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“ORDEM MORAL”

A moral e os bons costumes patriarcais.

Esta não é uma história sobre uma mulher, mas antes de um episódio da vida de uma mulher de posses, porém despretensiosa, numa sociedade machista, patriarcal e de “bons costumes”. Maria Adelaide Coelho da Cunha – herdeira do jornal Diário de Notícias – decide deixar tudo para trás para fugir com o amante, que por acaso, era bem mais novo do que ela. Mas antes de chegarmos a este acontecimento percebemos que o marido dela (vivido aqui por Marcello Urgeghe), e administrador do jornal na altura, também a traía com uma moça mais nova. Não creio que a traição seja bem vista em nenhuma época. No entanto, é mais do que sabido que os homens sempre foram mais descarados e perdoados no que diz respeito ao adultério.

O domínio patriarcal está logo no primeiro plano: vemos a imagem de uma mulher a mexer nos seus cabelos acompanhada pela narração de um homem. Muitas das cenas que compõem o desenrolar dos acontecimentos são, curiosamente, conversas entre homens acerca daquilo que irão decidir sobre a vida de Maria Adelaide. Talvez seja por isso que no cartaz aparece uma mulher vestida de homem, como uma espécie de mensagem subliminar. Ao acompanhar o filme vemos que a imagem do cartaz pode até ter duplo sentido: uma mulher disfarçada de homem para se encaixar mais facilmente na sociedade e a representar o criado da peça que interpreta no hospício, remetendo para o seu romance com o motorista Manuel Claro (interpretado por João Pedro Mamede).

É o rosto de Maria de Medeiros a interpretar Maria Adelaide que prevalece ao longo do filme, como uma espécie de homenagem a esta personagem que acaba por ultrapassar a maledicência e as convenções da época. Por momentos sentimos uma onda de feminismo quando ela encena peças de teatro apenas com mulheres, contrariando a época em que o teatro só se fazia com homens. Por outro lado, temos um certo lirismo e pureza acerca da figura feminina em planos que se assemelham a pinturas renascentistas que em nada expressam uma perspetiva feminista. Nos dias de hoje não há como fugir a estas questões, principalmente quando temos uma protagonista de relevância na história do jornalismo português que só venceu a sua causa devido a um “milagre da justiça” conseguido por um advogado encarregado.

Partindo para questões mais técnicas, observa-se uma edição pouco ambiciosa com planos acessórios, que não acrescentando nada ao decorrer da ação, diálogos vagos e marcações pouco espontâneas que se revelam, por exemplo, na falta de química entre Maria Adelaide e Manuel Claro (que sempre foi fiel de acordo com as notas finais, mas que apresenta suspeitas de ter um caso homossexual).  Por outro lado, o décor, os figurinos e a surpreendente caracterização – que por si só nos indica o passar dos anos – estão dignos de premiação.

Sendo que a história representada em Ordem Moral é uma adaptação de factos verídicos, porque não trazê-los para a luz do feminismo ou como uma mensagem de escapatória à opressão masculina pela qual as mulheres passavam e que ainda hoje passam? Porque não fazer da história de Maria Adelaide, não somente uma história de época, mas algo que ainda é real nos dias de hoje? Porque é. Quantos não foram os homens que subiram na vida por causa dos bens das mulheres com quem se casavam e quantos não são os homens de hoje que conseguem ser bem sucedidos porque foram rodeados de mulheres dedicadas e competentes? Creio que o facto de este ser um filme realizado, produzido e escrito por homens ou seja, influenciado pelo male gaze, possa responder a estas questões. Não quero com isto dizer que homens só tenham de fazer histórias sobre homens ou que mulheres só possam fazer histórias sobre mulheres, mas acredito que seja necessário procurar meios para que haja um maior entendimento sobre o foco principal da história. Neste caso, seria apropriado uma maior participação feminina no aspeto criativo. Não descurando das preocupações feministas dos criadores, até porque vemos momentos de sororidade em Ordem Moral, este é um filme inerente a questões de género, de uma disputa de sexos por poder, atenção e liberdade – quer seja esta física ou moral.

 

 

Com estreia prevista para 10 de setembro.

 

FICHA TÉCNICA

Interpretado por

Maria de Medeiros
Marcello Urgeghe
João Pedro Mamede
João Arrais
Albano Jerónimo
Júlia Palha
Ana Padrão
Vera Moura
Dinarte Branco
Ana Bustorff
Rita Martins
Miguel Borges
Sónia Balacó
Jorge Mota


Com a participação especial de 
Isabel Ruth
Rui Morisson
Teresa Madruga

 

Argumento e diálogos Carlos Saboga

Realização e fotografia Mário Barroso

Música original Mário Laginha

Decoração Paula Szabo

Guarda-roupa Lucha d’Orey

Som Ricardo Leal, Pedro Góis

Montagem e Assistente de Realização Paulo Mil Homens

Produção executiva Ana Pinhão Moura

Produzido por Paulo Branco

Uma produção Leopardo Filmes

Produção associada APM Produções

 

Com o apoio financeiro

Instituto do Cinema e do Audiovisual

Ministério da Cultura

Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema

Rádio e Televisão de Portugal

Câmara Municipal de Lisboa

Lisboa Film Commission

Cofina Media S.A.

 

Distribuição: Leopardo Filmes        

Vendas internacionais e festivais: Alfama Films    

 

 



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