“O Livro dos Baltimore” de Joël Dicker
O regresso (auspicioso) de Marcus
A sensação que fica depois de ler “O Livro dos Baltimore” (Alfaguara, 2016), do suíço Joël Dicker, é idêntica à de um atleta que termina uma maratona, sem fôlego mas satisfeito, com o dever comprido, não importa a posição.
Exatamente três anos depois da edição de “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert” eis que somos novamente convidados a entrar em mais uma corrida literária com o escritor Marcus Goldman e, ainda que a sensação do seu todo e processo criativo seja de um constante deja vu e algo fundado por camadas mais ou menos estereotipadas, o resultado final é muito, muito interessante.
Antes de mais, prepara-se o leitor, ávido conhecedor, ou não, da ainda curta obra de Dicker, que depois de começar a ler “O Livro dos Baltimore” é impossível parar. Desta vez, Marcus, agora um escritor de sucesso no epicentro de um bloqueio criativo, mergulha de cabeça na história da sua família e do Drama que a abalou definitiva e eternamente, tendo como protagonistas os Goldman, nomeadamente os bem-sucedidos Baltimore e os suburbanos Montclair, estes últimos diretamente ligados a Marcus.
Não querendo levantar qualquer spoiler, podemos afiançar que Joël Dicker volta em “O Livro dos Baltimore” ao muito eficaz e construído território narrativo dos flashbacks através de vários segmentos temporais que condensam os principais anos de Marcus, Hillel e Woody, os três primos que componham o núcleo duro do “Gangue dos Goldman”.
Centrando o corpo da estória na adolescência e juventude do trio, Dicker revela o crescimento dessa fraternidade tripla (que mais tarde passa a acolher um desafiador quarto elemento) cujos amores, sonhos, ambições e desejos tinham muitos traços em comum, mesmo que a inveja, por vezes, assombrasse, ainda que de forma mais ou menos tímida, esse universo. Tudo era partilhado, vivido em formato mosqueteiro, até à chegada de Alexandra, a musa inspiradora do trio que lutava, em surdina, pela sua atenção e, claro está, paixão.
Todo o romance centra-se na perspetiva de Marcus, pelo seu relato e particular visão. À medida que as páginas avançam, leitor e Marcus estabelecem uma relação de confiança e somos levados a pensar que estamos lá, no palco imagino por Joël Dicker, à semelhança de um personagem como Leo, vizinho de Marcus, uma espécie de grilo falante que alerta, de forma sui generis, a consciência do protagonista.
Não é por isso difícil, sentir o mundo dos Goldman bem perto de nós, entrar e nele ficar, até ao fim, e interiorizar os seus elementos: Hillel, filho de Saul e Anita, tios adorados de Marcus, inteligente mas de débil constituição física; Woody, quase-órfão e criança disfuncional, adotado pelo clã de Baltimore, atlético, com um apurado sentido de justiça (muitas vezes aplicada com os punhos) e um promissor futuro no mundo do Futebol Americano; Marcus, o primo suburbano, maduro e objetivo, cujo único desejo é prolongar, ad eternum, o “Gangue dos Goldman” e fervoroso crente na redenção por via da amizade.
É também Marcus que vai tomar as rédeas da narrativa e que vai desenhar-nos o intrincado puzzle que é a vida dos Goldman, procurando conhecer os segredos mais obscuros, assim como as intrigas e mentiras da sua família para conseguir, finalmente, entender o que sucedeu antes e depois do Drama, naquele fatídico Dia de Ação de Graças de 2004 e que vai revelar que, afinal, os nossos heróis podem ter “pés de barro” e o que é, ou parece, verdade é uma profunda mentira, transformada por Joël Dicker num livro sedutor e que será um companheiro ideal para os dias de verão que, feliz e finalmente, chegaram.
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