Old Jerusalem @ ZDB (02.04.2016)
A melancolia feliz é um estado de espírito
A noite está chuvosa. O cenário é perfeito para uma de duas coisas; ou para ficar em casa ou para nos encontrarmos com a música de Old Jerusalem. A escolha é óbvia.
Antes temos o prazer de escutar as composições de Manuel Dórdio. Só em palco, apenas com a sua guitarra e os pedais de efeitos. Não há um género, não há um estilo, não há pausas. É que o tempo urge. Mas há técnica e muito talento numa forma de tocar que soa a portuguesa, sem que consiga encontrar as palavras certas para o justificar. Simplesmente sinto-o. Os acordes soam sujos mas afinados e a cabeça está sempre voltada para baixo, concentrada. Apenas a levanta de tempos a tempos, como que para vir à tona apanhar um pouco de ar mas na verdade é exactamente o oposto… é que Dórdio sente-se como um peixe na água. É para continuar a seguir com atenção.
São 23h20 quando Francisco Silva sobe ao palco acompanhado por uma banda de quatro músicos; baterista, teclista, guitarrista e baixista. A viola, essa, fica a seu cargo. Procuro lembrar-me da última vez que vi Old Jerusalem ao vivo. Já foi há muito, muito tempo. Não consigo precisar… Foi no auditório ao ar livre da Culturgest junto ao Campo Pequeno, num dia de Verão. Não sei se para promover o “The Temple Bell” (que data de 2007) ou o “Twice the Humbling Sun” (que data de 2005). Simplesmente não me consigo lembrar com exactidão. Também não interessa para o caso. O importante aqui é a diferença no contexto. Nessa altura, Francisco Silva apresentou-se a solo e o cabelo ainda estava comprido. Agora está (bem!) acompanhado e com o cabelo curto. O tempo passa por nós e deixa sempre marcas. Molda-nos. E a expectativa das dezenas de pessoas que ali estão é exactamente perceber quais foram os efeitos da passagem do tempo nas canções de Old Jerusalem.
O concerto arranca com «Florentine Course» do recém editado “A Rose Is a Rose Is a Rose”. Os acordes soam simples e perfeitos. A presença da banda confere um floreado delicioso às canções de Old Jerusalem. É fácil perceber que não estão a ali para provar nada a ninguém, antes pelo contrário. O objectivo é celebrar, em especial com amigos de ontem e de hoje.
Num tom honestamente atrapalhado, Francisco Silva apresenta «A Rose Is a Rose Is a Rose», a canção que dá título ao álbum, como uma regressão infinita.
A primeira viagem ao passado surge logo de seguida com «O Joy of Seeing You» e «One, I Should Know You», do álbum “Twice the Humbling Sun”. Neste momento passa-me pela cabeça que tinham passado anos desde a última vez que tinha escutado esta canção. Mas a melhor sensação dá-se exactamente quando percebo o quanto ainda gosto dela. Só as boas canções é que conseguem despertar este tipo de sentimentos, deixem-me que vos diga.
Entre canções surge a necessidade de afinar a guitarra e o desabafo de como seria bom ter cinco guitarras à disposição. Fala-se do Verão outunal e de como Francisco Silva tem esta altura como a mais melancólica.
«All the While», é apresentada como uma canção com uma parte sobre uma estação de comboios em Madrid. «One For Dusty Light» tem uma vocalização que invoca o enorme Bill Callahan à memória e enche o Aquário de uma forma fulgurante. «Tribal Joys» é a canção que difere de todas as outras de Old Jerusalem, muito por culpa da forma como é tocada e como é vocalizada, ao ponto de Francisco Silva a considerar como uma canção exigente e difícil de interpretar.
«Gene Genie» é o título de uma canção do David Bowie. É também o título de uma canção de Old Jerusalem que “pode ser vista como relativamente antiga ou relativamente recente” onde fala de genes e do seu pai. «Song for Daphne» é mais uma visita ao passado e continua a despoletar recordações.
Regressa-se a “A Rose Is a Rose Is a Rose” com «A Charm». Nesta canção (que é magnífica mesmo na forma como é ali apresentada, atenção), sinto a falta das cordas que se fazem escutar no álbum. «Air of Probity» é a canção que se segue. Como a anterior é uma canção delicada e bela. Simples e complexa ao mesmo tempo, porque a simplicidade é das coisas mais complexas de se atingir.
Neste momento ficamos apenas nós e Francisco Silva em palco. Escutamos uma versão de «Too Pure» dos Sebadoh, porque quando se começa a tocar é inevitável que se comece pelas canções dos outros e depois se tente emulá-las. «Twice the Humbling Sun» é apresentada como a nota de que “boas coisas acontecem a quem tem boa pele”. É mais uma das canções de Verão de Old Jerusalem. «Arduinna & The Science Boy» é sobre uma noite de São João.
«Stroll» é a investida da noite no campo do rock e para fechar fica a única, a bela, a magnífica e musicalmente pornográfica «Love & Cows». “Still we end up making love because when love & cows are mentioned / That thing we know inside our minds grabs hold of our attention / And our minds and bodies just sensually click / I fall between your boobs and you on my dick”
Neste momento atrevo-me a pensar que é seguro escrever no plural. Vamos sair daqui com o coração cheio e melancolicamente felizes (sim, é um estado de espírito).
Fotografia © José Eduardo Real
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