Além dos filmes
Tudo o que se passou fora das salas na edição 2010 do MOTELx.
Muitas vezes, o melhor de um festival de Cinema não são os filmes; muitas vezes, o melhor de um festival é o que nele acontece além dos filmes exibidos. As mesas redondas, as masterclasses, os workshops, as apresentações, as sessões de autógrafos…
Neste ano, no MOTELx foi qualidade acima de quantidade. Além dos filmes, houve apenas uma apresentação de um videojogo, uma sessão de discussão sobre Brit Horror com alguns grandes nomes (mas o maior de todos acabou por cancelar… Neil Marshall), e, claro, um Q & A com Romero moderado por Nuno Markl.
Destes o maior evento foi, claro, a discussão com Romero; aliás, a vinda do realizador ao festival foi por si só um dos eventos cinematográficos do ano em terras lusitanas. Mestre e criador de um género, poder ver e ouvir Romero a falar vale por si só a visita ao São Jorge. A sessão de discussão foi algo curta, durando pouco mais de uma hora; ainda assim, Romero contou algumas histórias curiosas vividas ao longo da sua carreira, abordando até a forma como “Night of the Living Dead”, o filme que começou tudo, o surpreendeu ao dar lucro, mencionando pelo meio a importância dos videojogos na popularidade dos zombies (palavra que nem sequer gosta de usar) hoje em dia, e respondeu a perguntas do público. A ovação de pé (que já se tinha visto na primeira noite em que esteve presente no festival, quando apresentou o seu último filme, “Survival of the Dead”) com que foi recebido não enganou: viveu-se uma sessão de verdadeiro culto ao mestre. No final, Romero agradeceu a agradável estadia em Lisboa e deixou no ar a possibilidade de um regresso. Voltaria a ser muito bem recebido, certamente.
Esta sessão, que decorreu no último dia do festival, foi o mais interessante e importante evento de todo o MOTELx, mas os que o precederam não ficaram atrás. A sessão de discussão sobre Brit Horror, nome dado aos filmes de terror britânicos (que são, efectivamente, um género em si mesmos), foi excelente, tendo sito enriquecedor ver alguns verdadeiros peritos no assunto falar informalmente não só sobre esta nova geração de cineastas britânicos que agora começa a surgir, mas sobre o género do Cinema de Terror no geral e o estado da indústria. Os participantes foram Gerard Johnson (realizador de “Tony”, filme presente no festival), Christopher Smith (realizador de “Creep”, “Severance” e “Triangle”, entre outros), Peter Ferdinando (protagonista de “Tony”) e Alan Jones (crítico e perito do género). A conversa, que foi um pouco além de uma hora, foi profundamente interessante não só por se centrar no Brit Horror em si (onda que começou com o ausente Neil Marshall, que infelizmente não pôde vir à última da hora… triste imprevisto, já que grande parte da discussão foi, claro, também sobre a sua obra), mas sobre todo o cinema de terror no geral, e a recente evolução da indústria. A forma como os filmes do género são, por exemplo, hoje em dia cada vez mais realistas é realmente um tema muito interessante, e olhar para toda esta onde da shaky cam que está agora a chegar (“REC”, “Paranormal Activity”, etc…) é olhar para o estado da indústria actualmente. E se nomes como Christopher Smith acham que isso tem a ver com a nossa própria história (“Acho que isso tem muito a ver com o 9/11”, diz o cineasta), outros como Alan Jones discordam por completo, afirmando que se tratar mais de uma questão de estilo e venda que de um reflexo do actual estado do mundo. Questões como esta (e a assustadora forma como se fazem tantos remakes hoje em dia, por exemplo) foram abordadas e discutidas.
Foi um prazer ver aqueles nomes a falarem sobre aquilo de que mais percebem, e uma das conclusões que ficaram no final foi a de que o Brit Horror existe, e é dele que vêm alguns dos maiores nomes e algumas das maiores obras do género. O velho continente continua, como sempre, a ser em vários aspectos um pioneiro da Sétima Arte.
Foi também no MOTELx que foi feita a apresentação do primeiro videojogo do género FPS totalmente feito em Portugal (e não o primeiro videojogo feito por cá, como a certa altura quase se dizia): liZboa. Não impressionou particularmente, e não começou bem, com um atraso em trazer o equipamento para a sala, obrigando o argumentista a falar da história e da forma como tentou criar personagens realistas, credíveis e complexas (e não é o que tentam todos?) enquanto o resto da equipa não chegava.
Quando chegaram (para alívio do pobre rapaz, que já não sabia o que mais dizer), o material foi rapidamente instalado, e foi possível ver uma espécie de demo, ainda em estado muito bruto, do jogo. Há, efectivamente, aspectos que impressionam (a forma como uma bala atravessa um pedaço de madeira mostra o objectivo de criar um mundo realista, por exemplo), mas o jogo está todo num estado ainda muito primário, sendo impossível de adivinhar o que poderá sair dali. As ideias estão, sem dúvida, todas presentes em quantidade e qualidade, e a própria base do jogo é extremamente interessante: o jogo decorre inteiramente em Lisboa, tornando a capital num cenário dum jogo de terror, com um mundo aberto à exploração (o desejo de criar um jogo não-linear é, ao que parece, uma das bases de toda a ideia), e recriando alguns dos locais mais conhecidos da cidade. Mas a demo pouco ou nada mostrou além de uma arma, um Castelo de São Jorge bem recriado, e um aspecto gráfico melhor do que o esperado. Nada se viu em relação à história (sem ser uma curta apresentada pela equipa, amadora e que nada adiantou), e nem surgiu qualquer tipo de inimigo.
O jogo, financiado todo através de um interessante sistema de publicidade in-gaming (ou seja, as marcas que patrocinam o jogo vão aparecer no mesmo de forma subtil), pode vir a ser verdadeiramente marcante dentro do nosso panorama, mas ainda é demasiado cedo para criar algo mais que não meras expectativas. Esperemos que, em breve, se possa ver algo de mais concreto. Na mesma noite da apresentação decorreu uma verdadeira noite de jogatana no São Jorge, onde vários jogadores se puderam juntar para jogar jogos de tabuleiro dedicados ao género do Terror ao longo de toda a noite.
Muito se viu no MOTELx, além de filmes. Aprendeu-se com um belo grupo de cineastas e peritos, viu-se em pessoa um mestre a falar da sua arte, e foi apresentado um videojogo que ainda pode, ou não, vir a dar que falar. O MOTELx foi, portanto, um sucesso não só pelas obras que mostrou mas pelo contacto enriquecedor que deu aos amantes do género com os cineastas que adoram. Um festival de Cinema que valha realmente a pena tem, claro, de ser assim: enriquecedor a inúmeros níveis. Para o ano, lá estaremos nós novamente (e com sorte, o senhor Neil Marshall também…).
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