Noiserv @ Chapitô
Magia em loop. 25 de Setembro de 2010.
É preciso talento para fazer o que David Santos (a mente por detrás do projecto de nome Noiserv) faz. Isto é, claro, uma conclusão já óbvia para quem acompanha o projecto desde o seu início, que remonta ao lançamento de um primeiro EP em 2005. A partir daí, foi sempre a subir. Noiserv tem cada vez mais relevância e projecção, e a tenda completamente cheia do Chapitô (que, infelizmente, teve o efeito de transformar o local numa sauna) é sinal disso mesmo. Gentes de todas as idades encheram o local, e até as escadas serviram para sentar quem queria ver o rapaz que em concertos usa teclados, megafones e xilofones.
E é realmente preciso talento, imaginação e inocência para fazer o que David faz; não só pelas músicas em si, que têm em cada som um pequeno lamento ou rejubilo de inocência e infância, mas também pela forma como este as toca ao vivo. Ver Noiserv in loco é ver um pequeno espectáculo de magia, de camadas de sons que vão lentamente criando entre si uma única onda sonora. A forma como o músico usa os loops (ou seja, sons gravados uma vez que depois se vão repetindo ao longo da canção) é realmente notável, e revela um controlo absoluto. Não há falhas; Noiserv mantém-se sentado ao longo de todo o concerto, com os belos desenhos de Diana Mascarenhas (que a própria vai desenhando ao longo do concerto, num PC) a surgirem numa tela atrás do músico, e o concerto é vê-lo a usar guitarras, xilofones, máquinas fotográficas e outros brinquedos na interpretação de músicas que, se em disco já impressionam, então ao vivo atingem outro patamar.
Foi no Chapitô, espaço extremamente agradável e que bem merece a visita de todos (seja para espectáculos ou não), que Noiserv fez a apresentação do seu novo EP, “A Day in the Day of the Days”, lançado em Julho pela Optimus Discos, disponível para download gratuito no site da Optimus. EP esse que tem por si só uma ou duas das melhores canções do projecto até agora, e que é todo ele pura qualidade imaginativa do início ao fim. Quem precisava de (mais uma) uma confirmação do talento do jovem teve-a com este novo registo, certamente.
O concerto foi, portanto, uma mistura destas novas canções com mais antigas, onde até a belíssima «Undone», melhor canção do EP de estreia do projecto, teve direito a interpretação, naquele que foi até um dos melhores momentos de uma noite em que se viveram viagens a ambientes do mais puro sonho. Se o próprio David fecha os olhos enquanto canta, transmitindo uma interpretação sentida de cada música (pequeno grande momento, aquele em que coloca instintivamente a mão na cabeça durante «Bullets on Parade», cantando “kids in the garden are only my thoughts…”), o próprio público acaba por querer fazer o mesmo, perante o ambiente absolutamente mágico que se sente.
O nervosismo é visível na primeira canção da noite, «Mr. Carousel», uma das novas, mas isso apenas ajuda mais à experiência; pela forma como toca, pela forma informal como nos aborda, pela forma como ali está, um concerto de Noiserv parece um serão entre amigos. Antes de cada música diz o seu nome e a sua origem, falando não como se falasse para um público que esgotou a lotação da sala, mas antes para mais de uma centena de conhecidos que o estão ali a ver. A separação público/músico que normalmente existe em concerto não existe com David Santos. “É tão simpático”, dizia baixinho a rapariga atrás de mim depois de uma destas intervenções. É, sem dúvida.
Começou, portanto, com «Mr. Carousel», interpretada na perfeição, com um outro tique de nervosismo que apenas humanizou mais o espectáculo, e continuou com «Bullets on Parade», de longe uma das suas melhores músicas, que arrepia sempre que em concerto; uma das mais negras (aquele efeito criado pela guitarra…) e densas. Talvez até demasiado boa para ser tocada logo, tão perto do início do espectáculo… mas a qualidade foi constante ao longo da noite, sendo cada belo momento sucedido de outro (apenas houve um momento menor, mas não mau: «Time2», talvez a música menos interessante e mais banal do projecto). Logo a seguir veio «B.I.F.O.», música conhecida por quem já antes o tinha visto ao vivo, mas que só agora foi lançada neste novo EP. Energética, e aqui com a voz do músico a mostrar um pouco mais da sua qualidade, continuou o ambiente puro e mágico que acabaria por caracterizar toda a noite. E quando a seguir veio «Melody Pops» (“A próxima música chama-se Melody Pops, que era o nome daqueles chupa-chupas que davam música”, explicou com um sorriso), já a noite estava ganha.
Numa sucessão de belíssimos momentos, o maior viria talvez com uma das músicas novas, a fenomenal «The Sad Story of a Little Town», canção energética, de inúmeras camadas, e cuja interpretação expõe ao público toda a capacidade de David em alternar entre todos os loops, todos os brinquedos, com perfeito controlo (“É a primeira vez que toco esta ao vivo, a ver como corre”, diz antes de começar). Impressionante a forma como todas as melodias iam encaixando, e aquele final com o músico a cantar juntamente com umloop da sua voz foi, de facto, algo de memorável; melhor final antes do encore teria sido impossível. Encorecomo quem diz, já que perante o estado completamente lotado da sala, o máximo que David pôde fazer foi levantar-se, beber um pouco de água em cima do palco, e depois voltar para mais duas músicas.
A primeira foi provavelmente uma surpresa para a maior parte: «Where Is My Mind», cover dos Pixies. Excelente versão, com uma batida de bateria e um teclado exemplar, que mantém o espírito da música ao mesmo tempo transformando-o em algo fiel ao que se viu durante toda a noite. A segunda e última foi, por outro lado, a óbvia e obrigatória «Bontempi», canção com sabor a conclusão que encerra sempre na perfeição qualquer concerto do músico, com aquele típico megafone que põe sempre um sorriso na cara de qualquer um.
Em noite de apresentação de EP, foi também (mais) uma noite de confirmação do enorme talento de um dos mais únicos e valiosos músicos no panorama actual. Goste-se ou não, é inegável que mais ninguém faz algo assim. E de qualquer das formas, como se poderia não gostar de um concerto em que o músico toca assim tão bem e o faz com tanto prazer? Um concerto de Noiserv é sempre bom também por isso mesmo: David Santos é apenas um jovem e talentoso rapaz que apenas toca extremamente bem, transmitindo ao espectador um sentimento de inocência e humildade que está por si só patente nas suas próprias canções.
Mais um belíssimo e exemplar concerto (talvez o melhor, dos cinco que já vi dele); uma noite mágica, como são sempre as passadas na sua companhia. Quem o viu naquela noite pela primeira vez, certamente voltará a vê-lo; quem o descobriu por completo certamente quererá descobrir ainda mais; e quem o viu pela quinta ou sexta vez, há-de voltar a vê-lo outras seis ou sete, indo sorrir um dia com nostalgia e orgulho ao vê-lo a esgotar uma qualquer grande sala do país. Isso é, afinal de contas, algo que se começa a tornar cada vez mais inevitável.
There are no comments
Add yoursTem de iniciar a sessão para publicar um comentário.
Artigos Relacionados