Monster Hunter World | PS4 | Análise
Dedicação recompensada.
A dificuldade num vídeo-jogo é um tópico que tem sido, ocasionalmente, alvo de discussão na comunidade gamer portuguesa e se esta deve ser, ou não, adaptada para vários tipos de jogador. Muitos argumentam que a experiência do jogo se deve à sua obtusidade inerente e que alterar esta significa alterar um factor basilar da experiência. Pessoalmente, creio que os developers se devem manter fiéis às suas filosofias de design para que o produto final demonstre consistência e genuinidade, mesmo que não seja apelativo a todos os tipos de jogadores. Nestes termos, aplaudo o Monster Hunter World que, sem sacrificar os elementos únicos do franchise, conseguiu torná-lo mais acessível. O core da série mantém-se intacto: muitas ferramentas de caça, muita preparação e várias armas com muitos combos, que culminam em longas campanhas para abater criaturas monumentais. Eu respeito os esforços em facilitar a fórmula , no entanto esta retém características dos quais nem todos irão gostar. Estamos perante um jogo que se assemelha a algo como um boss rush intervalado por longas sessões de planeamento e gestão de inventário –seja a solo ou com amigos numa aventura online. Caracteriza-se por uma profundidade oceânica na qual cabe ao jogador mergulhar para encontrar a recompensa.
Monster Hunter World é um Action-RPG bastante denso: desde o criador de personagem – com opções que incluem o peso das rugas e a forma dos olhos do nosso gato; à variedade de armas e estilos de ataque; e até aos vários habitats dos monstros, profundamente divergentes entre eles. Estes consistem em enormes ecossistemas labirínticos, pontuados por paisagens foto-realistas – (obrigando-nos quase a pousar o comando para as apreciar), repletos de todo o tipo de bicharada. Todos os animais, dotados de um AI orgânico e desenhados até à última escama, transpiram criatividade: pequenos mamíferos e insectos que vagueiam pela flora local; herbívoros pacíficos que fogem ao mínimo sinal de perigo; omnívoros territoriais e, no topo da cadeia, os colossais predadores carnívoros – figuras de capa dos jogos Monster Hunter. Estes gloriosos kaijus, únicos entre si em design e comportamento, vagueiam pelo território, devorando os mais fracos e, quando se deparam com outro monstro de tamanho rival, prendem-se em batalhas ferozes. Isto constitui um dos cenários mais mirabolantes do jogo, não só pelo seu realismo como também pela sua imprevisibilidade. É instalada, de imediato, uma emocionante vontade em nos pormos no meio da acção.
Porém, antes da primeira perseguição, é necessário preparação. E é aqui que a fórmula Monster Hunter testa verdadeiramente os iniciados. Após uma morosa introdução, 45 minutos pelos quais nos é “dada a mão” até chegarmos ao hub central, desagua, no nosso ecrã, um mar de tutoriais. Todos eles textuais, servem para apresentar algumas das mecânicas, mas não o suficiente para ter uma absoluta compreensão das mesmas. Por exemplo: o primeiro é sobre a nossa arma e equipamento – é-nos dito que há peças que oferecem skills especiais e que podemos experimentar as 14 armas diferentes numa área de treino, mas nem nos é dada um resumo sobre a utilidade / estilo de cada arma, nem peças que ofereçam essas skills. É necessário dedicar tempo para realmente aprender estas mecânicas, algumas das quais testarão, certamente, a paciência de muitos jogadores.
