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O bestiário ilustrado de Pedro Lourenço

Uma conversa informal sobre ilustração, música e fanzines.

Nascido em 1976, Pedro Lourenço divide-se entre a música (toca em exclusivo nas formações de Sei Miguel) e a ilustração, vive e trabalha em Lisboa. Tem trabalho publicado em várias edições das quais destacamos as revistas Faesthetic, Op (uma das capas), Yeti (revista de música americana dirigida por um dos elementos da Pitchfork, com a qual colabora ocasionalmente) e as fanzines Cabeça de Ferro e Blues Control (da sua autoria), ambas da Imprensa Canalha. Colabora regularmente com a Flur, em Lisboa, desde a criação de flyers, cartazes, publicidade ou capas de CD. A RDB foi ao seu encontro.

Podes apresentar, em poucas palavras, o teu percurso como ilustrador?

O meu percurso enquanto ilustrador tem pouco menos de 3 anos. Na adolescência, o meu primeiro interesse foi a banda desenhada, mas era demasiado exigente com o meu trabalho e passava a vida a refazer pranchas até acertar. Tal exigência e insatisfação estava a tirar-me o gosto de desenhar por isso, quase a entrar nos vintes, achei que podia ser melhor músico do que desenhador e decidi guardar os lápis. Mantive-me afastado do desenho por quase 10 anos para só há pouco tempo voltar a ele. Portanto, a ilustração ainda é uma quase novidade. Foi como pôr o pé na água para ver como estava a temperatura. Acho que a idade me deu alguma calma e uma relação mais saudável com o meu trabalho.

Por norma estruturas a tua arte-final, ou preferes o acidente e o espontâneo?

A maior parte das vezes começo a desenhar sem uma ideia ou um rumo definido. Gosto dessa liberdade que, para mim, tem qualquer coisa de escrita automática – permite o aleatório e faz com que coisas que inconscientemente retive venham à tona de uma forma inesperada. Acho que este processo é uma reacção ao pouco trabalho comercial que faço e para o qual tenho, na maior parte das vezes, directrizes muito definidas e pouca margem de manobra. Respondendo à pergunta, acho que prefiro ser surpreendido.

Existe uma fronteira entre o teu trabalho pessoal, porventura mais íntimo, e o teu trabalho comercial?

Sim, claro. Tenho total controlo naquilo que faço para satisfação pessoal, enquanto que na vertente comercial a direcção está na mão do director de arte. Ele acompanha o processo, faz correcções e tem sempre a palavra final.

Rejeitas muitos desenhos durante o processo até à arte final?

Alguns, sim. Normalmente ficam de lado à espera de uma segunda leitura.

Em que projecto estás a trabalhar neste momento?

Tenho sempre muitas ideias em cima da mesa. O tempo, ou a falta dele, acaba por me indicar qual o caminho a seguir. Assim, neste momento tenho um novo fanzine, uma ideia para animações que gostava de explorar, algumas t-shirts para a colecção da primavera da Clone, uma história em parceria com o Alberto Cinza, escritor com quem já trabalho desde os tempos da banda desenhada e que há muito está por concluir e uma colaboração gráfica com o Márcio Matos.

Quais são as tuas maiores inspirações?

São várias. A música está no topo da lista.

A ultima edição da tua fanzine “Blues Control” foi um sucesso de vendas, com a primeira edição esgotada. Achas que as fanzines começam a sair de um circuito demasiado restrito e começam a conquistar terreno às revistas?

Acho que são duas coisas com naturezas diferentes. O fanzine é o labor of love de alguém, tem uma tiragem pequena e um alcance igualmente pequeno. A revista é o oposto. Acho sim que hoje pode haver um público atento a este tipo de edição, mais interessado em ter um caderno único, muitas vezes, pensado e concebido de ponta a ponta por uma só pessoa e que pode ser o espelho do seu trabalho e das ideias do seu autor.

Pensas num público ou audiência quando produzes as tuas fanzines?

O “Blues Control” foi a minha primeira experiência nesse campo. Durante o processo, confesso que uma ou outra vez questionei a quem poderia interessar. Contudo, foi um trabalho muito focado naquilo que eu queria fazer.

Desenhas todos os dias?

Desenho quase todos os dias. Se não em casa, na rua, nos transportes, nos cafés. É um hábito de longa data creio que comum a todos os que desenham.

Crias recorrentemente novos géneros nas tuas figurações, híbridos entre animais e humanos, porquê?

Não te sei dizer ao certo como é que isso começou. Provavelmente com um pequeno bestiário ilustrado que fiz há coisa de 2 anos. Parte inventei, parte saiu do “Livro dos Seres Imaginários” do Jorge Luis Borges. Depois continuei a cortar e a colar pessoas e animais. Mas por agora chega, já o fiz em demasia.

Tens algo de muito pessoal que poderias partilhar?

Gosto mesmo do “Nightfly” do Donald Fagen e estou a descobrir os discos dos Steely Dan.

O teu trabalho é frequentemente narrativo, mesmo quando trabalhas o retrato. Sentes necessidade de uma poética subliminar nas tuas representações?

Bem, aí está algo que acontece inconscientemente. Apercebi-me disso no “Blues Control”. Primeiro houve a decisão de não o estruturar dessa forma. No final da etapa, quando comecei a olhar para o que tinha reparei que havia peças que se juntavam naturalmente, dando forma àquilo que poderia parecer uma narrativa. Não foi intencional mas ainda bem que assim aconteceu.

O teu blog ink-and-paper é um nome sugestivo que poderia definir o teu trabalho, o virtuosismo do desenho a tinta da china sobre papel sem grandes truques digitais, concordas? É mesmo tinta sobre papel ou usas uma mesa wacom?

Uso apenas marcadores, esferográficas e pincéis. Há pouco tempo, quando comecei a pensar na tal ideia para animação, fiz uma primeira experiência com uma mesa Wacom mas não fiquei maravilhado com o resultado. Poderá ser apenas uma questão de adaptação, mas acho que há uma identidade que se perde, fica tudo algo estandardizado e isso não me agrada. Para mim o mais importante é o traço. Faça o que fizer, é nele que me concentro. O traço é a marca de água que me permite não assinar um desenho com o meu nome.

Sentem-se influências da cultura bd nas tuas ilustrações… partilhas a banda desenhada com a ilustração?

A banda desenhada foi o ponto de partida e é uma linguagem da qual estou próximo. Por enquanto pouco estou a fazer para lá voltar, mas tenho planos. Creio que é só uma questão de tempo. Até lá dou passos de bebé nessa direcção.

O que pensas da Ilustração, nos nossos dias, em Portugal. Mercado, editorial, etc?

É uma pergunta que dá pano para mangas mas que vou responder de forma abreviada. Acho o mercado complicado. Contudo sou um optimista em relação ao panorama por encontrar vários ilustradores cujo trabalho realmente gosto, normalmente gente que desenvolveu uma linguagem e que chegou até a um universo próprio – coisa que não relaciono com um estilo ou uma fórmula. Por vezes encontro isso em gente que decidiu que o mercado não era para eles e que seguiu o seu caminho no desenho.

Costumo pedir listas nas entrevistas. Podes fazer uma lista de 10 objectos/referências/pensamentos/pessoas….

Em jeito de agradecimento, uma lista daqueles que estão sempre por perto – são mais do que era suposto mas estão agrupados por famílias e em menos de 10 linhas.

Flur, Pedro, Zé, André, Márcio e Alfacinha,

George Ohsawa,

Mãe & Nelson

Pai, Maria & António

Raquel & Ig

Sei Miguel, Fala Mariam & César Burago



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