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Muros da Revolução

A street art em tempos quentes

Muitos dos que já só conheceram o 25 de Abril como uma matéria escolar e dos murais revolucionários têm a ideia de uma expressão gráfica da pré-história da street art. Têm também, felizmente, o direito de olhar essa época com um distanciamento emocional que só o correr dos tempos permite. O Tempo, esse grande escultor, diria Marqueritte Yourcenar, que não sei se veio assistir in loco a uma Lisboa em revolução. Talvez, não sei.

Sei que no pós-25 de Abril, o casal Sartre-Bouvoir veio, esteve na Lisnave, pois que nesses tempos quentes, em Paris, organizavam-se excursões culturais para ver uma ocupação de uma fábrica ou de uma herdade no Alentejo. Eram esses os tempos. Filósofos a fazer turismo cultural em fábricas ocupadas por operários num dos países mais antigos da Europa – o nosso.

Por cá, quando se dá o 25 de Abril, só tinham ficado os que não tinham para onde ir. E os que estavam bem com a situação política, obviamente. Havia um Portugal do Minho a Timor que se queria orgulhosamente só, brioso, regrado, auto-suficiente e com o lixo tóxico revolucionário reciclado em paraísos como Peniche ou Tarrafal, com passagem pelo Aljube e outros destinos exóticos.

Os chamados artistas visuais (que na época eram artistas plásticos), os cineastas e a gente do teatro tinham debandado em massa para outras paragens, porque, enfim, os rapazes podiam ser convidados a conhecer a Guiné sem guia de regresso e às raparigas estava-lhes reservado um futuro sem inexistência jurídica, como tinha sido o das suas mães. Passando de tutor masculino para tutor masculino. Ou isso, ou puta, ou criada.

Destino sonhado: Paris. Havia muitos portugueses radicados noutras capitais europeias, mas Paris era Paris… Já havia até reincidentes que tinham apanhado o Maio de ’68. Há toda uma geração que quer regressar a Lisboa no próximo Sud-Express com o Quartier Latin e a Sorbonne à flor da pele. Portugal, eles sabiam-no, era matéria em força bruta para trabalhar.

A Fundação Calouste Gulbenkian era à época a Santa Casa do Artista, apoiando com bolsas e subsídios os artistas e investigadores, substituindo o Estado num papel que ele não queria ter e que levou, na prática, a um autêntico banco de dados das elites intelectuais e artísticas: Gulbenkian’s connections.

É neste ambiente que os murais portugueses da época surgem. Primeiro, logo antes da Revolução. Timidamente, da noite para o dia, só em certas áreas. Todo um vocabulário clandestino. Eram os artistas, em regra estudantes universitários, que militavam nos pequenos partidos da esquerda revolucionária. A LUAR, o MRPP, as Brigadas Revolucionárias – os temidos extremistas.

Depois, é impossível descrever a rápida evolução que a pintura mural toma e um ano após a Revolução não se encontra uma parede que não esteja pinchada. O termo graffiti era absolutamente distante ao artista, fosse mais erudito ou mais popular. Quando muito, associava-o ao termo clássico aprendido em Belas-Artes. Para os populares, para as crianças, para toda a gente, quem é que queria palavras novas? Queriam era pintar paredes à vontade. À luz do dia. À sombra, de preferência.

Hoje muitos deles não levantariam um dedo para defender um graffiter apanhado em flagrante e haverá sempre alguém capaz de nos explicar porque o que ele fazia em 1974 era revolucionário e em 2012 é apenas vandalismo. É assim o tempo, esse grande escultor…




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