ModaLisboa Freedom #3
A maior enchente da 38ª edição da ModaLisboa. Desfiles de Valentim Quaresma, Os Burgueses, Daniel Dinis, Maria Gambina, Piotr Drazl, Miguel Vieira, Nuno Baltazar e Nuno Gama.
Chega o ponto alto da semana de moda lisboeta. O sábado traz uma prometedora programação, bem como uma previsível afluência mais consistente. De Valentim Quaresma a Nuno Gama, há todo um circuito aliciante que se arrasta do início da tarde até ao fim da noite. E dias como estes não são todos os dias.
Vêem-se caras conhecidas, convidados de renome, uma imprensa hiperactiva e um público que persiste em marcar a diferença numa espécie de passerelle de rua – a Praça do Município virou o fashion district da cidade durante quatro dias inebriantes. A crise na moda, no seio da sociedade da imagem ou da aparência, é uma realidade estranhamente desfasada dos demais sectores. Não há dias que justifiquem o descuido, não há tempo para aparecer menos bem. Porque, no fundo, todos se querem afirmar e sentirem-se bem consigo na sua pele.
VALENTIM QUARESMA – “Vírus”
O primeiro desfile do dia foi da responsabilidade de Valentim Quaresma. A configuração viral é pensada em aplicações metálicas sugestivas na cabeça, pescoço e nuca e em colares e tops em clips ou alfinetes de dama, numa microscopia pictural muitíssimo trabalhada. As ideias propagam-se, como um vírus, por sete diferentes propostas, em encontros de materiais que em tudo parecem fazer sentido. As calças e o calçado são, no fundo, a roupa propriamente dita mas o menos luzente em toda a apresentação no seu todo. Um violoncelo é tocado ao vivo, os manequins instalam-se numa circunscrição que nos impele o olhar e a contemplação. A arte e a moda confundem-se. E não será uma coisa também a outra?
OS BURGUESES – “Home”
Os criadores Eleutério e Mia partem de uma obra que marcou incontornavelmente o mundo e a civilização moderna pela filosofia camuflada numa história que nos é tão familiar. “Le Petit Prince” remete-nos para a importância do imaterial, do invisível aos olhos mas ainda assim essencial, numa viagem em busca de um lugar a que se possa chamar maison (casa). Os Burgueses, esses, alcançam uma colecção senão ela encantadora, com jeitos de country e um urbanismo mixados que resultam impecavelmente. Os tecidos, com destaque para as napas, reflectem uma qualidade indubitável, as cores são apelativas (o vermelho lembra-nos a rosa do petit prince) e as cinturas femininas justas aliam-se a um abdómen distorcido por belas torções. Incentivam-se outfits mono ou bicromáticos, a presença de colarinhos, as sais rodadas e os fechos metálicos reluzentes. Difícil é mesmo não nos permitirmos ficar num lugar tão cosy.
DANIEL DINIS – “13”
Aqui é apresentada a primeira colecção exclusivamente masculina. Fundem-se diversas estéticas e concepções, como a reciclagem, patente na elaboração dos tecidos com uma textura tão viva, o Tibete e a plenitude de Siddartha, na gama de cores e nas linhas da silhueta, e traços de abstraccionismo na padronização reproduzida nas peças, talvez o ponto mais forte das criações. Há jogos de textura bem interessantes e um elogio aos acessórios como os gorros, os cachecóis e as luvas em lãs intrigantes. Constrói-se uma linguagem da reflexão no vestir.
MARIA GAMBINA – “Otherness”
Notas de inspiração sporty oriundas do hockey contornam as peças desta colecção. Por conseguinte, é marcada a presença da silhueta em “Y”, dos ombros subidos e a conjugação do azul e vermelho em malhas jersey em lã. As tranças acompanham vários looks de forma mais romântica, juntando-se à assumida inspiração em Escher pelos estampados utilizados que exploram a infinitude segundo estruturações de impossibilidade. Destacam-se os tão peculiares sapatos das manequins e a curiosa repetição de partes do vestuário, criando a ideia de fugacidade. “Otherness” aproxima livremente distâncias conceptuais através do vestir do próximo Outono/Inverno aos olhos de Gambina.
PIOTR DRAZL – “Go, Now, Here”
Os ares da Polónia chegaram até Portugal através de Drazl, um designer estrangeiro convidado. A estética marcada na sua colecção denota uma perversidade especial pela hibridação de estilos de vestuário. O desportivo e o formal unem-se num jogo bastante interessante, em que surgem ideias como a delineação suave dos ombros, as golas reconcebidas pela desconstrução, acabamentos refinados em peças sporty ou vice-versa. As cores variam do branco, preto, bordeaux ou azul, incluindo finos padrões arabescos prateados, acolchoados ou pormenores como os chapéus em looks descontraídos e as meias subidas que acentuam a juventude da colecção.
MIGUEL VIEIRA – Vestir o “Fado”
A pertinência é indiscutível, pouco tempo depois do Fado se tornar património da humanidade. E é um renascer desta cultura que vitaliza a criação de Miguel Vieira. A melancolia e a saudade gravadas no Fado trespassam os tecidos ao figurar peças onde se produz uma linguagem tão emotiva e nostálgica. Aposta num fundo clássico que evolui em elegância ao som das notas da guitarra portuguesa. Além do preto e do branco, surgem detalhes em verde e bordeaux nas propostas masculinas ou aplicações de dourado no lado feminino que lhes trazem um glamour bastante característico. Destacam-se os vestidos com franjas que tanto lembram os xailes de fadista, as golas em pêlo ou o impecável corte de alfaiate dos blazers de veludo de seda. Prova-se que a liberdade também está nas raízes, no âmago da alma cultural, nos cantos recônditos dos bairros históricos de Lisboa.
NUNO BALTAZAR – “The Man I Love”
A exploração intelectual de Baltazar leva-nos aos palcos de Pina Bausch. A feminilidade e a sua condição são um ponto de partida essencial, gerando uma colecção que alcança um forte dramatismo romântico. Cria-se a ideia de movimento através de drapeados volumosos e vestidos de longas caudas ou saias bem rodadas, emergem belos apontamentos cintilantes em gold e looks demi-couture de considerável sofisticação. Tons canela, ocre, sanguínea ou argila singularizam a estética insinuada, ornamentados de imensos acessórios refinados que só vêm sublinhar o carácter feminino do todo. A teatralidade é a língua materna de todas estas relações.
NUNO GAMA – “Be God’s”
São as propostas masculinas que encerram o terceiro dia do ModaLisboa. Nuno Gama não consegue evitar conferir enlevo à virilidade masculina e à sua elegância cada vez mais cuidada. Luxo e elitismo não faltam, ainda que o detalhe fique em plano secundário e o protagonismo se realce na natureza das próprias peças. “Be God’s” é um caminho para a cultura do gentlemen, apresentando os manequins com um bigode falso em forma de gracejo linguístico. Os blazers de veludo são um must que certamente irá pegar no próximo Inverno, sendo uma peça quente, confortável, esbelta e tão versátil. O corte das calças quer-se justo, alongando a silhueta e noticia-se o regresso das samarras e o uso das boinas e lenços para completar o outfit. Os detalhes de padrões nas pontas dos colarinhos conferem um toque subtil verdadeiramente apetecível. Gama sabe lidar com os homens – cria senhores de si mesmos.
Fotografia de Graziela Costa. Galeria aqui.
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