“O Redentor” | Jo Nesbo
Let`s twist again
No mundo da música, fala-se muitas vezes de algumas bandas ou artistas como “o segredo mais bem guardado”, como se permanecessem escondidos numa pequena caixa longe dos olhares dos comuns mortais; isto, antes da fama os descobrir para os enfiar em tudo o que é jornal, revista, rádio ou canal de televisão. Na Literatura, ainda que alguns degraus abaixo da escadaria mediática, também há destas coisas. Senão vejamos.
Stieg Larsson, sueco de nascimento, morreu em 2004 com 50 anos, após ter subido sete andares de escadas devido a uma avaria do elevador de serviço. Existiram rumores de que a sua morte havia sido induzida, apoiados pelas diversas ameaças que recebera enquanto editor da revista Expo, mas tal nunca veio a confirmar-se. Pouco depois da sua morte, foram encontrados os manuscritos de três romances, completados mas sem nunca terem visto a janela da publicação. O resto é história. Os três livros foram abraçados debaixo da trilogia Millennium e, em pouco tempo, nascia um fenómeno literário de todo o tamanho, que além de vender largos milhões de cópias teve direito a duas adaptações cinematográficas: uma sueca, realizada por Niels Arden Oplev (1º filme) e Daniel Alfredson (o 2º e 3º filmes), e uma outra por David Fincher, que até à data filmou (e bem) a história do primeiro livro.
Chegamos assim ao norueguês Jo Nesbo, um dos mais entusiasmantes escritores de policiais que, apesar de ser já um pequeno fenómeno fora de portas, permanece um quase ilustre desconhecido em solo nacional. Músico, compositor e economista, Jo Nesbo foi o criador do inspector Harry Hole, numa saga que até ao momento conheceu 9 livros, quatro deles editados em Portugal. E que, apesar de estar vivo e de boa saúde, merece uma legião de fãs de dimensão igual aos que viraram avidamente as páginas dos três livros Millennium.
Harry Hole tem um feitio e dos maus. É o que se costuma chamar de “canhão à solta” (ou loose cannon no original), com poucos amigos e métodos pouco ortodoxos que normalmente geram uma repreensão por parte dos superiores hierárquicos, que tentam seguir os procedimentos à risca para não perderem o lugar na escala. Hole é uma espécie de Philip Marlowe (o mítico detective criado por Raymond Chandler) moderno, alcoólico por vocação e desespero, fumador compulsivo, um tipo que não pode criar raízes sob pena de magoar aqueles que ama. Harry ficou conhecido por ter apanhado um serial killer na Austrália, e é um dos poucos membros da equipa de investigação que recebeu treinamento do FBI.
“O Redentor” (Dom Quixote, 2013), a mais recente publicação da saga Harry Hole em Portugal – depois de “O Pássaro do Peito Vermelho”, “Vingança a Sangue-Frio” e “A Estrela do Diabo” -, corresponde ao 4º livro da série Oslo. Antes disso há também “The Bat” e “The Cockroaches”, o primeiro editado em inglês em 2012 e o segundo com edição prevista para este ano,cuja acção decorre entre a Austrália e a Tailândia.
Em “O Redentor” estamos em Oslo, numa noite gelada, com as luzes e os cânticos a denunciarem que o Natal está à porta. Numa movimentada praça, enquanto muitos aproveitam para fazer as últimas compras, decorre o concerto de rua do Exército de Salvação, subitamente interrompido por um barulho ensurdecedor. A música cessa e um homem cai no chão, atingido por um tiro à queima-roupa.
Para Harry Hole e a sua equipa, este parece tratar-se de um caso insolúvel: não existe um suspeito, não se encontrou a arma do crime e não se percebem as motivações que terão levado ao assassínio. Mas Harry Hole não é um detective qualquer e, pouco a pouco, um suspeito começa a desenhar-se no papel da sua imaginação.
Em paralelo, acompanhamos de perto a história do assassino, como se lêssemos um diário a ser escrito ao vivo. Depois de perceber que algo correu mal, o assassino decide continuar em Oslo, mesmo estando ferido, de bolsos vazios, sem um sítio para dormir e com apenas seis balas no carregador. Com o cerco a apertar-se, é certo que mais cedo ou mais tarde irá encontrar Harry Hole no seu caminho. Conseguirá até lá cumprir a sua missão?
Como em todos os livros da série, Jo Nesbo leva-nos numa viagem por uma montanha-russa endiabrada, onde não temos noção quer das curvas quer das rectas. Quando pensamos que o puzzle está montado e nos levantamos satisfeitos, eis que cai no chão uma peça que estava escondida por baixo do corpo, o que obriga a montar de novo o desenho. “Let`s twist again”, parece sussurrar-nos Jo Nesbo por entre gargalhadas de bom ilusionista.
Nota: Apesar de funcionarem como histórias autónomas, o ideal será começar a ler a saga Harry Hole passada em Oslo do início, começando com “O Pássaro do Peito Vermelho”. Espera-se agora que a Dom Quixote continue a sua publicação, que terá em “Snowman” – fala-se numa adaptação cinematográfica por Martin Scorsese – o próximo suspeito (e 5º livro).
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