NOS Primavera Sound 2014 | Dia 7 de Junho
O dia das escolhas possíveis
Num festival com o formato do NOS Primavera Sound, onde tanta coisa acontece ao mesmo tempo, não existe uma receita única, uma rota certa. Uma escolha tem sempre por consequência um ou dois concertos perdidos mas todas são válidas e legítimas e Sábado havia mesmo muito por onde escolher. Estas eram algumas das escolhas possíveis.
17h55. You Can’t Win Charlie Brown. Palco NOS. Há bastante gente para receber os lisboetas. Para além disso está um final de tarde agradável, com sol e pouco vento. Um dia de Primavera. Há passagens pelo registo de estreia “Chromatic” e por “Diffraction/Refraction”, com especial destaque para a bonita «Be My World». Foram o garante de um início de tarde agradável.
18h35. Hebronix. Palco ATP. Tratou-se de uma visita de médico, para escutar duas canções apenas. É que daí a 15 minutos havia Lee Ranaldo ali ao lado no Super Bock. Está pouca gente no palco ATP mas entretanto o concerto de YCWCB termina e o pequeno anfiteatro fica mais composto. Hebronix é sinónimo de experimentalismo e de atmosferas intimistas. Um concerto para apreciar sentado. Temos cordas e programações a trabalhar em conjunto. A partir daqui, o limite é a imaginação de cada um e neste caso em particular, de Daniel Blumberg.
18h50. Lee Ranaldo & The Dust. Palco Super Bock. O hiato dos Sonic Youth resultou no surgimento de uma série de novos projectos por parte de cada um dos seus membros. Na génese de todos eles está sempre o rock, sem nunca esquecer a distorção. Durante anos foi inseparável e por isso não é expectável que isso mude pura e simplesmente do dia para a noite. “Last Night on Earth” é o nome do álbum que Ranaldo e a sua restante banda estão ali para apresentar e onde canções como «Lecce, Leaving», «KeyHole» ou «Black Out» soam bem mas não deslumbram.
20h. Neutral Milk Hotel. Palco NOS. “In the Aeroplane Over the Sea” é um dos álbuns preferidos de muito boa gente, por isso a expectativa para receber um Jeff Mangum quase irreconhecível e que tratou desde logo avisar que não queria ver nenhuma câmara nem telemóvel (o concerto não foi sequer transmitido nos ecrãs gigantes), era quase palpável. Só e de guitarra em punho eis então que se joga a «Two-Headed Boy». Magia quase a chegar à hora do lusco-fusco. Depois entra a banda. Escutamos «The Fool» e «Holland, 1945». Anos de silêncio e de algum mistério (por onde andou Jeff Mangum até 2012?) permitiram acentuar ainda mais o estatuto de culto de que a banda granjeia, por isso o momento é único, de celebração e de comunhão. Escutamos «The King of Carrot Flowers, Part One», «The King of Carrot Flowers, Parts Two and Three» ou «In The Aeroplane Over the Sea» e sentimo-nos um pouquinho mais felizes cá dentro e parece que nunca saímos dos anos 90.
21h25. John Grant. Palco Super Bock. Era para ter começado com a «Vietnam» mas não o pôde fazer por problemas técnicos. Em vez disso escutou-se a «Mars». Soube igualmente bem. «It Doesn’t Matter to Him» arrepia pela forma como Grant se expõe: “I could be anything / But I could never win his heart again”. «Pale Green Ghosts», numa versão mais estendida e «Black Belt» obrigam-nos a dançar – seria quase criminoso não o fazer! «Where Dreams Go to Die» é-nos apresentada como uma canção que não é sobre o Porto e é fácil compreender porquê: “I regret the day your lovely carcass caught my eye. / Baby, you’re where dreams go to die. / I’ve got to get away. I don’t want to, but I have to try.”.
«GMF» é cantada em uníssono e «Glaciar» confere um final mágico a um concerto curto mas bom, bom, bom!
