O BOM, O MAU E O VILÃO by Sergio Leone

O filme e o Conceito por detrás do cinema esparguete.

“Há 2 tipos de pessoas neste mundo, os com a corda ao pescoço e os que a cortam”. Tuco Ramirez (Eli Wallach), o Vilão, procura desta forma sensibilizar Blondie (Clint Eastwood), o Bom, a aumentar a parte de dinheiro que lhe cabe por cada participação no esquema protagonizado por ambos. Este consiste em, numa dada cidade, Blondie trocar Tuco pela recompensa por este oferecida (dado que ele é um bandido procurado) para depois aquando da cerimónia de enforcamento salvá-lo da situação e executar a mesma tramóia noutras paragens (como cowboy solitário que é), onde com alguma sorte o valor pela cabeça do sócio será maior, e assim sucessivamente.

Junte-se-lhes “Olhos de Anjo” (Lee Van Cleef), o Mau, mercenário categorizado pelas bandas do Oeste Selvagem e 200.000 dólares em moedas de ouro escondidos algures num cemitério (o que ao câmbio de hoje daria para tapar o buraco da Califórnia, imagine-se o que faria ao nosso défice!), em pleno cenário de Guerra Civil Americana, e temos “O Bom, O Mau e O Vilão”, a obra mais representativa do género a que se convencionou chamar de western spaguetti, dado o reconhecimento que gozavam as massas do país onde nasceu o movimento.

No início da década de 60, em Itália (era fácil não?), começou a proliferar um tipo de western de série B que em nada se assemelhava às aventuras de heróicos cowboys aos tiros contra índios selvagens que se fazia nos Estados Unidos. O cliché do xerife de chapéu branco contra o vilão de chapéu negro, repetido à exaustão nas obras de realizadores como John Ford estava gasto e graças ao génio de uma nova vaga de realizadores, dos quais Sergio Corbucci mas principalmente Sergio Leone se distinguiram, este tipo de fita conheceu grande sucesso nacional. Nascido em Roma, foi Leone (cujo maior reconhecimento pessoal foi uma nomeação para melhor realizador nos Golden Globe em 1984 com o filme “Era Uma Vez na América”, onde pontificavam Robert De Niro e James Woods) quem internacionalizou este género (ao ponto de ter passado a ser conhecido pela peculiar designação de cinema esparguete), escandalizando os mais puristas americanos quando em 1967 pôde finalmente estrear o primeiro filme da chamada Trilogia dos Dólares ou Trilogia do Homem Sem Nome (devido ao facto da personagem de Clint Eastwood, protagonista nos 3 filmes, não ter nome próprio), “Por Um Punhado de Dólares”, realizado em 1964 e que era um remake (com cowboys ao invés de samurais) do filme “Yojimbo” de Akira Kurosawa. Seguiram-se em 1965 “Por um Pouco Mais de Dólares” e finalmente, em 1968, o seu mais carismático filme no género, “O Bom, O Mau e O Vilão”, constituindo a trilogia um grande sucesso mundial. Também natural de Roma, o maior sucesso de Corbucci, foi “Django”, a partir do qual outros realizadores fizeram cerca de 30 sequelas, de 1966 (onde a titulo de curiosidade Quentin Tarantino foi “roubar” a cena da orelha cortada de “Cães Danados”).

O western spaguetti foi sinónimo de ruptura com o western clássico americano, já se disse, mas concretamente o que é que mudou? Basicamente tudo excepto o cenário! Mantiveram-se os sujos desertos do Sul da América do Norte e do México, entre verdadeiros oásis que constituam as minúsculas cidades, com os seus cavalos, os saloons e as belas moças dos bordeis mas os protagonistas adquiriram individualmente uma personalidade própria e que cambia face às questões e dilemas morais que surgem em cada fita. A ausência de estereótipos estanques (o bom e o mau) torna o herói destes westerns, seja ele o Homem Sem Nome (Clint Eastwood) ou Django (Franco Nero) igual aos seus oponentes. Rápido a sacar e a pensar (a inteligência é normalmente o trunfo que lhe permite suplantar os demais personagens), fá-lo-á exibindo pelo menos a mesma dureza e sangue-frio de quem a ele se opuser e não hesitará em desrespeitar a lei sempre que necessário, ou seja, empregará de todos os meios para atingir os fins, mentindo, enganando e utilizando o jogo duplo para se aliar hoje com este e amanhã com outro (bem visível no excelente “Por Um Punhado de Dólares”). O móbil da sua acção é o menos nobre possível, na maior parte das vezes o dinheiro. E como não confia em ninguém, não se lhe conhecerão verdadeiros amigos, bastar-lhe-ão mulheres para folgar, álcool e charutos para fumar.

