O Fabuloso destino de Rita

Entrevista exclusiva com Rita Carmo.

Fotógrafa de excepção, habitual mostradora de imagens de música para sempre recordar. A Rua de Baixo foi conhecer melhor a Rita Carmo pessoa, conhecer melhor aquela figura que todos aprendemos a respeitar e a admirar pelo seu trabalho. Uma entrevista de vida. Venham daí entrar em…

O FABULOSO DESTINO DE RITA

Há aproximadamente meia dúzia de meses entrevistei Rita Carmo para outro órgão de comunicação. Porquê repetir agora a experiência? Simplesmente porque, desta vez, parece-me importante dar a conhecer a Rita Carmo enquanto pessoa, não só a figura de profissional de fotografia que admiramos, mas também a sua individualidade enquanto cidadã, a sua postura perante a vida, não descurando, obviamente, o seu lado profissional. Uma entrevista em regime muito aberto e livre, para todos os leitores devorarem como se uma fotografia se tratasse…

Capítulo 1 – O Trabalho e a Redacção

RDB: Há sensivelmente 6 meses entrevistei-te pela primeira vez. O que mudou desde então, a nível pessoal e profissional?

Rita Carmo: Mudou muita coisa, por acaso. Passou o Verão, e esta é uma altura muito árdua, houve muito trabalho feito de lá para cá. Entretanto, tive uma exposição em Paris, que me deu algum estímulo para trabalhar, porque fiz coisas especificamente para isso, não foi uma recolha de trabalho já feito…

RDB: Uma exposição somente de artistas portugueses, certo?

RC: Sim, só de artistas portugueses, e só sessões. Houve algum aproveitamento de trabalho que já tinha feito mas houve também trabalho concebido especificamente para este fim. A exposição estava englobada no Festival Número e foi uma coisa que gostei muito de fazer. Da última entrevista até hoje saí também de Lisboa, mudei de cidade e de vida em termos pessoais, o que alterou bastante a minha vida em termos de cabeça, inclusive.

RDB: Mas continuas a fotografar tudo o que é concerto em Lisboa…

RC: Sim, venho a Lisboa diariamente. Em termos familiares cheguei à conclusão que estar em Lisboa ou noutro sítio não interfere com o meu trabalho, já que este não é específico, não vou todos os dias a uma determinada hora para um mesmo sítio. Tanto posso estar um dia em casa a trabalhar ao computador como posso estar um dia inteiro a trabalhar num local qualquer. Para além disso, ao sair de Lisboa tenho vantagens noutras situações, como na educação dos meus filhos.

RDB: A nível interno do Blitz também houve mudanças nos últimos tempos. Saiu o Director (Pedro Gonçalves), o Editor (Jorge Mourinha)…

RC: Houve alguma turbulência, mas uma turbulência estável, porque estas mudanças foram todas não esperadas, mas calmas dentro da redacção.

RDB: Com tantos anos de casa já sentiste por diversas vezes estas mudanças.

RC: Sim, já é algo…não direi corriqueiro, mas já passei por isto. Mas atenção que o Blitz foi extremamente estável até ao ano 2000. Nesse ano houve maiores mudanças e saídas mais significativas, como do Miguel Francisco Cadete, por exemplo… aí é que houve mudanças maiores, porque antes disso a Redacção era mais ou menos a mesma.

RDB: Estás há 14 anos no Blitz, mas a tua carreira não começou exactamente pela música. Resumidamente, como é que evoluiu o teu percurso até aos dias de hoje?

RC: Assim em traços altos, porque dei várias voltas até chegar ao Blitz: fiz um curso de Design de Moda que me fez entrar, no segundo ano, e por estímulo do IADE, na Faculdade de Belas Artes, onde fiz um curso de Design e Comunicação. No curso de Moda descobri verdadeiramente que gostava de fotografar.

RDB: Mas entre fotografar moda e fotografar música vai um passo…

RC: Fotografar pessoas, acima de tudo. Aliás, eu entrei no curso de Moda para desenhar pessoas, a minha ideia nunca foi fazer roupa para vender. Portanto, fotografar pessoas foi uma passagem mais ou menos lógica entre o desenho e a fotografia.

RDB: Achas que a fotografia vive exclusivamente de um talento e uma intuição nata ou que com trabalho e experiência, qualquer pessoa consegue chegar perto desse talento?

RC: Acho que vem um pouco das duas coisas, e isto em qualquer tipo de arte. Não há, para mim, coisas completamente inatas, apesar de, ok, haverem génios logo à partida que com o tempo e experiência conseguem melhorar. A experiência mata um pouco a frescura e a intuição natural e isso acontece em grande parte dos artistas. Mas acho que o ideal é a mistura das duas coisas. Alguém que nasça completamente sem aptidões não consegue fazer algo somente com a experiência e vice-versa.

