“O Poder” de Naomi Alderman
O mundo através de um espelho
E se de repente o mundo mudasse e as mulheres fossem detentoras do poder?
Esta é a premissa principal neste novo livro de Naomi Alderman, vencedor do Baileys Women’s Prize para Ficção (2017), onde se produz um câmbio que vai alterar o mundo como o conhecemos, e conduzir os seus habitantes até uma nova era; O Poder (Saída de Emergência, coleção Bang!, 2018) é um romance repleto de ficção, com contornos alucinantes e, literalmente, electrizantes.
A forma do poder é sempre a mesma; tem a forma de uma árvore. Das raízes às pontas, o tronco central ramificando-se e voltando a ramificar-se, alastrando sempre com dedos cada vez mais finos e exploradores.
Naomi Alderman descreve uma realidade virada do avesso, ao apresentar ao leitor uma visão de um mundo afectado por uma súbita alteração de padrões, um simples acontecimento, que veio a desencadear uma série de reacções em cadeia, que, como seria de esperar, levam a consequências devastadoras.
O que a início poderia parecer uma ode à igualdade de géneros, e ao chamado girl power, demonstra ser, precisamente, o contrário, evidenciando os efeitos e consequências dessa mesma contínua desigualdade. Não se trata de um caso onde homens e mulheres são detentores dos mesmos direitos e deveres, não; trata-se de uma simples inversão, onde as mulheres têm todo o poder e muitos, muitos anos de revolta e rancor, dos quais desejam vingar-se.
É um pouco como se o leitor, mente curiosa, atravessasse um espelho, e visse o mundo através da perspetiva do outro lado, onde as mulheres fazem tudo o que os homens, anteriormente, faziam, desde apropriação de material alheio, a torturas e violações em grupo… Uma visão aterradora e perturbante do que poderia vir a ser.
Não será de espantar, portanto, a apreciação positiva por parte da escritora de renome, Margaret Atwood, cujas obras abordam, precisamente, o tema de sociedades fraturadas, distópicas, com severas desigualdades de género, e até regimes de escravidão sexual. A Sra. Atwood, uma espécie de mentora de Alderman, afirma considerar este livro como:
“Eletrificante! Chocante! Vai abalar o seu mundo! E depois vai fazê-lo questionar tudo.”
E é exatamente o que este livro faz. O leitor vai ver-se imerso, rapidamente, numa sucessão gradual de eventos, a início surpreendentes, que vão escalar para situações chocantes, até atingir o limite do insustentável.
Irá colocar o leitor, numa posição de espetador de um futuro possível, levando-o a questionar o que seria de si nessa situação, o que poderia acontecer a si e aos seus, como terminaria? E acima de tudo, questionar a divisão dos papéis, e o poder atribuído a cada um; de uma certa forma, terminando a sua obra, promovendo através de innuendos, os ideais feministas da igualdade entre todos, uma sociedade homogénea, equilibrada.
Alderman demonstra como a falta de harmonia e essas mesmas desigualdades conduzem apenas a um cenário, um caos apocalíptico, que só poderá terminal no Dia do Juízo Final, através de uma limpeza, uma purificação das almas, um expurgo, que visa uma tabula rasa, de forma a recomeçar do zero.
O poder tem as suas formas de atuar. Age sobre as pessoas, e as pessoas agem sobre ele.
É interessante como tem início o livro, como se, se tratasse de uma simples troca de opiniões entre escritores, onde um escritor, do sexo masculino, apresenta a sua visão da Mãe Eva, daquele período da História, e de como esses eventos afectaram os seres do seu sexo. Um relato da História, segundo ele, com algumas liberdades criativas.
Será este o ponto de partida, que leva à introdução das quatro personagens de maior relevo na história, todas de diferentes ambientes, provenientes de contextos opostos.
Afinal o que poderão ter em comum, Roxy, adolescente inglesa proveniente de uma família de criminosos pertencentes à Máfia; Tunde, um jovem de 24 anos que deseja ser foto-jornalista; Allie, adolescente americana, que vive numa família adoptiva, tudo menos perfeita; e Margot, uma presidente de Câmara norte-americana? A olho nu, nada, mas aparentemente, tudo.
Cada um irá desempenhar um papel primordial nesta história. Roxy, nos seus 14 anos, será uma das primeiras a quem será despertado o poder, e será alguém muito venerado e poderoso; Tunde, será aquele que através de um simples acaso de estar no lugar e momento certo, irá gravar a primeira manifestação do poder, e dar início ao intitulado, Dia das Raparigas, desafiando sempre o destino, e arriscando-se a estar no meio das situações mais incertas e perigosas; Margot, será uma das principais defensoras das jovens com o poder, escalando mais e mais, a cadeia de poder; e Allie, passará de uma jovem abusada a uma posição suprema, tornando-se na Mãe Eva, a verdadeira profeta.
As suas vidas ver-se-ão interligadas, inesperadamente, ao passo que a situação irá tornar-se num cenário apocalíptico, imergido em caos, medo e luta pela sobrevivência.
Algo foi iniciado e precisa de ser concluído. (…) Afinal já o fizemos antes. Podemos voltar a fazê-lo. Desta vez, de uma forma diferente, de uma forma melhor. Demolir a casa antiga e começar de novo.
O Poder, de Naomi Alderman, é um romance fantástico, arrojado, desafiador do tradicional, polémico, que irá arrepiar o leitor até ao mais profundo do seu ser, e forçá-lo a destruir as suas barreiras, levando-o a questionar: E se?
A forma do poder é sempre a mesma: é infinito, é complexo, ramifica-se sem cessar. Quando está vivo como uma árvore, cresce; quando está contido em si mesmo, é multiplicidade. As suas direções são imprevisíveis; obedece às suas próprias leis. (…)
Não há forma para nada, exceto a forma que já tem.
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