O Clube de Dallas

O Clube de Dallas

A Saúde (não) é para todos!

Imaginem que estamos em 1985, em plena cidade de Dallas no Texas, onde os homens bebem cerveja, gostam de rodeos e não têm doenças esquisitas como aquelas que castigam os gays pelos seus pecados.

De repente, começam a sentir-se mal, como se o corpo contrariasse todas as vossas vontades e aspirações, e já preocupados com tudo isso, vão ao hospital apenas para receberem o arrasante prognóstico de 30 dias de vida…

A doença que vos agride é algo que até há pouco tempo era denominada como GRID (desordem imunológica relacionada com o homossexualismo) também conhecida como a praga homossexual. Mas apesar de o nome se ter democratizado, o estigma permaneceu, bem como o terror em torno dela.

Se conseguirem imaginar tudo isto, então talvez sejam capazes de começar a entender o drama de Ron Woodroof (Matthew McConaughey), um homofóbico cowboy, que traz no corpo uma vergonha em forma de vírus.

Ron “adquiriu” o vírus do VIH (mais conhecido pela designação inglesa, HIV), numa relação fortuita e desprotegida com uma toxicodependente, hábito que partilha com o seu grupo de amigos, que numa fase já tardia do amor livre dos anos 60, continuam a acreditar que não existem consequências para os seus actos.

Mas enganaram-se terrivelmente….

O desespero de Ron, leva-o então a uma investigação obsessiva em torno de procedimentos e terapêuticas para a cura do seu mal, constatando que apesar de várias drogas serem prescritas no exterior, nos Estados Unidos a única droga aceite pela FDA (o Infarmed americano) era o AZT (azidotimidina), droga extremamente polémica, que tinha sido colocada anteriormente no mercado para curar o cancro, mas que dado a sua ineficácia e periculosidade foi descontinuada. Surgindo agora de novo e directamente em fase de teste em humanos, como a maior esperança para os doentes seropositivos.

Numa fase mais desesperada do seu sofrimento, Ron volta ao hospital para discutir com Dr.Sevard (Denis O’Hare) – o homem que lhe disse ter apenas 30 dias de vida – a possibilidade de participar em protocolos com drogas experimentais. Na sua ausência ele é observado pela jovem médica, Dra. Saks (Jennifer Garner), a quem oferece mesmo dinheiro para comprar o AZT.

Saks explica-lhe que a droga está em fase experimental e que mesmo que ele fosse considerado um candidato viável para a experiência, existiria sempre a possibilidade de vir a pertencer ao grupo placebo e receber apenas um comprimido de açúcar. Ron decide não aceitar o seu pré-programado destino e decide adquirir por meios alternativos o medicamento.

Mas nem tudo corre bem e rapidamente volta ele ao hospital, desta vez para um internamento que se considera já terminal. Lá conhece uma personagem fascinante, na figura de um crossdresser de seu nome Rayon (Jared Leto), que virá a ser uma figura essencial para a sua vida, mas que inicialmente lhe desperta uma reacção de medo homofóbico.

Ron, fugindo mais uma vez ao fado que lhe cantam ao ouvido, decide viajar até ao México, onde uma clínica pirata desenvolve um trabalho marginal mas eficiente, usando drogas e principalmente suplementos, não aprovados pela FDA (apesar de alguns deles serem comprovadamente isentos de efeitos secundários nocivos).

As melhoras do cowboy são muitas a todos os níveis. E a pergunta fundamental surge na sua mente: Porque não podem beneficiar deste tratamento os seropositivos norte-americanos, desde que obviamente paguem bem pelo resultado?

Nesse momento Ron transforma-se num dealer de substâncias medicamentosas, levando do México para os EUA, grandes quantidades de comprimidos e injectáveis de forma contínua, usando para isso, expedientes particularmente ardilosos.

Rayon passa então a ser um parceiro privilegiado em virtude dos seus muitos contactos no universo homossexual de Dallas e não só…

Com o seu sucesso e notoriedade, esta inusitada joint-venture passa a ser observada de próximo pela FDA e pelo hospital, onde apenas a Dra. Saks, se recusa vender aos interesses farmacêuticos e permanece céptica quanto aos benefícios do AZT, pelo menos nas doses indicadas pelo laboratório, propositadamente maximizadas para aumentar os lucros brutos do mesmo.

A Saúde é um negócio, isso é bem claro para todos ao longo do filme. E assim é também para Ron que decide criar um projecto (com provas dadas anteriormente na Califórnia) único no Texas: O Clube de Dallas!

Engenhosamente estudado, este clube não cobra os medicamentos aos seus associados, mas apenas uma jóia de entrada, sendo os medicamentos e terapêuticas oferecidos pelo clube.

Genial ou assim parece….

Mas bem perto de genial é o filme, que solidamente baseado numa história real, de uma penada faz cair várias ideias-base com as quais nos habituamos a viver.

A primeira é logo exposta nos primeiros momentos: As coisas não acontecem apenas aos outros, porque eles são diferentes de nós.

Na realidade tudo o que fazemos tem um risco que devemos estar preparados para enfrentar. Não somos melhores ou sequer piores dos outros, só porque temos uma orientação ou postura diferente perante a vida. Toda a vida é preciosa, todo o sofrimento é sagrado.

A segunda ideia-base que acreditamos verdadeira, é: Que a saúde só pertence aos profissionais de saúde.

Ledo engano.

Todos temos o direito de buscar alternativas para o nosso bem-estar, desde que elas não coloquem em causa o bem-estar dos outros. Os profissionais de saúde são instrumentos terapêuticos, mas falando de seres conscientes, a última palavra deve ser a do individuo que sofre.

Terceira ideia-base: A saúde não é para fazer dinheiro.

E de facto não devia, mas hoje em dia é um dos maiores negócios na face da terra. E a busca pelos lucros faz com que gente boa, faça coisas muito más. O obstáculo à entrada de melhores medicamentos para todos, em oposição a medicamentos caros para alguns, reside aí.

Mas talvez a maior lição do filme seja esta: É tanto possível morrer para a vida aos 18 anos e ser sepultado aos 80, como é possível o mundo dizer que estamos acabados e continuarmos a nos surpreender todos os dias, criando versões melhores de nós próprios.

Sem dúvida um filme que vem na hora certa.

Excelente realização e direcção de actores de Jean-Marc Vallée, óptimo guião da dupla, Borten e Wallack e grandes interpretações…

Até aqui não me referi a McConaughey que está irreconhecível. Magro a um nível perturbador, ele veste este papel como se nunca tivesse vestido outro.

A intensidade do seu olhar está lá, aquele enorme sorriso está lá, mas desta vez o que se busca não é provocar suspiros às suas fãs, mas antes, transportar a força interior de Ron à superfície…mesmo dentro daquele esquálido corpo que se recusa a cair.

Soberbo e convincente do primeiro ao último minuto!

De Jared Leto posso dizer praticamente o mesmo, sendo óbvio que tanto para ele como para McConaughey, esta é a interpretação de uma vida. Interpretações para Óscar, sem a mais pequena dúvida.

Não sei se as ganharão, porque além de existirem outras boas interpretações este ano, a atribuição dos óscares é mais complexa do que apenas a avaliação isenta do talento dos intervenientes do filme…depende dos patrocinadores…esperemos que não pertençam à indústria farmacêutica.

Gostei muito e como tal…

Sai com um Satisfaz Plenamente!

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