Nuno Prata

Todos os dias fossem estes. Todos os dias fossem outros.

Confesso que sempre me fez espécie o final dos Ornatos Violeta. Podem até dar-me as justificações mais válidas do mundo que vai sempre fazer-me muita confusão porque é que bandas com o nível dos Ornatos Violeta se separam. Claro que isto é a conversa radical de um admirador confesso…

Contudo, quando em 2003 tive a possibilidade de escutar uma curta maqueta de quatro temas, assinada pelo ex-baixista dos Ornatos, Nuno Prata, e pelo francês Nicolas Tricot, ex-Red Wing Mosquito Stings, tudo ficou bastante mais claro para mim. A música de Nuno Prata foi o bálsamo necessário para sarar todas as feridas do meu subconsciente musical e manter-me atento ao que poderia acontecer a partir dali.

Apesar de ainda não estar disponível mais nenhum registo do músico portuense, ao longo destes anos Nuno Prata tem vindo a apresentar algunas dos seus temas ao vivo; passou, por exemplo, pelo festival New Sounds Of Portugal e abriu inclusive o concerto de Josh Rouse, no Pavilhão Atlântico.

Letrista, compositor e intérprete – três facetas que transformam Nuno Prata num dos mais promissores cantautores nacionais (palavra convencionada ultimamente para apelidar os intérpretes a solo), aproveitando a vitalidade recente que gente como Devendra Banhart trouxe ao género para se dar a conhecer. Após três anos de letras escritas e canções compostas, Nuno Prata iniciou no princípio de 2006 as gravações do tão ansiado disco de estreia, que responde pelo título “Se Todos Os Dias Fossem Estes/Outros”.

Nuno Prata utiliza a palavra como arma e ferramenta (como se pode verificar pelo trocadilho no nome do álbum, complementado pela curiosa forma gráfica do disco), mantendo-se fiel à língua portuguesa. Apesar de tudo, a música de Nuno Prata mantém reminiscências da sonoridade dos Ornatos Violeta, que cruza com a tradição musical nacional e, essencialmente, com o tropicalismo brasileiro (não é por acaso que se pôde escutar durante algum tempo, uma versão de «Coração Vagabundo», de Caetano Veloso, nas suas actuações ao vivo).

A edição de “Todos Os Dias Fossem Estes/Outros” anda complicada. Depois de muitos avanços, recuos e adiamentos, Nuno Prata criou um blogue (todososdiasfossemestesoutros.blogspot.com) onde relata todo o processo de produção do disco, que parece estar finalmente pronto para ver a luz do dia.

Do mesmo, podemos avançar algumas informações: interpretado e produzido por Nuno Prata e Nicolas Tricot e misturado por Nélson Carvalho, o álbum conta com 19 temas (que poderiam ser muito mais, tal era o sem número de material que Nuno Prata tinha disponível), incluindo os quatro disponíveis na anterior maqueta “Nuno, Nico”, num alinhamento que conta ainda com a presença de alguns convidados “notáveis”: os seus ex-companheiros nos Ornatos, Manuel Cruz, Peixe e Kinörm e Eduardo Silva e Ruca, dos Pluto.

Antecipando a estreia do disco, a Rua de Baixo falou com Nuno Prata, numa conversa sobre música, escrita e, como não pude evitar, os Ornatos Violeta.

Rua de Baixo – Tanto o título como a concepção gráfica do álbum dão a ideia de um conceito duplo — o binómio antes e depois. Essa ideia reflecte-se na própria música?

Nuno Prata – A ideia de um conceito duplo é um reflexo não das canções mas daquilo que fui sentindo com o passar do tempo, não só por elas como também por todo o trabalho que levou à realização do disco. É mais um sim, todos os dias fossem estes, ou um não, fossem outros quaisquer.

Encontramos no teu trabalho uma particular atenção pelas letras. Também já te ouvimos a tocar versões de Caetano Veloso, um letrista consagrado. Quão importante é para ti essa faceta de cantautor (palavra de que não gostas muito, não é)?

