Milhões de Festa 2017
Uma das características mais especiais do Milhões de Festa é o local onde se realiza o festival. É impossível imaginar o mesmo Milhões se este não acontecesse em Barcelos, nas margens do rio Cávado. Uma peculiaridade com um sabor amargo para aqueles que têm o seu dia-a-dia a acontecer no sul do país – sem férias e disponibilidade para tal vem a impossibilidade de estar presente na totalidade do festival. Porém, um sabor que traz consigo a vontade de fazer com que cada hora valha milhões delas. Até porque se comemoram 10 anos do festival, o que tornava a viagem a Barcelos ainda mais obrigatória, ainda que fosse apenas pelo fim-de-semana.
Depois de uma viagem com a normal atribulação da A1 numa sexta-feira à tarde (com mais uns percalços em cima) eis que chegámos ao nosso destino já depois da meia-noite. Começavam aqui as 24 horas de Festa. E claro, a primeira actividade de um festivaleiro recém-chegado a qualquer festival (vá, um festivaleiro no sentido tradicional do termo) é chegar ao campismo e montar a sua tenda. Sem confusões nem grandes procuras, foi com bastante facilidade que se encontrou um cantinho para a tenda. O Parque Municipal de Barcelos reserva espaço de sobra para todos os campistas e para mais alguns. Mas não é só espaço que não falta a um dos melhores campismos entre os festivais nacionais. Além de haver companhia dos patos e dos cisnes ali no lago há também uma segurança incansável, dentro e fora do espaço, chuveiros com água quente (!!!) e mesas de pedra para aqueles que queiram fazer o verdadeiro piquenique à portuguesa (daqueles que provavelmente já todos nós experienciámos em alguma altura das nossas vidas, com rissóis, panados ou aquelas cervejinhas fresquinhas).
Finalmente, com tudo montado e preparado, é altura de nos deslocarmos ao recinto. Com alguma premência, visto não faltar muito tempo para um dos maiores nomes da edição. Com tudo isto, porém, ficou a faltar um aspecto importantíssimo – o jantar (que a esta hora já poderia ser considerado ceia). E agora? Sem problema nenhum. É que a primeira coisa que se vê ao entrar no recinto do festival é precisamente a zona do Taina – parece que foi feita mesmo de propósito para quem chega tarde e a más horas mas que não pode ficar sem petiscar algo. Com um cardápio impressionante, com um leque de opções infindável que agradavam a vegetarianos e não-vegetarianos, com um preço ridiculamente baixo e, quase tão importante, com uma fila minúscula (é cada vez mais difícil nos festivais de hoje em dia não termos um tempo de espera bastante significativo para poder trincar algo). Mas por outro lado, claro, o milhões não é de todo um festival qualquer.
Com o estômago mais cheio, lá fomos então para um dos primeiros grandes nomes da edição. The Gaslamp Killer, no palco Milhões. Com um público inicialmente tímido e ainda consideravelmnte afastado do palco, o californiano não teve medo de puxar um trunfo à séria e entregou-nos «Alright» do Kendrick Lamar. Como se um dos maiores hinos do hip-hop moderno não bastasse, continuou a apresentar samples de Death Grips ou Nirvana entre as músicas. Sem nunca parar de se mexer no palco, sem nunca parar de prender o cabelo e voltar a soltar e sem nunca parar de tirar roupa (tinha ido bem agasalhado para palco). NuEmm formato DJ mas DJ frenético e sempre a alternar o género, entre várias modalidades da electrónica, hip-hop ou mesmo rock, William Bensussen nunca deixou de se mostrar incrivelmente entusiasmado com tudo o que samplava e que nos mostrava. “This is a three-piece band from Paquistan covering West Coast rap. Music transcends boundaries!” dizia com uma convicção impressionante, entre as suas apresentações. Para o fim deixou-nos com Phill Collins, a Marcha Imperial do Star Wars ou a conhecidíssima cover de Jimi Hendrix da «All Along the Watchtower». Mas que início de milhões este foi.
Foi um concerto que se estendeu além do previsto (não que alguém se queixasse, pelo contrário) pelo que quando chegamos ao segundo palco já tinha começado a tempestade chamada Cocaine Piss – que já tínhamos assistido há uns meses no Musicbox. Com uma urgência impressionante em cada canção, raramente a ultrapassar os 2 minutos de duração, o grupo belga liderado pela incansável Aurélie Poppins usou do seu punk cru e poderoso para por em rebuliço toda a malta que às 3 da manhã ainda estava com energia para tal. Ainda era muita, por ali ninguém se deixa derrotar pelo cansaço.
