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Meses Sóbrio | Entrevista

Uma conversa bastante agradável e calorosa com Manuel Perdigão e Miguel Rosa.

A partilha, ao longo de quase uma hora, decorreu no estúdio de tatuagens do Miguel, numa ambiência bastante singular e envolvente.

Meses Sóbrio lançaram no passado mês de Fevereiro “Lua Nova”, o segundo álbum da banda e que configura uma metamorfose em termos de identidade, sedimentada por uma autoconsciência emocional e por um crescimento artístico.

Manuel Perdigão e Miguel Rosa são dois amigos que, na música, encontraram a sua casa comum. Por entre devaneios que os situam no momento presente, passando por momentos de vazio criativo que os mantêm na demanda pelo sonho, até aos vários processos que os direccionam num sentido positivo, os dois vão dando vida às sonoridades que os inspiram.

Meses Sóbrio, através do rock e das suas vastas camadas, geram uma multiplicidade de cores que se fundem em sensações bastante diferentes, mas nem por isso menos inteiras (e necessárias).

Dia 2 de Maio apresentar-se-ão no Musicbox, pelas 22h, com este “Lua Nova” que, até lá, pode ser ouvido em várias plataformas digitais disponíveis. Actuarão em banda, serão cinco músicos em palco (Manuel Perdigão e Miguel Rosa (Meses Sóbrio), Metamito, Antera e Francisco Marcelino). Mais datas serão anunciadas em breve.

Rua de Baixo (RDB): Como é que começaram a trabalhar juntos?
Meses Sóbrio (MS): Estudámos juntos no mesmo colégio, mas naquela altura não nos dávamos, até porque ele (Manuel) é um ano mais novo do que eu. Entretanto, eu (Miguel) fui estudar para o Instituto Superior Técnico e, um ano mais tarde, o Manuel também foi lá parar. Aí começámos a falar, percebemos que tínhamos a música em comum e decidimos começar a tocar umas guitarradas juntos. A verdade é que no início não havia plano nenhum, não havia a ideia de criar uma banda… simplesmente eu (Manuel) tocava guitarra, ele (Miguel) tocava guitarra… E nunca tinha sentido (Manuel) que curtia tanto tocar com alguém como senti com o Miguel. Senti logo uma ligação. E há uma coisa ainda mais interessante, é que nós tínhamos exactamente a mesma guitarra na altura! E acho que também é importante dizer (Miguel) que nós descobrimos a magia de criar música quando começámos a tocar juntos e aí começámos a gravar umas coisas bem simples e percebemos a magia que há no infinito de possibilidades quando criamos uma música, como se estivéssemos a criar um sonho. Crias o que quiseres, crias a viagem que quiseres. E, pronto, o bichinho começou a crescer e, mesmo antes de termos uma banda, fizemos um anúncio para uma marca de óculos. Foi quando começou o contacto mais sério com o mundo da composição. E percebemos que queríamos mesmo fazer música. Encontrámos um baixista, procurámos um baterista e fizemos a nossa primeira banda de covers e foi assim que começámos mais concretamente.

RDB: Falem-me de inspirações no vosso processo criativo!
MS: Bem, temos vários tipos de inspirações… (Miguel) Há o nosso dia-a-dia, as pessoas com quem nos damos, tudo aquilo que nos acontece no nosso dia-a-dia. Acho que isso inspira muito a música que fazemos. E depois é a música que ouvimos, essencialmente o rock australiano. Desde Pond, Tame Impala, Parcels, King Gizzard, … depois, fora da Austrália, MGMT é uma referência muito forte para nós. Todas estas bandas nos inspiram muito (Manuel), estamos constantemente a ouvi-las. Se formos mais para trás, ao início dos Meses Sóbrio, Pink Floyd inspirou-nos muito. E o caminho para nós tornou-se um pouco o de conseguir fazer o que estas bandas faziam (e fazem). Conseguirmos aquilo que sentimos com aquelas músicas, conseguirmos criar isso com a nossa música. Conseguirmos criar estes espaços musicais e percebermos que há esse espaço. Que é uma coisa tridimensional e que nos faça viajar lá dentro (Manuel). Como um lugar para onde queremos ir quando queremos fugir e sentir a vida de uma forma diferente, é mais ou menos isso. E queremos criar, criar, criar, até conseguirmos lá chegar. 

RDB: Tendo em conta o processo de construção do último álbum, saído a 23 de Fevereiro, “Lua Nova”, quais são as vossas urgências neste momento?
MS: Eu acho que nós (Manuel), como seres humanos, precisamos sempre de nos ligar aos outros. No fundo, tudo aquilo que fazemos nas nossas vidas, o último propósito é sempre conseguirmo-nos ligar realmente aos outros. E é isso que, no fundo, nós procuramos – a ligação com o outro. É conseguirmos identificarmo-nos com os outros e estarmos envolvidos e conectados com pessoas que se identificam connosco. E eu acho que a música que nós fazemos, este álbum, é uma forma de nos tentarmos ligar a outras pessoas, sem ser por palavras, até porque as palavras são limitadas. É interessante, não é? A nossa linguagem é limitada, é difícil prever e por vezes transmitir sensações e emoções que estão dentro de nós através da mesma. E a música é uma forma que nós encontrámos para o fazer. E a música acaba por nos aproximar também, lá está, de um meio em que queremos estar. E queremos que as pessoas sintam isso. Por outro lado, o dia-a-dia influencia muito a nossa música (Miguel). Eu, por exemplo, estando aqui a tatuar tenho uma disponibilidade diferente da que tem o Manuel, estando em engenharia civil, por exemplo. Emanam diversos tipos de energia… E é até interessante podermos fazer essa fusão de interacções tão variadas…