Não gostava muito da palavra cantautor pelo seu som e conotação. Pensava que cantautor era uma tradução pateta de songwriter; além disso, associada à música de intervenção. Quando finalmente li a sua definição no Diccionario de la Lengua Española da Real Academia Espanõla (não a encontrei em nenhum dicionário de português) fiz as pazes com ela. Não me importo que me definam como cantautor, mas que compõe apenas com o objectivo de intervenção nele próprio.

Encetaste também um blogue onde relatas o processo de produção do disco. A escrita é fundamental na tua vida?

Escrever ajuda-me a pôr em ordem questões que se me vão levantando. Grande parte das letras são uma tentativa de resposta a essas questões, umas vezes conseguidas, outras não; daí também o estes/outros.

O processo de produção do disco foi bastante moroso. Comecei o blogue no início deste ano com o objectivo de disponibilizar o máximo de informação às pessoas que se mostraram interessadas no meu trabalho; e também para lhes ir explicando os porquês do atraso da sua edição.

Antes de “Todos Os Dias Fossem Estes/Outros”, houve uma maqueta gravada a meias com Nicolas Tricot, que participa também na gravação do disco. Como surgiu essa parceria?

Conheci o Nico num intercâmbio em que participei com os Ornatos, em França, na cidade de Montpellier. Quando gravei a minha primeira maqueta ele estava já a morar em Portugal e convidei-o para tocar comigo. Ele ouviu as canções, gostou, e aceitou o convite. Tem tudo aquilo que admiro num músico: criatividade, personalidade, competência, entusiasmo e versatilidade.

Para além do Nicolas Tricot, surgem vários convidados na gravação do disco [Kinörm, Rui Lacerda e Eduardo Silva dos Pluto, Peixe e Manuel Cruz, ex-Ornatos Violeta]. Foi algo premeditado, músicas especialmente escritas tendo em vista essas colaborações?

Não. Convidá-los foi uma maneira simples e aliciante de concretizar a ideia de gravar um coro no refrão da canção «Alegremente cantando e rindo vamos».

O álbum tem dezanove temas, mas sei que ficou na gaveta um número considerável de canções. Podemos esperar um segundo álbum do Nuno Prata para breve, ou ficarão à espera para, daqui a uns anos, a edição de um disco de raridades?

As canções têm tempo de vida e capacidade de afirmação. Das centenas de ideias que registei (aprendi com o Cruz a guardar tudo, mesmo as ideias que parecem mais insignificantes) só algumas dezenas resultaram em canções com pés e cabeça e uma boa parte dessas sinto-as mais como aprendizagem. Outras que não gravei apenas por razões práticas continuam a ser opção para uma próxima oportunidade, se mantiverem a sua pertinência.

Quem foram as principais influências e referências na gravação de “Todos Os Dias Fossem Estes/Outros”?

O que influenciou decisivamente a gravação do disco foi a adaptação do método de trabalho aos poucos meios disponíveis. A minha principal referência foi a musicalidade do Nico e a sua capacidade de trabalho e entusiasmo mesmo perante esses condicionamentos.

Não posso deixar de colocar uma questão obrigatória: quais são os planos para o futuro? Ou por outras palavras, como vai ser a divulgação do disco?

Aquilo que melhor posso fazer para divulgar o disco (e também a maior vontade que tenho) é dar concertos; e estar disponível para falar sobre ele, como é o caso desta entrevista. Todos os outros modos de divulgação sobre os quais não tenha algum domínio vão ser ditados pela força das circunstâncias.

Antes de terminar, tenho de fazer esta pergunta: para quando uma reunião dos Ornatos Violeta?

Colaborei no disco a solo do Manel. Dei um concerto no Uptown, no Porto, no qual o Peixe e o Kinorm participaram. Fomo-nos cruzando os cinco nas noites Double Doodle (noites de pintura e música improvisada), pelos bares do Porto. O Kinorm juntou-se a mim e ao Nico para completar o trio necessário para apresentar ao vivo as canções com os arranjos do disco.

Como Ornatos é pouco provável que isso aconteça num futuro próximo.



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