“O meu avô” | Catarina Sobral
(é preciso) Mudar de vida antes da reforma
Em qualquer coisa como três livros, Catarina Sobral chegou-se à frente como uma das mais entusiasmantes fazedoras de histórias do universo infantil, juntando, à capacidade de inventar narrativas brilhantes, ilustrações carregadas de cor, intensas em pormenor e portadoras de sentimentos que vão da melancolia ao sorriso rasgado.
Depois de “Greve” e “Achimpa”, livros com selo Orfeu Negro que lhe valeram alguns prémios – incluindo o de Melhor Livro Infanto-Juvenil da Sociedade Portuguesa de Autores atribuído a “Achimpa” -, a ilustradora e designer de comunicação regressa este ano com “O meu avô” (Orfeu Negro, 2014 – chancela Orfeu Mini), livro que serve de homenagem a essa grande figura paternal e que, ao mesmo tempo, promove uma reflexão sobre a forma como vamos gastando a vida ao longo dos anos. E que usa e abusa de referências artísticas, numa viagem que inclui Pessoa, Manet, Almada ou Tati.
A história é-nos contada na primeira pessoa pelo neto, que mostra como o avô passa um dia da sua vida em comparação com o Dr. Sebastião, um vizinho do prédio com quem o avô se cruza normalmente duas vezes por dia, trocando algumas palavras e sorrisos de circunstância.
O avô foi em tempos relojoeiro, mas chegado à idade maior deixou de ter pressa: não segue as notícias, tem aulas de alemão e pilates, faz piqueniques durante a semana, cultiva o seu jardim, escreve (ridículas) cartas de amor, passa serões a discutir pintura ou a ler peças de teatro. E ainda arranja tempo e energia para ir buscar o neto à escola todos os dias.
Já o Dr. Sebastião anda sempre apressado: compra o jornal todos os dias, vive de refeições aquecidas no micro-ondas e de comida encomendada pelo telefone, passa horas ao computador, adormece à noite quando ainda nem leu duas páginas de um livro – que habita há meses na mesa-de-cabeceira -, vê as horas a passar preso no trânsito.
Lido nas entrelinhas, percebemos que o Dr. Sebastião é uma espécie de alter-ego temporal do avô, que depois de arrumar a vida profissional pôde dedicar mais tempo a si próprio e aos seus, olhando então para a vida de forma mais descontraída. Agora que conhecemos o segredo, resta-nos aproveitar para mudar de vida, mesmo que a reforma esteja ainda a quilómetros de distância. Mais uma bonita pérola saída da imaginação de Catarina Sobral.
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