Ovarvideo 2010
“Os olhos do farol” venceu a 15ª edição do Ovarvideo, festival que por acontecer no fim do ano e por ter em competição apenas produção nacional, tem sempre um cheirinho a balanço. E que balanço é que se pode fazer da recente edição do festival vareiro?
A produção de curtas-metragens nacional está viva e variada. É esta a conclusão à qual se pode chegar depois do fim do Ovarvideo, festival co-organizado pela câmara municipal da localidade e a Casa da Animação, que integra apenas produção nacional nas sessões competitivas e ocorreu entre os dias 24 e 27 de Novembro.
O Centro de Arte de Ovar vestiu um elegante fato de luz (magnífica instalação e projecção interactiva na fachada do edifício, da autoria do Atelier “O Cubo”) para apresentar ao pouco público presente mais de cinquenta filmes, dos quais os trinta a concurso deram uma imagem de pluralidade formal e de gosto.
Da ficção científica ao documentário, passando pela animação e vídeo-arte, foram exibidas obras financiadas, amadoras, de novos criadores e de consagrados, de estudantes universitários, filmados por cá ou lá fora, filmalhões e filmes que nos fizeram sentir felizes por não se pagar bilhete. Tudo isto é habitual num festival de cinema, e é de festejar que tudo isto exista apenas com curtas-metragens portuguesas, ao invés de nos queixarmos que os filmes portugueses são todos iguais.
No fim, o maior sorriso coube a Pedro Serrazina, realizador de “Os Olhos do Farol”, animação que integra imagem real. Pode-se enquadrar esta bela obra na gaveta de filme simpático de animação que agrada a vários públicos. Uma história sobre a paternidade, a infância, e sobre crescermos com os nossos. Além do argumento fluido é bem conseguido a nível estético e com certeza o grande prémio conquistado não irritará nenhum dos espectadores que passou por Ovar no gélido fim-de-semana, independentemente dos seus favoritos.
De qualquer modo, a melhor parte de ir a um festival de cinema é discordar dos prémios. Principalmente por dois motivos: exercício do espírito crítico e lembrar a relatividade de interpretação de uma obra (é sempre bom saber que há tanto quem premeie aquele filme que está tão bem feito como quem entrega os louros ao filme imperfeito que tanto nos toca).
E se a escolha dos filmes premiados não cria grande celeuma, podemos aproveitar o modo como estes foram distribuídos para reflectir um pouco. A “Pickpocket” foi entregue o prémio documentário depois de ter ganho o prémio de melhor ficção no Festival do Faial. A palavra-mágica é documentário ficcionado, formato andrógino interessante e em voga.
Outro filme a concurso que também-podia -ser um-documentário-mas-não-é: “O Estrangeiro”, de Ivo Ferreira. Rodado em Macau, de ritmo pausado, faz uso da voz off sem que esta se torne uma maçada. Os seus planos fazem lembrar algum cinema oriental (talvez sugestão do espaço) mas na memória fica um realizador atento, a delongar-se nos motivos exóticos, que apenas o são para um estrangeiro, deslumbrado.
No filme de Ferreira, curiosamente, temos a sensação que há um guião a ser seguido, ao contrário de “Na Escola”, de Jorge Cramez, que acabou por ganhar o prémio ficção. Neste filme sobre a infância, que nos quer lembrar que a educação não é só aquela que há na escola, o olhar do cineasta incide sobre um grupo de crianças que sai da sala-de-aula para o mundo. E que belo olhar este. Cramez resolve abrir o livro da realização, leva as personagens à paisagem e filma-as com um fôlego e sensibilidade que não ficariam nada mal a Terrence Malick.
Quem também filma como gente grande é João Viana, realizador de “Alfama”, curta-metragem a preto e branco – que de expressionista que é, seria mais correcto chamar-lhe preto no branco. O filme foi galardoado com o prémio para a categoria experimental. Talvez o prémio “sensorial” fosse mais acertado, mas eu também já estou farto de importunar as pessoas com as minhas recorrentes dúvidas em relação às categorias dos prémios.
Com o grande prémio atribuído, o de melhor animação foi para “Viagem a Cabo Verde”, de José Miguel Ribeiro (“A suspeita”) que desta vez deixa a animação de volumes para animar os desenhos que trouxe de uma viagem ao país africano. A animação está ao nível a que o cineasta sempre nos habituou, ou seja, lá em cima. Um admirável film memoir.
Para fechar, o prémio mais ambicionado pelos cineastas (pelo menos gostamos sempre de pensar que sim), o prémio do público, foi entregue a “Vicky & Sam”, realizado por Nuno Rocha e rodado em Austin, aquando da frequência do seu autor na Universidade do Texas.
Vicky e Sam formam um casal que se conhece num clube de vídeo e se apaixona arrebatadamente, mas há algo sobre a sua relação que até os próprios desconhecem. Esta maravilha de filme é um doce em cada uma das suas facetas. É um doce de argumento, um doce de fotografia, e um doce de tudo o mais, sem deixar de lembrar o elenco do mais doce que há. E é sobretudo um daqueles filmes que precisamos de ver de vez em quando para nos lembrarmos porque gostamos tanto de cinema e porque nos apaixonamos por ele, sendo o próprio uma celebração do cinema, daqueles que o fizeram, de quem o faz, e de quem dele é feito.
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