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Osso Vaidoso

O projecto de Alexandre Soares e Ana Deus.

Alexandre Soares e Ana Deus dispensam, presumo, apresentações prévias. Ainda assim, estabelecendo uma primeira ponte até ao mais recente projecto dos dois músicos (Osso Vaidoso): se não há aqui o espírito tão renovador como de ruptura com alguma da ordem estabelecida na Indústria Musical (de diferentes modos, em consonância com o timing ou época em que vão acontecendo, é certo) – que ora os acolheu ora os renunciou no âmago da sua indubitável peculiaridade artística – desde os tempos longínquos em que se iniciaram há, pelo menos, numa primeira análise, a mesma vontade e singularidade encontrada no início lendário tanto do Grupo Novo Rock (GNR), que teve Alexandre Soares e Vítor Rua, entre alguns mais noutros registos/grupos, como detentores de um modo de estar no rock e pop que os individualizaria no boom ateado nos 80s, como em Três Tristes Tigres, que marcou o momento alto da reunião artística de Alexandre Soares com Ana Deus (que já se fazia igualmente notar, à altura, na expressividade feminina do grupo nortenho Ban).

Singularidade e índole reinventivas/inovadoras no modo como se têm mantido nesta Indústria à parte, Osso Vaidoso concentram dois nomes ímpares – Ana Deus e Alexandre Soares – que atentam ao recurso destacado da palavra, arranjos, ora minimais e experimentalistas – «Cola Cola Song» – ora implacáveis e cheios de uma clarividência – «Matematicamente» – que assim se apreende quando se sente amiúde na expressividade vocal e nudez ou transparência descomplexada dos textos/letras («Elogio da Pobreza»).

Depois de ouvir, sentir e reouvir este(s) Osso Vaidoso, estive numa conversa informal com Ana Deus e Alexandre Soares e os mesmos contaram como tudo aconteceu. Os desejos, o modo como encaram a Indústria, etc.

É Alexandre quem começa por explicar como surgiu aquele que é o seu mais recente projecto com Ana Deus: “É o recomeço do trabalho com a Ana Deus depois do fim dos Três Tristes Tigres” afirma. “Tive um convite do Luís Varatojo (Naifa, Megafone, etc) para um espectáculo em Lisboa no ano passado, Meia-noite e uma Guitarra, em que eu convidaria uma cantora. Eu e a Ana já estávamos a compor em conjunto nessa altura, e também com colaborações, João P. Coimbra (Mesa), Tó Trips (Dead Combo) deram-nos uma boa ajuda nesse momento e o nome de ”Osso Vaidoso” ao projecto (pausa) e fizemos aí a nossa primeiríssima  apresentação em duo… E depois passámos a apresentarmo-nos com este nome”, conclui o músico.

A autenticidade que sinto, referindo aqui, antes mesmo desta conversa, no caminho percorrido pelos dois, se dúvidas existissem, numa qualquer má apreensão deste lado, o próprio Alexandre dissipar-mas-ia no imediato à vontade e foco em que acaba por decorrer todo o diálogo. “Continuamos os mesmos no que nos move”, diz. “Fazemos o que sentimos ser a nossa música agora, como dantes. Neste momento procuramos no som e no texto, espaço para desenvolver novas ideias e forma. Continuamos curiosos para experimentar e procurar um universo sónico que nos ligue, e também nas palavras que são centrais no nosso processo”, conclui.

O músico terá naturalmente outros músicos, compositores e até produtores que o inspiram, mas prefere não os destacar, não só porque “são muitos e grande parte nem são músicos” e por outro lado porque “deixo-me me levar pelas pessoas que sinto únicas”.

O cenário agora não será certamente o mesmo que os acompanhou e recebeu, mal ou bem, em décadas antecedentes.

“A indústria como a conhecemos no passado, felizmente acabou”, encara Alexandre. “Embora com algumas pessoas de valor no seu seio, essa indústria se tenha servido principalmente a si própria. Espero que o modelo de rádio e dos media que os serviu também vá a seguir. Há novas formas de divulgação e partilha que estão a mudar tudo, e ainda bem. Estamos todos agora mais próximos das pessoas que fazem e ouvem música. Muito mais livres, para conhecer ou mostrar ideias. O mais importante é o que vamos fazer todos neste novo espaço de liberdade”, reforça.

Ana Deus junta-se na tertúlia para elucidar um pouco melhor as primeiras faixas apresentadas pelos Osso Vaidoso: “Cola-cola Song, e não Coca-cola Song, como curiosamente lhe têm chamado, é um poema já ‘idoso’ de Alberto Pimenta, em que as palavras se ‘colam’ umas às outras, não tendo a voz mais que fazer do que seguir a estrutura do poema. Um loop de guitarra dá-lhe a cadência enquanto outra guitarra a conduz melodicamente.

Matematicamente começou por ser um texto saído de uma Leitura Furiosa (encontros e conversas entre escritores e ‘zangados’ com a leitura), dessa vez entre Regina Guimarães e alguns internos da Tutoria do Porto (prisão de menores). A canção move-se entre a arrogância do roubo e a indignação de, feitas as contas, muito mais lhes ter sido roubado.

Em Elogio da pobreza pedi à Regina que me fizesse uma versão, do «Aint got no/I got life» de Nina Simone mas, à minha medida. Entretanto o Alexandre sem ouvir a origem fez tudo de novo, deixei-me levar, e na voz também já pouco resta da canção original.

«A Poligamia» foi pedida ao Valter Hugo Mãe para a D. Chica, projecto mais electrónico entretanto em repouso. Vários desejos se manifestam, através de uma canção de mãe. A vitória sobre todos os preconceitos e limitações. São assim as mães, e o Mãe também”, esclarece Ana.

Será a mensagem importante ou complementar à Harmonia? Foi uma curiosidade que se impôs, prontamente atendida e entendida, por Ana Deus, do seguinte modo: “Para mim, a letra é o começo. Procuro o ritmo e a expressão que me pareça mais certo para transmitir esse texto, torná-lo claro. A melodia vem a seguir, dá-lhe asas”.

Não poderia terminar a conversa com os Osso Vaidoso, quase praxe nos diálogos que tenho travado com alguns músicos para a RDB, sem os incitar a um recado para os leitores desta secção. É Ana quem o deixa: “O mais interessante, seja em que arte for, é procurar o seu caminho e não ficar confortável quando se chega ao lugar comum. Cada um de nós tem um “estranho” em si, inigualável. É bom percebê-lo e dar-lhe forma. Creio ser, também esse o nosso desejo; conseguir fazer tudo melhor, errar melhor. Isso e muitos concertos pelo caminho, para alimentar o ânimo e a barriga”.



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