tiago Sousa.
Aliás, pelo menos em Portugal, não só a indústria não está está para aí virada como parece estar mesmo de costas (e para tudo o que tenha a ver com a internet). É comum vermos “a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) indignada com esse fenómeno”, das rádio online à partilha de ficheiros, ou ouvirmos senhores (ou melhor, um senhor muito específico) a dizer que vão espalhar um vírus para rebentar (sic) os discos rígidos de quem baixa ficheiros ou a defender a proibição da internet a todos os prevaricadores. Faz todo o sentido; quando alguém rouba uma ourivesaria, também fica proibido de usar relógio.
Para Tiago Sousa, “felizmente há gente com maneiras diferentes de ver as coisas e artistas que não vêem as netlabels como um crime”. Além disso, há também a creative commons, um selo de licenças padronizadas para gestão aberta de conteúdos, que “tem os olhos no futuro”. Deve-se ter em conta as potencialidades da internet, com a democratização e o acesso veloz e global da informação. “Que a sociedade capitlaista possa servir para alguma coisa”, realça Tiago Sousa, acrescentando que “a arte não deve ser excluída desse fenómeno, mas antes ser vista como motor desse desenvolvimento”. As netlabels não são um crime, “são uma benção”, conclui.
As próprias leis dos audiovisuais em Portugal parecem um paradoxo kafkiano e consomem-se a si próprias, como, por exemplo, o facto de ser proibido executar em público um disco gravado, mesmo que este contenha músicas que não violem direitos de autor. Tiago Sousa considera que nem é a lei que está errada, mas antes “o propósito para que foi feita”. Mas, na sua opinião, isso até normal, uma vez que a indústria “pretende o lucro e, como tal, tende a ser protecionista”, como todos os outros mercados. Tiago Sousa entende que “as pessoas é que têm que ser mais inteligentes e procurar as alternativas” e não engolir tudo o que é vendido. Como aquelas bandas que anunciam, com pompa e circunstância, o lançamento do primeiro disco online gratuito. Tiago Sousa e outros já o faziam há anos. “A indústria vive num casulo e só se apercebe destes fenómenos quando eles já são absolutamente claros”, aponta. Felizmente, existe esta espécie de universo paralelo, marginal e subterrâneo. Gente como Tiago Sousa, a Marzbau ou o pessoal ligado ao blogue Beats Play Free, que “mantêm essa magia de estar à margem e a trabalhar pelo gozo” e não para o negócio, como a indústria formatada.
Antes de encerrar as portas de vez, a Merzbau ainda lançará mais duas edições. Tiago Sousa revela-nos os nomes dos artistas envolvidos: o primeiro será o italiano Giovanni Di Domenico, homem do jazz que tem trabalhado com o baterista João Lobo; e o segundo será Mariana Ricardo, indie-pop lo-fi de Lisboa. E quanto a Tiago Sousa, quando e onde é que vamos poder ouvir falar dele no futuro? O mais provável é ser já em Novembro próximo e um pouco por todo o lado, uma vez que é nessa data que será lançado o seu novo álbum, “Insónia”, pela editora alemã Humming Conch, pertença de Christian Roth, que também é o responsável da netlabel Resting Bell, por onde saiu o seu disco anterior, “Western Lands”. No entanto, este será um álbum “diferente” e “difícil de rotular”, que é uma “espécie de duo piano e bateria”, entre Tiago Sousa e João Correia. “Não é uma quebra com o passado, mas não vem bem no seguimento de “Western Lands””, explica. O disco terá edição em vinil e será distribuído um pouco por toda a Europa, especialmente pela Alemanha e Portugal.
Percebemos então que Tiago Sousa tem outros planos, para os quais precisa de mais tempo e dedicação. Mas não poderia entregar a gestão da Merzbau a outra pessoa? Tiago Sousa revela que havia gente disponível para o fazer, mas entende que assim “já não seria a Merzbau”. “Seria óptimo que se continuasse o legado, mas começando outro projecto”, porque, neste momento, garante que “não quer pensar nisso”, para se manter o “máximo possível concentrado na música” que não quer “prescindir”. Mas também é certo que “não põe de lado” regressar ao projecto no futuro, “talvez quando estiver entediado”, refere. “Mas, provavelmente, nos próximos 40, 50 anos, terei muito para me entreter”. Não vamos lamentar, mas antes celebrar a Merzbau: a Merzbau morreu, viva a Merzbau!
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como disse há uns tempos.
"sim, é verdade, a Merzbau acabou. não, não estamos tristes. sim, valeu a pena."
lendo isto, recordando tudo o que aconteceu e que partilhei com os que fizeram parte da família, faz-me ter um orgulho enorme por fazer parte, por ter visto tudo e por ter retratado todos.