Optimus Primavera Sound 2013 | Dia #3 (01.06.2013)
Reencontros e outras tendências no último dia do certame
A reportagem do último dia do Optimus Primavera Sound escreve-se na viagem de comboio de volta para casa, com um travo ligeiramente amargo a fim de festa. Nos outros dias, apesar do cansaço e da louca do quarto ao lado (ler reportagem do dia anterior), a expectativa (às vezes, a ânsia) pelos concertos da noite davam força aos dedos, que, neste momento, têm maior dificuldade em encontrar as palavras e, por isso, protelam nesta desconchavada introdução.
O terceiro dia do festival começou com um reencontro com velhos amigos: os Dinosaur Jr., que actuaram ao pôr-do sol (e, talvez efeitos do entardecer, pareceu-me que Murph tinha deixado crescer uma basta cabeleira, mas afinal não era Murph; as barbas de J. Mascis e Lou Barlow, no entanto, são inegáveis). Por atraso do autocarro que me levava ao Parque da Cidade, já cheguei a meio de um solo de guitarra de J. Mascis, solo esse que levou alguém do público a pedir-lhe que ele lhe fizesse um filho. Para além de ser fisicamente impossível (era um moçoilo), não me pareceu que Mascis estivesse para aí virado (se chegou a ouvir e, mais difícil, a perceber, o que lhe foi dito). Aliás, o sósia gorducho de Gandalf parece interessar-se por pouco – aparentemente a guitarra é a única paixão – e o máximo de movimento a que se permite no palco (que não seja ir e vir para afinar a guitarra) é um suave balançar frente ao microfone. Postura contrária à de Lou Barlow, que se fartou de saltar e pular, deleitando-se no número de rocker. Quando as canções pedem berros, tem de ser ele a berrá-los (ou então chama-se Damian Abraham dos Fucked Up), e as cordas do seu baixo são as que mais sofrem. Só não sei como Barlow não se importa de tocar tantas canções da altura em que não estava nos Dinosaur Jr.- «Feel the Pain», «The Wagon», «Out There» – e fico um pouco triste por ele, mas, desta vez, ao menos, não me pus a gritar Sebadoh (embora tenha cada vez mais vontade de os ver).
Depois da excitação que «Freak Scene» e «Sludgefeast» criam sempre na alma de uma pessoa, o concerto de The Sea and the Cake seria obrigatoriamente um quebranto: é um rock muito bem feito, com óptimos jogos entre os instrumentos, que atingem, por vezes, uma leveza assinalável (se pudesse tirar alguma coisa, tirava a voz), só que o rock não é suposto ser “bem feito”, sob o perigo de se tornar entendiante ou um trabalho como outro qualquer (para o músico e para ouvinte). Os Explosions in the Sky – a resposta texana aos escoceses Mogwai – também não entusiasmaram por aí além; depois de se perceber como aquilo funciona – as canções começam pianinho até entrarem num crescendo que culmina numa explosão (no céu?), e vão acima com variações vagamente irregulares (isto soa um bocadinho sexual, o que não era o pretendido) -, acaba por cansar. É bonitinho e tal, mas não posso censurar as gentes que se sentaram no chão, a descansar a perna, a pôr a conversa em dia e a beber mais uma cervejola (não detectei ninguém enlevado pela música). Os Explosions in the Sky bem podem fartar-se de suar em palco, mas a única coisa que se sente cá fora é a cacimba que vai caindo.
Quando Angus Andrew entra em palco, acompanhado por Aaron Hemphill (louro, em versão Martin Gore) e Julian Gross (com quem almocei poucas horas antes; almoçámos em mesas diferentes mas almoçámos juntos; não trocámos palavra mas almoçámos juntos; está bem, almoçámos no mesmo restaurante), sente-se logo um frémito no público conhecedor da obra dos Liars. Nem mesmo a viragem dos tribalismos psicóticos de antanho para uma versão demoníaca do synth pop (que nem é synth goth, será mais do que isso) impede que os corpos se contorçam em estranhas danças ao compasso das batidas doentias e dos chamamentos de líder da seita satânica que Andrew (que terá aprendido bastante quando a banda andou a estudar bruxaria há uns álbuns) expele. Claro que esta viragem é mais um regresso às origens – quando apareceram, os Liars foram conotados com a corrente dance-punk -, só que, como todos os caminhos da banda norte-americana, este é tortuoso. Em disco, os Liars podem não ser tão vitais como eram há uns cinco anos. Ao vivo, são uma doença de que não se quer conhecer a cura.
Antes do concerto dos My Bloody Valentine senti aquele nervoso miudinho que dá nos momentos importantes da vida e o atraso, de uns cinco minutos (o único atraso de todo o festival?), deixou-me ainda mais inquieto. Já vira a banda irlandesa há quatro anos, só que a reverência foi tanta que acho que nem que me consegui descontrair o suficiente para desfrutar do concerto (também não ajudou ter uma horda de fãs de Tool a fazer piretes para o palco). Desta vez, não havia animosidade do público, talvez alguma letargia – não entendo como é que alguém pode ficar parado ao ouvir «Soon», «Feed Me Your Kiss», «You Made Me Realise», etc., etc., etc. -, e o volume estava um pouco mais baixo do que esperado, conseguia-se ouvir as lindíssimas melodias e tudo (as vozes não, o que só pode ser propositado). Portanto, condições perfeitas para me perder nas marés de ruído que saem das guitarras de Kevin Shields e da graciosa Bilinda Butcher e do baixo de Debbie Googe. Esta música não é shoegaze (um género não a pode conter; ela é o seu próprio género) e muito menos aquele shoegazy simpático com que os imitadores se têm de contentar. Os MBV debicaram nos diferentes lançamentos do seu catálogo – com especial incidência em “You Made Me Realise”, o EP no qual descobriram/inventaram o seu som, com a faixa-título (que incorpora o famoso Holocausto, no Porto um pouco mais curto do que o recordava, mas ainda assim uma destruição inesquecível), «Thorn» e a belíssima «Cigarette in Your Bed» -, passando pelos três álbuns de estúdio. E por muito estranho que ainda seja escrever “três álbuns de My Bloody Valentine”, as canções de “mbv” irmanam perfeitamente com as outras. Pode escrever-se que os MBV não evoluíram desde 1990 mas, num universo tão particular como este, é complicado fazer uma afirmação dessas. Evoluir para onde, quando se alcançou o maravilhoso?
Logo após o momento culminante de todo o festival, o concerto de todos os concertos, restavam ainda os ansiados Fucked Up. Só que, pouco depois de chegar ao que pensava ser o início do concerto, ouvi Damian Abraham dizer qualquer coisa como “this is our last song”. Incrédulo, pensei que fosse piada, mas depressa percebi que a organização do Primavera Sound me pregara uma partida, privando-me, pelo que pude perceber na canção e meia a que consegui assistir (a canção foi «Son the Father» do brilhante “The Chemistry of Common Life”), de um dos melhores concertos dos três dias e, depois dos My Bloody Valentine, o que mais queria ver. Imperdoável. A sério. Não se faz.
Fotografia por Graziela Costa
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