RDB: Sentes que o jornalismo musical é, ainda hoje, visto como um jornalismo menor?

RC: Eu acho que é visto como um jornalismo aparte, mas acho que isso é uma vantagem. O jornalismo está, actualmente, em tão mau estado, que eu prefiro pertencer a um jornalismo diferente e sinto-me feliz por não trabalhar em jornais onde, e falando especificamente de repórteres fotográficos, seria obrigada a fazer determinadas coisas que me iriam repugnar. Sinto-me mesmo muito feliz (risos).

RDB: Falas em coisas tipo 24 Horas e afins…

RC: Por exemplo. (risos)

RDB: Ao fotografares, por exemplo, os U2 em Alvalade ou os Loosers na ZDB, o que é que tens de ter em conta para cada caso?

RC: Nos U2 em Alvalade tens uma grande oportunidade à frente de, em 15 minutos, as coisas te correrem bem ou não. A mim, por exemplo, neste último concerto, acho que correu mal, porque estava mal localizada, não estava tão compenetrada como devia, isto para não falar nas partes técnicas. Apostei no sítio errado, e o gajo não se meteu à minha frente (risos). Essencialmente foi isso. No caso dos Loosers já tenho um concerto inteiro onde posso, eu própria, tentar fazer melhor. A luz pode ser uma grande merda (risos) – e normalmente é –, mas está na tua mão tentar tirar dali alguma coisa. Gosto tanto de fazer os grandes concertos e festivais, onde existem mais colegas meus e maior camaradagem, um maior ritual, como os espectáculos de menor dimensão, na ZBD, por exemplo, onde estou muitas vezes sozinha.

RDB: Depois do lançamento do teu livro “Altas Luzes”, há 2 anos e qualquer coisa, tens andado em digressão com a exposição de fotografias do livro…

RC:
Para grande espanto meu, e ainda irá continuar mais tempo, já está programado para 2006.

RDB: Sentes-te quase um músico em digressão, não?

RC: É engraçado, porque alguns sítios que entram em contacto comigo não sabem sequer que houve a edição do livro. Não sei como sabem do meu nome, mas seja como for, o livro pelos vistos não foi o motivo para me contactarem. Teve uma tiragem de 4500 exemplares, com 2000 vendidos à cabeça a um patrocinador, e eu sei que não está esgotado, simplesmente não é reposto. Agora tive pela primeira vez, em dois anos, a exposição parada, o que não deu jeito nenhum já que ocupa muito espaço em casa, ainda para mais em fase de mudanças (risos). Agora vai para o Barreiro Rocks e logo de seguida para a Azambuja.

RDB: Quando te é proposto um trabalho para uma banda, que critérios tens em conta para arranjar o conceito ideal para a sessão?

RC: Normalmente tento conhecer o trabalho da banda, a área em que se movem, inclusive esteticamente. Muitas vezes é um bocado intuição e, por vezes até, e já aconteceu, forço um bocado, tento encontrar uma relação entre um espaço espectacular que encontrei e que gosto muito e um artista que vou fotografar, por exemplo.

Capítulo 2 – A Vida Familiar

RDB: Como é que integras a família na tua profissão? Pergunto isto porque são diversas as noites em que não estás em casa, por exemplo…

RC: Já foi mais problemático, quando os meus filhos eram mais pequenos: tenho um filho com oito anos e uma filha que vai fazer quatro, e ambos, perto de um ano e meio, quando estavam mais ligados a mim, passaram fases complicadas de eu quase ter que fugir de noite. Nem sequer me podia calçar à frente deles porque eles sabiam que eu me ia embora, e nessas alturas, por vezes, ia um bocado angustiada para o trabalho. Actualmente é mais ou menos fácil, eles percebem que eu vá às dez da noite trabalhar. Quando vou para festivais é que já eu sofro um bocado, mas creio que isso acontece com qualquer pessoa que se tenha de ausentar por alguns dias.

RDB: Os teus pais sempre te apoiaram ao longo do teu percurso?

RC: Isso é giro (risos). Saí de casa aos 18 anos, de Leiria. Estive para ir para Coimbra mas acabei por vir para Lisboa, e ainda bem, que eu nunca tive espírito académico e foi uma boa opção que tomei. Quando entrei no Blitz, como colaboradora, omitia ao meu pai que estava a trabalhar, e só lhe disse que estava num jornal, a fotografar, quando entrei no quadro, sensivelmente seis ou sete meses depois de ter entrado. Lentamente os meus pais foram percebendo que o meu trabalho envolvia alguns riscos de noite, mas que eu conseguia superá-los bem, e acho que o meu pai, especialmente, se foi habituando à ideia, apesar de sempre ter achado que isto nunca seria a minha profissão efectiva. E eu também.