No entanto, pese embora o herói se revele na verdade um anti-herói (um autêntico filão que desde então passou a ser explorado na indústria do cinema), normalmente um caçador de prémios ou um mercenário que cavalga solitário Oeste adentro, tal não quer dizer que não faça benfeitorias de vez em quando. A diferença é que não o faz por estar impelido a isso (pela sua condição de herói) mas sim pela utilidade e prazer que retira de tal gesto. Atente-se de novo em “Por Um Punhado de Dólares” quando o Homem Sem Nome resgata uma mulher das mãos de um patife somente porque a situação lhe lembrava outra ocorrida no passado onde não houve ninguém disponível para ajudar, mas também porque o seu desaparecimento era vital para o pleno funcionamento de mais um dos seus esquemas.

Em “O Bom, O Mau e O Vilão”, filme que aqui se recomenda para quem quiser tomar contacto com o universo spaguetti, encontra-se a síntese perfeita dos ingredientes fundamentais deste género: violência e humor. Blondie é quem mais dispara, reforçando a ideia do anti-herói implacável para com os seus oponentes. Tuco afirma no filme: “quando tiveres de disparar dispara, não fales!”. É isso mesmo que se faz neste filme. No entanto, e ao contrário de “Olhos de Anjo”, que quase espanca uma mulher ou mesmo Tuco, que esbofeteia um padre, a sua brutalidade é sublime, não fosse ele “il buono”. Rapidamente somos levados a simpatizar com ele, até porque a única diferença entre ele e os outros 2 criminosos reside em Blondie ser muito mais esperto, característica que o espectador muito estima. Clint Eastwood, anteriormente conhecido apenas como um mero actor de televisão, é um protagonista à altura e adquiriu aqui muita da experiência que o levou anos mais tarde a desempenhar com igual brilho a personagem de Dirty Harry, nos filmes de Don Siegel.

Sergio Leone conquista o público também com a personagem de Tuco Ramirez, explorando com mestria nesta personagem os cómicos de Gil Vicente. O cómico de linguagem está presente na forma risível como Tuco diz o que diz e na forma como o diz. O vernáculo é frequente e é acompanhado por gestos e tiques muito conseguidos. Já o cómico de carácter resulta da sua personalidade e do seu comportamento. Enquanto Blondie prima pela ironia bastante refinada em momentos chave, Tuco, fanfarrão q.b. recorre preferencialmente ao sarcasmo e a sua coragem e obstinação em ultrapassar os (muitos) obstáculos que se lhe deparam é digna de louvor. Finalmente o cómico de situação, presente nas melhores cenas do filme como a do comboio ou a da caminhada até ao cemitério, surge quando Tuco é colocado em posições de cariz divertido.

Como cereja em cima do bolo, Ennio Morricone presenteia-nos com uma magnífica partitura que é uma verdadeira bizarria musical, na medida em que congrega o épico com sons de tiros de pistola ou mesmo gritos índios, a qual se entranha no espectador. A sua composição para “O Bom, O Mau e O Vilão” tornou-se inclusivamente o primeiro instrumental a atingir o número 1 nas tabelas britânicas.

Até ao final dos anos 70 produziram-se largas dezenas de western spaguetti, maioritariamente de origem italiana e espanhola, mas com o afastamento de Sergio Leone dos filmes de cowboys e do cinema em geral (depois da Trilogia dos Dólares apenas realizou mais 3 filmes, o último dos quais, o já citado “Era Uma Vez na América” em 1984) e acompanhando a queda de todo o tipo de western, a pouco e pouco este género deixou de se realizar. Actualmente os filmes mais próximos da temática spaguetti serão “El Mariachi” (1992) e “Desperado” (1995) de Robert Rodriguez.



Existe 1 comentário

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  1. PEREIRA

    Tenho sempre a dúvida de qual o meu filme favorito de Leone, se "Aconteceu no oeste" se "O bom, o mau e o vilão". Ambos contribuíram bastante para a explosão do género.

    Não é aqui referido mas também importante para quem se pretenda infiltrar nestes meandros, é a obra de Sergio Sollima, mais direccionada para a vertente politica.

    Deixo aqui uma sugestão (top 20) para quem se quiser iniciar no género, sem ter de perder nos pântanos da mediocridade:

    http://spaghetti-western.net/index.php/Essential_Top_20_Films


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