A chuva que a manhã de Sábado trás não é motivo nenhum para se ficar na tenda, por isso já se vê um pouco de gente a pé por todo o parque de campismo. O festival e a cidade de Barcelos continuam. Seguimos à procura de um bom e bem tradicional tasco de Barcelos e é durante o almoço que o telemóvel começa a vibrar. Foi uma notificação da app do Milhões. “Bitchin Bajas tocam às 16h no Paço dos Condes de Barcelos”. Sem saber muito bem onde é, mas com a ajuda do precioso Google Maps, lá demos com umas ruínas onde já muita gente se encontrava à volta do trio. A lentidão e paz das suas malhas de drone fazia todo o sentido com aquele cenário. Como se a sua música nunca devesse parar de ecoar entre as muralhas (não estamos em ano de eleições autárquicas? É assim tão descabido convidarem os Bitchin Bajas para banda residente daquele castelo?)
Após isto fomos ao inevitável. Uma das imagens de marca do festival e paragem obrigatória. A piscina. Entramos e vemos como imensa gente sabe disso, as bermas da piscina estão bem compostas e o ambiente é indescritível. Está toda a gente feliz e isso vê-se ao longe. Perco do palco MVRIA + Supa escolhem a banda sonora para os inúmeros mergulhos, goles de cerveja e sestas ao sol. Conversas, reencontros, massagens, empurrões para a água, fotografias, leituras. Está bem bonita a festa, pá.
Por ali se fica até chegar perto da hora de jantar. De tão bom que foi o Taina da última vez que o vamos querer repetir hoje. Estão a servir rancho e tentamos lembrar da última vez que se comeu rancho num festival de música. Está delicioso. Por ali se fica a ver o fim de tarde até que chega a hora de ver Yusseff Dayes a tocar Black Focus, disco que foi assinado como Yusseff Kamall (foi acompanhado nas gravações por Kamall Williams) armado com guitarra e baixo e acompanhado por um par de músicos exemplares. Ocupado pelos solos de guitarra e pelas escalas de baixo, Yusseff não disse uma única palavra palavra – a comunicação era feita pelo baterista que perguntava como estava ali o público. A meio, saíram mesmo de palco, deixando Yusseff sozinho no palco, argumentando que por vezes é necessário ouvir apenas aquela guitarra. Escalas de guitarra no lusco fusco? Jazz frenético e que não deixa de parar de bater o pé? Sim, mais um pouco, por favor.
Com a digestão feita pelo jazz, fomos então encontrar um super-grupo improvisado por conjuntos da Lovers & Lollypops – Cave Story, Duquesa e Ra-Fa-El uniam-se em palco. Os seus sons bastantes distintos já não faziam daquilo uma combinação fácil e o som que ecoava do palco muitas vezes não era o melhor (nunca é fácil fazer som a tantos instrumentos), o que também não ajudava nada. Valeu por toda a cumplicidade que os membros apresentavam, mostrando-se bem entusiasmados por tocar as musicas dos outros. Mas a crueza dos Cave Story, das características mais especiais do trio das Caldas, advém muito da solidão da guitarra de Gonçalo Formiga, com autorização apenas para o baixo e bateria darem o caminho a seguir. Tal como o som limpo e com a quantidade certa de Reverb de Nuno Rodrigues, que dá a Duquesa o toque adorável de Mac DeMarco, ganhava um peso extra um tanto ou quanto desadequado. Muitas vezes a melhor parte do som dos grupos é feito pela sua simplicidade, algo que se perdeu um pouco por aqui, ficando uma miscelânea de ruído que obrigava a franzir a testa para tentar perceber o que ali se estaria a passar. São todos artistas que merecem bem a atenção bem próxima de todos. Mas para a próxima não nos importamos se as águas vierem separadas.
E assim, num ápice, tinha chegado a vez do nome que mais gente esperava. O nome que já tinha estado pelo festival há uns anos e que já na altura tinha deixado marcas e motivado uma data de outras bandas a fazerem música. Chegou a hora dos Graveyard. Recebidos com a maior euforia do festival, foram a banda que mais gente levaram à frente do palco. Compreensível, há uns anos quando os suecos anunciaram a sua separação, pouca gente esperava que eles voltassem tão cedo à carga. E durante pouco mais de uma hora, a banda de stoner debitou todos os seus clássicos de forma exemplar. Tão exemplar que parecia mesmo (demasiado?) que estaríamos a ouvir o álbum em casa, pouca era a comunicação com a audiência, pouco era o desvio das linhas em que se dá o álbum. Porém, ninguém saiu dali desiludido. Deram-nos os as músicas que toda a gente, percorrendo sofreguidão a sua curta discografia.
Para iniciar a noite, a agitação e o abanar das ancas involuntário provocado pelos ritmos solarengos de Janka Nabay. É muito difícil (vá, impossível) definir um género de música para este Milhões de Festa. Mas poucos festivais se arriscariam a trazer um artista como Janka Nabay e é destas pequenas descobertas que se faz este festival. Não nos imaginaríamos a dançar assim noutro festival qualquer, nem mesmo se estivéssemos a vaguear pelos confins da net (excepto talvez pelo Awesome Tapes From Africa). Mas é disso que é feito o Milhões. A única dificuldade agora é a quantidade de dias que vamos ter de passar sem ele, mas com a certeza de voltar. Com mais tempo, de preferência.
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