RDB: E em que momento é que pensaste que isto podia ser efectivamente a tua profissão para o futuro?

RC: Foi há pouco tempo (risos). Com muita naturalidade acabei por começar a namorar, casar, e continuei a trabalhar, mas isto nunca foi propriamente uma profissão, nunca foi propriamente ambicionada…nunca pensei “eu quero ser fotógrafa”, era simplesmente uma coisa que eu estava a fazer…e pronto.

Capítulo 3 – O Mundo Lá Fora

RDB: Que conselhos darias a um jovem que se queira iniciar no mundo da fotografia de espectáculos?

RC: Com a edição do livro apercebi-me que era bom receber comentários de pessoas completamente anónimas, e comecei a receber imensos e-mails de pessoas que gostariam de fotografar, que me pedem conselhos, etc… e eu normalmente respondo, tentando dar o meu melhor conselho. Essa foi uma parte engraçada, descobrir que posso ajudar pessoal que está a começar, mesmo sabendo que o mercado está muito mau. De qualquer das formas, muitas vezes são procuradas ideias novas, e os jovens conseguem obter trabalhos por serem exactamente jovens, e por ser de esperar algo de novo e fresco dos seus projectos.

RDB: És uma pessoa atenta à cultura e a movimentos culturais, não só os globalizantes mas também os de carácter mais alternativo?

RC: Sou uma pessoa que tem a sorte de ter um marido extremamente atento a todos esses movimentos culturais. Ele sim, é extremamente atento a novos movimentos e muitas vezes ajuda-me em termos de referências. Há muitas coisas que tenho a intuição de fazer e ele ajuda-me dizendo, por exemplo, que alguém já fez isso. Eu, olhando para ele, acho-me extremamente inculta. E ele próprio diz o mesmo de mim (risos). Mas voltando um pouco atrás à questão da experiência/intuição, acho que, de facto, a cultura mata um pouco a intuição, e hoje em dia tento ver pouco trabalhos, exactamente para evitar saber essas referências, e não matar as minhas ideias. Posso estar errada, mas para já é a única forma que encontro de trabalhar. Por outro lado, eu própria não me vejo como apenas fotógrafa, todas as formas de arte necessitam de conviver juntas, e sou adepta desse intercâmbio de formas de arte.

RDB: Agora passaria para uma fase de escolhas tuas, quase à Professor Marcelo Rebelo de Sousa…

RC: Aquele homem é uma enciclopédia (risos).

RDB: Pedia-te, para começar, que falasses de um disco que seja para ti uma referência.

RC: É assim… (pausa) Há várias maneiras de interpretar isso, há discos que gosto, há discos que me influenciaram mas que posso não ouvir repetidamente… (pausa). Repetidamente oiço, por exemplo, Radiohead e Sigur Rós, coisas bastante deprimentes.

RDB: Radiohead nem tanto…

RC: Err…. é um bocadinho (risos). São coisas que me ajudam muito a trabalhar. Em termos de influências destacaria as Vozes Búlgaras, que quando as ouvi no Seixal… é para mim uma coisa lindíssima que deveria ser considerada património mundial… ajuda-te?

RDB: Nem por isso (risos)…

RC: Queres o “Ok Computer”, é? (risos) É simultaneamente uma coisa triste, alegre, revoltada, sensível. O primeiro álbum não gostei, mas a partir daí fui gostando em crescendo até ao “Ok Computer”. Lembro-me de uma história engraçada que, aquando do lançamento do disco, o Blitz tinha preparado uma capa com os Silence 4, para a qual eu tinha feito uma fotografia que muito me contentava, até que alguém falou nos Radiohead e a capa passou para eles. Fiquei furiosa, pedi desculpa ao David Fonseca, mas agora acabo por dar razão a essa mudança de capa, hoje percebo que o “Ok Computer” foi mesmo um álbum importante para a música.

RDB: Pedia-te que falasses agora de um filme que te marcou.

RC: Escolho “O Meu Tio”, do Jacques Tati. Para mim o universo do Tati é assustadoramente moderno, e acho que aquele ambiente de design, misturado com o provincianismo tem muito a ver com as minhas memórias…e acho incrível.

RDB: Para terminar gostaria que escolhesses uma fotografia.

RC: Uma fotografia? Isso é muito mau (risos).

RDB: Pode ser tua, falares de uma história mirabolante…

RC: Não, que horror! (risos) É assim… (pausa) Em termos de referências fotográficas gosto muito do Anton Corbijn, como muito boa gente… qualquer fotografia dele é lindíssima. Uma fotografia, especificamente…todos temos referências na nossa cabeça, mas…não te dou fotografia! (risos) Como fotógrafa, não te dou fotografia (risos).



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