“O Domingo das Mães” de Graham Swift
A metamorfose de Jane Fairchild
Neste novo livro de Graham Swift, autor bestseller internacional e do Sunday Times, sublinhado por um evento de proporções trágicas que vai despoletar o renascimento de Jane Fairchild, O Domingo das Mães (Presença, 2018), é um pequeno conto que vai relatar eventos, denominadamente um em especial, que conduziram Jane, serviçal numa casa senhorial Inglesa, pós 1ª Guerra Mundial, a alterar o seu percurso de vida e a tornar-se numa escritora famosa.
Quando nas entrevistas lhe pediam para descrever a atmosfera daqueles tempos de guerra (referindo-se, é claro, à Primeira Grande Guerra), ela respondia que já se passara tanto tempo e o mundo era tão diferente que tentar recordá-la era um pouco como… escrever um romance.
Graham Swift, dá continuação à temática do seu ensaio exclusivo, uma exploração do mistério da criatividade, do motivo que impulsiona um escritor a escrever, e faz desta história a sua homenagem ao tema, uma ode aos livros e a novas descobertas, ao que está na origem da escrita, ao que leva um escritor a transpor em palavras sentimentos, eventos e determinados personagens.
Através de um discurso na terceira pessoa, oferece-nos uma visão externa da situação, de uma forma congruente com o ponto de vista da personagem principal, através da sua descrição do dia fatídico, com o passar das décadas.
O que inicia com o brilho dos dias primaveris vai perdendo a sua luz até ao desvendar da tragédia, o ponto negro da narrativa, que vai simbolizar a “morte” e “renascimento” de Jane, alterando o rumo da sua existência, para sempre e de forma inesperada.
Swift, apresenta-nos uma sociedade fraturada, ao estilo de Downton Abbey, ilustrando uma sociedade inglesa aristocrática, que pós 1ª Guerra Mundial, se vê afetada no seu núcleo e forçada a alterar o seu estilo de vida.
As grandes casas senhoriais viram o seu pessoal reduzido, as suas vidas tornaram-se menos luxuosas, tentando, porém, manter sempre as aparências.
É numa destas casas que Jane Fairchild, uma jovem serviçal, desempenha as suas funções.
Ela nascera em 1901 – pelo menos, o ano devia estar certo -. e cresceria para se tornar criada, algo que qualquer pessoa podia ter previsto. Mas tornar-se escritora – isso ninguém teria imaginado.
Jane Fairchild, jovem nos seus vinte anos, orfã, tem no Sr.Niven um patrão atencioso, que talvez por ter perdido a sua prole, repara nas qualidades de Jane, dado que esta demonstra ser mais inteligente do que a suas companheiras, o que lhe confere algumas permissões extra, tal como usufruir da biblioteca e do seu conteúdo.
Oferta essa, que Jane desfruta com agrado, mas não mais do que a relação, de cariz sexual, que desfruta com o filho dos vizinhos, Paul Sheringham, há mais de sete anos.
(…) orfã, criada, prostituta. (…) E amante secreta. E amiga secreta. Ele dissera-lhe aquilo uma vez, “És minha amiga, Jay”. Dissera-o claramente. Deixara-a atordoada. Nunca lhe tinham chamado aquilo (…)
Paul Sheringham, o herdeiro dos Sheringham, um “um puro-sangue”, um garanhão viciado em apostas nas corridas de cavalos, é amante de Jane, embora esteja noivo de Emma Hobsday, uma dama da alta sociedade.
A relação entre Paul e Emma não parece ser outra além de uma transação comercial, um casamento de interesse, para manter as aparências e o património; enquanto que com Jane, os seus interlúdios sexuais têm um tom diverso, onde Paul permite por vezes uma inversão dos papéis, denotando e evidenciando as qualidades de Jay.
Numa das suas escapadelas, algum tempo antes da cerimónia de matrimónio prevista de Paul e Miss Hobsday, Jane vai encontrar-se com Paul na sua casa, algo sem precedentes e deveras surpreendente.
Depois do seu interlúdio sexual, Paul não parece muito incomodado por estar atrasado para o seu encontro com a sua noiva e leva o seu tempo a preparar-se, momento que Jane absorve com atenção, recordando cada acção.
Ela iria meditar naquilo como se fosse um excerto que talvez precisasse de ser reformulado (…) Em seguida, ele partiu. Sem se despedir. Sem nenhum beijo tolo. Só um último olhar. Como se a estivesse a esvaziar, como se a estivesse a beber.
Alheia à tragédia que tinha tido lugar, não muito tempo após a partida de Paul, Jane irá passar as horas seguintes imersa numa realidade diversa, desfrutando da casa e da sua biblioteca, interpretando cada recanto, cada livro, cada sensação.
Todas as cenas. Imaginá-las era apenas imaginar o possível, ou até mesmo prever a realidade. Mas também era conjurar o inexistente.
Um instante, um só momento, irá dar lugar a uma tragédia, ao passo que essa mesma tragédia vai ser o símbolo, o ponto de partida de Jane a criada, rumo a Jane a escritora.
Jane irá iniciar um novo percurso na sua vida, com novas oportunidades, que irão potenciar a sua metamorfose definitiva, sem nunca esquecer o ponto catalisador que a conduziu até ali.
Durante toda a sua vida iria tentar vê-lo, trazer de volta aquele Dia da Mãe, apesar de se tornar mais vago, apesar de a sua própria razão de se ter tornado uma raridade histórica, uma tradição de outra época.
O Domingo das Mães, de Graham Swift, é um conto sobre romance, tragédia e metamorfose, que além do aspeto romântico e de desenvolvimento pessoal de Jane, glorifica o trabalho de um escritor, expondo o que existe por detrás do pano e o que estimula a mente criativa de um autor.
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