“Os Emigrantes” | W. G. Sebald
Escrever debaixo de uma sombra imensa
Há muito que os livros de W. G. Sebald ganharam o rótulo de obras-primas. Ilusória e incatalogável, a prosa de Sebald navega entre a meditação e a elegia, a fotobiografia e o livro de memórias, a prosa e a poesia, a história e a invenção. Segundo ele, a sua escrita é “uma metáfora ou alegoria de um evento histórico colectivo.”
Nascido na Alemanha em plena Segunda Guerra Mundial, a sua vida e obra cresceram à sombra de um eterno conflito que, mesmo após o cessar do último tiro, continuou a travar uma luta imensa na sua alma. Nos seus livros, para além da evocação de escritores como Kafka, Benjamin ou Conrad, há a presença constante e ameaçadora da sombra da História: o imperialismo europeu, a destruição ambiental e o Holocausto moram em todas as obras. Sebald será uma espécie de arqueólogo da desgraça, um coveiro da melancolia, mas o seu grande triunfo é o de conseguir dotar de esperança um cenário que parece estar apenas reservado à dor e à morte.
“Os Emigrantes”, livro recentemente editado pela Quetzal, é um exemplo da escrita mágica de Sebald, onde as fronteiras entre a realidade e a invenção são muito difíceis de deslindar. A narrativa começa com a chegada de Sebald e da sua mulher a Hingham, uma vila inglesa, onde pretendem alugar um apartamento. Aí encontram, deitado na relva, o Dr. Henry Selwin, o senhorio, que havia nascido com uma outra identidade: Hersh Seweryn, cuja vida foi uma espiral descendente de esperança perdida e promessas desfeitas.
Há depois mais três histórias, todas elas preenchidas por judeus errantes, emigrantes alemães e familiares do escritor, que trabalharam para famílias de judeus em Nova Iorque. A mais fascinante das histórias será a de Ambros Adelwarth, supostamente tio do próprio Sebald, que durante a sua vida foi o mordomo, o companheiro de viagens e o amante de Cosmo Solomon, um jogador inveterado e excêntrico, filho de uma poderosa família de banqueiros. Se quiserem, terá sido a sua sombra, numa história que oferece uma sedutora mistura entre uma angústia profunda e uma tocante pureza.
Há também suicídios, tratamentos de choque, melancolia traumatizada e alguns pormenores que remetem para o universo dos Grim, como a estranha criada que trabalha na cozinha do Dr. Selwin e que, aparentemente, não cozinha um único prato. Apesar da comida aparecer posta na mesa.
Estas quatro histórias são o lugar onde mora a insanidade, que exploram a devastação psicológica provocada pela Guerra – bem como a espécie de amnésia que se lhe terá esquecido. Em “Os Emigrantes”, Sebald terá conseguido, ao mesmo tempo, recordar e esquecer, mostrando contudo que é impossível eliminar qualquer uma das qualidades – ou tragédias – da memória. Parece querer mostrar-nos que, mesmo que decidamos fugir de País em País, (re)encontraremos sempre o cenário de devastação em cada um deles, sendo impossível a fuga ao cenário de crime e às memórias da história. E, o que Sebald menos quis, foi esquecer a loucura do Holocausto. Brilhante, como o são todos os livros de Sebald.
A Quetzal vai continuar a publicar títulos do autor, estando prevista a edição para os próximos tempos de “Os Anéis de Saturno”, “História Natural da Destruição”, “O Caminho Solitário” e “Campo Santo”.
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