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“Palácio do Fim”

A prisão das torturas era um castelo de conto de fadas, muito antigo, onde o Rei tinha vivido. Os jardins eram cuidados por um mestre jardineiro, um verdadeiro génio da Natureza. Por isso o castelo chamava-se O Palácio das Flores. Até à Idade das Trevas. Quando se tornou o Palácio do Fim

Há histórias que nos dão um murro no estômago. Que nos fazem pensar na sorte que temos por não fazerem parte da nossa realidade. Que nos fazem amar e odiar ao mesmo tempo o ser humano. As três histórias que nos são apresentadas em “Palácio do Fim” são assim. Mostram-nos coisas que não queremos saber, que é mais confortável ignorar, e tentamos não ouvir… mas é impossível. Num crescendo, cada história vai desvendando tristezas e horrores, e as palavras que nos queimam não permitem ficarmos indiferentes.

Lynndie England, a reservista do exército norte-americano que foi a tribunal marcial pelas ofensas e abusos cometidos a prisioneiros na prisão de Abu Ghraib. Dr. David Kelly, o falecido especialista britânico em armas biológicas que levantou dúvidas quanto à existência de armas de destruição maciça no Iraque. Saffarh, mulher do líder do partido comunista iraquiano, vítima da Polícia Secreta de Saddam, os Instrumentos da Saudade. São estas as personagens que nos acompanham durante duas horas, que nos contam a sua história, que nos mostram como o ser humano é capaz das acções mais bonitas, tal como das mais horrendas.

A autora da peça e dark lady do Teatro Canadiano, Judith Thompson, descobriu a história de Lynndie England e ficou fascinada por aquela mulher, uma figura que consegue despertar os mais variados sentimentos por parte da plateia. “Gostavam que o vosso segundo mais infeliz fosse visto pelo mundo inteiro vezes e vezes sem conta?” questiona England, e é impossível não se sentir um arrepio perante essa hipótese. Seguiram-se as outras histórias, para que pudesse ser pintada toda a guerra do Iraque em palco. “Eu sou contra a ocupação” declara Thompson, “mas também não podemos fingir que tudo no Iraque estava bem. Saddam era verdadeiramente um monstro”.

Para Pedro Carraca, as questões que a peça lhe propôs foram o que realmente lhe interessou: “O que é que torna as pessoas violentas, e o que é que acontece às pessoas que sofrem essa violência?” O encenador põe na mesa aquilo que o preocupa, o sistema de valores que se torna cada vez mais confuso. “Há uma divisão mais esbatida entre o Mal e o Bem. Lynndie England não sabe que está a fazer mal.” Há uma inquietação no seu ser, mas não há arrependimento quanto a algo que, para a soldado, se baseia em cumprir ordens.

Também David Kelly sente essa inquietação. Saber os horrores da guerra, mas não os revelar por receio de perder a vida confortável que leva. E se esse dilema fosse nosso? O que fazer? Saffarh também o sentiu, e lutou, lutou pelo que acreditava, e pelas vidas que podia salvar. Mas, pelo caminho, ficaram as vidas dos que ela mais amava. O que faria qualquer um de nós?

No início do texto referiu-se que esta é uma peça que nos dá um murro no estômago. Que preferimos não conhecer as histórias que ela nos conta, por ser tão doloroso descobri-las. Porquê ver a peça então? Porque estas histórias merecem ser contadas. E esta peça merece ser vista.

“Palácio do Fim” de Judith Thompson Com Ana Lázaro, Maria José Pascoal e António Filipe Encenação Pedro Carraca

Teatro da Politécnica
De 9 de Janeiro a 23 de Fevereiro
3ª & 4ª feira às 19h – Sábado às 16h e 21h

Fotografia e Vídeo de Luis Ferreira.



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