RDB: Como lidam com períodos de ‘vazio criativo’?
MS: Com muita frustração (Miguel). É raro o dia em que eu chego a casa, pego na guitarra, e sai alguma coisa. Muitas vezes é forçado, e eu sinto isso. A verdade é que sempre que surge alguma coisa que eu considero boa, ela aparece do nada. É quase sempre assim, sem esforço. Mas depois é estar compulsivamente a tentar… é frustrante. O difícil também é nós, no nosso dia-a-dia, não conseguirmos estar mergulhados num mundo criativo (Manuel). Vivemos neste mundo de trabalho e de relações sociais… ou seja, de tudo o que fazemos no nosso dia-a-dia, 90% não é criativo… então é difícil conseguir criar esse contraste e estar em contacto com o mundo da arte… Eu sinto que se nós estivéssemos mergulhados constantemente num mundo de criação, éramos muito melhores. Porque de outra forma o teu lado criativo, o lado das ideias, que surge naturalmente, está sempre a ser invadido, limitado e ofuscado. E surge naturalmente a partir de emoções nossas… é complicado se estivermos sempre a forçar esses momentos. E depois o olhar dos outros sobre isto também me afecta (Miguel).

RDB: Que sensação ou sensações advêm com o findar de uma música e, por conseguinte, com o acabar de um álbum?
MS: Se calhar, com o acabar de uma música, êxtase (Manuel). Mas depende muito da música também… Para mim, são duas palavras (Miguel) – não acabou -, porque é a sensação com que eu fico. Mas, no nosso caso, fazer uma música é um processo normalmente longo. Então quando eu digo que sinto êxtase é quando já temos uma ideia geral para uma música específica, tipo uma maquete inicial. Quando sentimos que vamos criar sensações novas… é por isto que lutamos todos os dias, daí o êxtase. Agora, saber quando vai terminar mesmo uma música não conseguimos fazê-lo, porque é como se elas nunca estivessem acabadas. Contudo, quando está mesmo tudo feito, misturado e masterizado, sinto-me triste (Miguel), uma sensação de que podia ter ficado melhor, que não é suficiente… e depois existe a insatisfação associada à expectativa (Manuel), muito por causa das bandas que ouvimos. Porque nós idealizamos uma coisa e ainda não temos nem conhecimentos nem recursos para conseguir fazer um álbum com uma sonoridade tão perfeita. Se bem que agora com o passar do tempo, com mais distância, já estamos muito mais contentes com o resultado final, e aqui entra também a nossa capacidade de apreciação do que está feito. Vamo-nos habituando àquilo que fica da nossa obra. E continuamos a trabalhar para no futuro fazer um álbum melhor.

RDB: Como descrevem este “Lua Nova”? Para onde caminha a vossa identidade enquanto artistas e músicos com este novo álbum? Uma música do mesmo e porquê?
MS: Lua Nova significa uma nova etapa, uma nova fase. E, em todos os sentidos, nomeadamente na forma como compomos e como fazemos música, tudo se alterou em comparação com o EP e com o primeiro álbum. E o processo de construção do primeiro álbum, em 2019, foi muito diferente do processo de construção deste álbum. Na altura, éramos três e basicamente era como se tudo fosse produzido em ensaio e gravávamos umas ideias no telemóvel, ou seja, gravávamos as nossas maquetes em take directo. Com o confinamento, passámos a trabalhar mais a partir de casa, ou seja, era tudo muito mais feito em estúdio de produção, com o computador. Gravávamos pista a pista, pondo camadas, etc. Era tudo feito em estúdio, vá, e faixa a faixa. Além disso, as estruturas das músicas eram pensadas com muito mais calma… como se estivéssemos a ligar um puzzle. Isto adicionou um grau de complexidade ao nosso trabalho, sendo que também começámos a produzir na altura. Pudemos explorar mais detalhadamente o nosso som… encontrámos um infinito de possibilidades. E isso foi um desafio muito grande, mas também uma vantagem, apesar de ter dado muito mais trabalho e de ter tornado o processo muito mais demorado. É Lua Nova quase como se fosse uma metamorfose da nossa forma de fazer música. Depois porque estivemos três anos a fazer este álbum e, portanto, nós também mudámos um bocado a nossa forma de ser, de olhar, de pensar… Vemos agora a realidade de uma forma muito mais fluída (Manuel), não existe uma realidade concreta, existem vários pontos de vista diferentes… como uma sensação de libertação de conceitos e ideias fixas. É difícil dizer uma música porque cada música tem o seu espaço e o álbum foi idealizado no seu todo. Mas, para mim (Miguel), a Apolo. É a que mais viaja, a que está mais longe daqui… Eu (Manuel) vou escolher a Lembrar até ao Fim, que é a última do álbum e que traduz uma espécie de olhar distante para a Terra, mas consciente e de nostalgia. 

“O álbum é uma viagem que começa com um acordar, ‘Acordar a Sonhar’; um acordar para a vida, para esta experiência que nós não sabemos bem o que é e a qual temos dificuldade em tentar racionalizar. Mas podemos olhar de forma mais positiva, mais fluída para a realidade… E é o aqui. O ficar fascinado com a vida. Depois o álbum vai viajando a partir daí.”

Que seja uma boa e bonita Lua Nova para tod@s!



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