Mesmo assim, eu persisti em compreender profundamente cada mecânica apresentada. Experimentei as variadas armas – todas funcionam de uma maneira diferente: umas compensam a sua mobilidade lenta com uma maior distribuição de dano, algumas trazem opções mais defensivas e permitem movimentos ágeis, e outras, de longo alcance, podem ser sujeitas a buffs como munições especiais, algo que, tal como outros utensílios, requer a recolha e combinação de elementos dos habitats dos monstros. Para cada uma foi necessário um certo período de adaptação, mas passei bem o tempo ao fazê-lo, já que ver cada uma delas em acção transmite uma agradável sensação de autenticidade, como se tratassem de objectos reais. Em seguida, fui fazer luz das árvores de upgrades no ferreiro, outra mecânica vagamente abordada. Tentei ainda compreender o funcionamento dos frustrantes menus de inventário, pois não são muito semelhantes aos tradicionais. Tudo porque estava sedento de chegar ao âmago da aventura e abater o meu primeiro monstro – e valeu o esforço.
o próprio jogo é um monstro: é necessário dedicação para perceber como funciona, mas, quando lhe apanhamos o jeito, a sua conquista tem um sabor irreplicável
Como jogador, respeito estes jogos que nos pedem algum nível de dedicação para compreender as suas mecânicas, porque confio que serei recompensado com uma experiência gratificante, que me fará sentir justificado por ter escolhido equipar a peça X, usar a arma Y e ter trazido o item N para derrubar a criatura. E, de facto, depois de mais uma hora a visitar os sítios do hub e a ler tutoriais, percebi a importância de cada elemento, pois tudo entra em ação durante a caçada. Construir armadilhas, saber onde no mapa estão munições para atordoamento, escolher as melhores alturas para afiar a espada e, finalmente, aprender os padrões de ataque e retirada da fera. Uma experiência exaustiva, mas recompensante, como uma boa jogada de xadrez. Depois de várias tentativas e falhanços educativos lá derrotei o temível Anjanath, “uma fera que ainda é demasiado forte para ti!”, como dizia uma colega nossa no início do jogo – algo que tomei como um desafio pessoal. E os espólios prometidos são atraentes: armas e vestes construídos a partir dos restos mortais de cada criatura abatida. Depois da recompensa, podemos partir para uma nova caçada da nossa vontade, ou concluir as quests para avançar a narrativa. De facto, esta é talvez o aspecto menos pesado de toda a experiência: as personagens são de papel e o enredo existe para expor os vários mundos e as espantosas criaturas que neles habitam.
Infelizmente, há outros elementos característicos da saga podem sufocar a experiência para algumas pessoas. Há muitos afazeres durante cada batalha e é preciso abainhar a arma para realizar qualquer um: correr, tomar uma poção, usar um item, afiar a lâmina, etc. Algumas das armas têm animações que demoram a desenrolar, o que nos deixa totalmente abertos a ataques; algo que não combina bem com um sistema de mira pouco preciso. Pelo menos, temos sempre um companheiro ao nosso lado – os Palicos são uma espécie de felinos que nos ajudam na aventura ao distrair as feras enquanto recuperamos fôlego; e não acredito que até o mais amargurado cínico não se divirta em dar vida ao seu gato no criador de personagens. Podemos, também, mandar um SOS, no modo online, para pedir ajuda a outros jogadores em derrotar um mostrar que nos esteja a custar a paciência – um acontecimento com elevada probabilidade.
Em suma, Monster Hunter World não descarta os seus traços genuínos em prol de uma experiência mais acessível. No entanto, apesar das ondas de tutoriais, não é menos complexo, de todo. É simples de seguir, porém o seu conteúdo é pesado, o que, como disse, é laudável num jogo, mas tem o seu preço. Pessoalmente, senti-me, por vezes, frustrado com conceitos que só entendi depois de uma visita ao Google (se quiserem derrotar o tal Anjanath, façam-no a meio de uma quest). Não obstante, o processo de caça é espetacular, especialmente por decorrer em ambientes tão bem desenhados e imprevisíveis. O factor de imersão brilha quando temos os conceitos bem entendidos e perseguimos eficazmente as bestas. De certa forma, o próprio jogo é um monstro: é necessário dedicação para perceber como funciona, mas, quando lhe apanhamos o jeito, a sua conquista tem um sabor irreplicável.
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