Noiserv e Bernhard Eder no Maxime
Melancolia indie sem fronteiras.
Lisboa, 3 de Abril de 2009. Portas abertas no cabaret da Praça da Alegria para concretizar no mundo real um encontro virtual: o de Noiserv – fora de palco, David Santos – com o austríaco Bernhard Eder no myspace. A prova de que as afinidades artísticas não conhecem distância física.
Para chegar até esta noite, é necessário recuar vários meses e recordar as peripécias que a tornaram possível: em 2008, tendo na bagagem o EP “56010-92”, (editado pela Merzbau em 2005) David Santos conhece a banda austríaca “Your Ten Mofo”, que manifesta interesse no seu projecto. Através destes obtém o contacto de Bernhard Eder, compositor conterrâneo, que lhe propõe uma digressão conjunta para promover não só os respectivos álbuns entretanto lançados como também a inclusão na colectânea “My Melancholy Friends”, a ser lançada no fim de Abril de 2009. O percurso prevê a passagem por Portugal, Áustria e Alemanha no roteiro, sendo encerrado pelo concerto de lançamento da compilação, em Berlim (cidade onde Eder se estabeleceu desde 2006).
Alguns meses mais tarde, no do primeiro concerto da tour, encontramo-nos com um Maxime que exibe uma considerável afluência de público. As opiniões antes do espectáculo dividem-se, de um modo geral, entre a curiosidade pela estreia de Bernhard e o entusiasmo crescente por parte da crítica e das audiências com que tem sido recebido o último álbum de Noiserv, “One Houndred Miles From Thougthlessness”, nas lojas desde Novembro do ano passado.
Eder surge em palco de guitarra acústica a tiracolo, acompanhado pela namorada Vera Fleischanderl ao violino, melódica e coros. As canções, remetendo para ambiências e temas intimistas, filiam-se numa linhagem reconhecível de cultores da canção acústica. Nick Drake, José González ou Kings of Convenience são alguns dos nomes que vêm à memória ao ouvir a voz polida e a simplicidade elegante das composições. Em temas como «Polen #1», «Cute» e «Now’s the time» (incluídos no seu segundo álbum, “Tales From The East Side”), foi dada a conhecer uma escrita atenta ao encanto dos pormenores quotidianos e à complexidade das relações humanas. Apesar da timidez e de algum cansaço – assumidos com naturalidade e afabilidade na interacção com o público – o balanço da estreia foi positivo, com dois encores e uma sensação de placidez a percorrer toda a actuação.
A segunda parte, pese às influências comuns, exibiria um imaginário e uma sonoridade algo diversas. Ainda que o cerne do projecto seja a voz e a guitarra acústica de David Santos, a entidade musical de Noiserv desenvolve-se dando uso a recursos que vão muito para além delas. Não é ao acaso que lhe é aplicada a designação de pós-songwriting: loops de sintetizadores, metalofone, melódica e objectos quotidianos como caixas de música ou máquinas fotográficas aliam-se às ilustrações projectadas em tempo real por Diana Mascarenhas (responsável pelo artwork do livro que acompanha o disco) de modo a envolver o espectador numa experiência sensorial que vai muito para além do estímulo auditivo.
Com «Tokio Girl» na abertura do alinhamento (faixa que será objecto de um remix incluído no lado B do vinil a ser lançado em Maio), o convite foi feito a uma viagem não apenas através da emotividade das palavras e do timbre – com ecos de Jeff Buckley ou Thom Yorke – mas por uma trama de texturas sonoras que mantém a curiosidade acesa. Há espaço para doses iguais de alegria contida (como em “Melody Pops”) e melancolia insular, e para a colaboração de Luís Nunes (conhecido também como o songwriter Walter Benjamin ou membro dos Jesus, the Misunderstood) ao piano (em «Good Son»), bateria («Guarantee»), ukelele («BIFO») ou sintetizadores («307d» e «Consolation Prize»).
Foi com gosto que os presentes se deixaram embarcar na experiência, que, pese à carga experimental, não perde em dimensão humana. Se dúvidas restassem da chegada a bom porto das canções de David Santos, dissiparam-se-iam na totalidade em momentos como o de «Consolation Prize», que amplifica exponencialmente a carga emotiva da letra com a presença dos coros, ou, numa estética mais despojada, o segundo encore, a interpretação de «Time 2», canção inédita.
Não são apenas as actuações que confirmam os bons frutos que têm dado estes projectos artísticos: um horizonte de quase dois mil exemplares vendidos no caso de Noiserv – visibilidade acima da média no panorama independente – e, no de Bernhard Eder, vínculos a editoras de dois países, a alemã Solaris Empire e a austríaca Tron Records. Passos que podem parecer modestos no presente, mas que consolidam um futuro de reconhecimento público que se espera cada vez mais amplo e que esta noite mostrou ser bem merecido.
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Noiserv, foi um concerto digno de se ver, ouvir e sentir. Não deixa de impressionar.
Parece que em Portalegre também brilhou….
Parabéns.
(belas fotos JER)