22h30. The National. Palco NOS. Eles não sabem dar maus concertos mas também é verdade que os últimos não tiveram a aura e o brilho de outros tempos. O alinhamento não diferiu muito daquele apresentado no MEO Arena (o nome continua a soar esquisito cada vez que o digo ou escrevo), em Novembro do ano passado mas o som estava melhor (nada de espantar mas que deve ser referido). «Don’t Swallow the Cap», a tortura de «I Should Live in Salt» e «Mistaken for Strangers» (com direito a promoção do documentário com o mesmo nome) marcam a sequência inicial. À quarta canção a primeira meia-surpresa (meia porque era fácil de adivinhar); Annie Clark, com o cabelo envolto num lenço e antes de operar a sua transformação para o que se seguiria, junta-se à banda em palco para cantar «Sorrow». «Hard to Find» traz o primeiro momento intimista da noite. «Afraid of Everyone» tem em pano de fundo um olho gigante que nos fita durante toda a canção. Em «Squalor Victoria» Berninger deixa um pouco da sua pele em palco. É sempre assim. Tem de ser. «I Need My Girl» é escutada como se estivessem apenas duas pessoas ali, em frente ao palco a ver The National. Basta fechar os olhos, dar as mãos e deixarmo-nos levar. Sim, a canção tem esse poder. «Ada» foi a surpresa da noite porque raramente é tocada ao vivo. Já a letra, essa, estava na ponta da língua de muitos: “Ada, don’t talk about reasons why you don’t want to talk / About reasons why you don’t wanna talk / Now that you got everybody you consider sharp / All alone, all together, all together in the dark” (quando dizemos estas palavras rapidamente parece que ganham vida). No final da canção deu ainda para colar um pouco da «Chicago» de Sufjan Stevens, ele que toca o piano na «Ada». Logo de seguida a psicose de «Abel» toma a plateia de assalto. «Graceless» é épica e a «Fake Empire» deixa-nos, como sempre, sem palavras. «Mr. November» e «Terrible Love» trazem, como habitualmente, Matt Berninger para o meio de nós (literalmente) e mesmo a fechar há «Vanderlyle Crybaby Geeks» em registo acústico e com amplificação muito reduzida com muitos milhares a cantar “All the very best of us string ourselves up for love”.
00h10. St. Vincent. Palco Super Bock. Annie Clark tem vindo a crescer álbum após álbum. Porém, de cada vez que cresce reinventa-se. Primeiro como compositora e, numa fase mais recente, como performer. O mais recente álbum homónimo reflecte isso. Logo a começar pela capa mas acima de tudo nas composições, onde uma influência de David Byrne (com quem colaborou no projecto “Love This Giant”) é também ela por demais evidente. O concerto que St. Vincent apresentou naquele palco foi mais do que um conjunto de canções tocadas ao vivo com o auxílio de uma banda. Foi uma performance completa, toda ela centrada em torno de uma Annie Clark magnífica; na presença, na voz, na forma como se dirige ao público. Quase não se escutam canções de outros álbuns. «Cruel», «Surgeon» e «Cheerleader» foram das poucas excepções mas isso não importou porque ali, naquele momento, o que Annie Clark fez questão de vincar e mostrar é que “St. Vincent” (o álbum) é o presente, o imediato. «Rattlesnake» a abrir e «Digital Witness» logo de seguida, marcam posição. É a meio do concerto que St. Vincent assume o seu lugar de rainha, quando sobe, imponentemente, os degraus que existem no centro do palco. A guitarra nas mãos de Annie Clark é o seu ceptro e ganha uma dimensão única pela forma como ela a toca. «Prince Johnny», «I Prefer Your Love» e «Regret» são canções que fazem a ponte com o passado mas que apontam em direcção ao futuro. «Birth in Reverse», já perto do final, é interpretada com uma coreografia pelo meio. Com alguma surpresa, é «Krokodil» (single lançado no Record Store Day de 2012) que fecha uma actuação genial, cerebral, corajosa e única. É imperioso que volte em nome próprio e rápido!
01h30. Glasser. Palco Pitchfork. Podia limitar-me a dizer o seguinte: não! Foi um tiro ao lado.
01h55. Ty Segall. Palco ATP. Era o aniversário do Ty e que melhor forma de celebrar poderia haver do que estar em cima de um palco a tocar para algumas largas centenas de fiéis e resistentes que ali estavam? Não consigo imaginar melhor cenário. Para além disso, com uma banda que incluía Mikal Cronin no baixo, estava assegurado o rock em doses muito, mas mesmo muito, generosas. Assim que as guitarras se começaram a fazer ouvir, quem estava a dormitar na relva despertou e o que se seguiu foi uma descarga de pura adrenalina. «Oh Mary», «The Fakir», «Tall Man, Skinny Lady» (canção nova!), «Finger» ou «The Hill» levaram muitos à loucura (no melhor dos sentidos) e a gastar a pouca energia que os seus corpos ainda poderiam conter.
02h55. Cloud Nothings. Palco Pitchfork. “Attack on Memory” e “Here and Nowhere Else” são, cada um à sua maneira dois belos álbuns, por isso foi com alguma desilusão que assisti à estreia da banda de Cleveland por cá. Atabalhuados, prejudicados por um som fraco quando comparado com o dos outros palcos, quiçá cansados… Simplesmente não resultou. As palavras que Dylan Baldi cantava soavam quase sempre imperceptíveis e, pior que isso, nem sempre as guitarras soavam como deveriam. Sim, é punk mas isso não quer dizer que todos os instrumentos se tenham de atropelar uns aos outros durante canções inteiras por serem tocados a um ritmo quase diabólico. «Stay Useless», «I’m Not Part of Me» ou «Pattern Walks» não passaram de sombras de si próprias…
Para o ano já está confirmada nova edição do NOS Primavera Sound, felizmente!
Fotografia por Sofia Ferreira
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