Panorama Orbital 1998-2013
o desenho de Daniel Silvestre da Silva no sput&nik the Window, Porto, até 28 de dezembro.
sput&nik the Window é desde 2009 um espaço independente dedicado às artes visuais no centro do Porto gerido pela artista Ana Efe e o designer Luís Xavier. É duplamente um espaço familiar, porque é um casal que o gere e porque existe fisicamente no piso térreo da sua unidade de habitação [1]. O Porto teve uma atividade ímpar de espaços geridos por artistas na primeira década do século XXI [2]. sput&nik the Window é um desses espaços que se tem caracterizado por oferecer à cidade uma diversidade de exposições sem fins comerciais de artistas emergentes e de artistas com um percurso mais afirmado. Artistas como André Alves, Esgar Acelerado, Hélia Aluai, Lapin, Manuel Santos Maia, Paula Naughton, Oswaldo Ruiz, Pascal Ferreira, Rui Sousa, entre muitos outros.
sput&nik the Window apresenta uma programação mensal regular, que tem proporcionado momentos de encontro singulares entre artistas, nacionais e internacionais, e a comunidade artística do Porto. De 30 de novembro a 28 de dezembro de 2013 é a vez Daniel Silvestre da Silva apresentar o seu trabalho gráfico e encerrar 4 anos de atividade deste espaço na Praça Marquês do Pombal. A partir de janeiro de 2014 as instalações de sput&nik the Window passam a estar no rés do chão do Nº 1340 da Rua do Bonjardim, Porto.
Andamento prelúdico IV, 2009, caneta sobre papel, 480mm x 250mm © Daniel Silvestre da Silva
Daniel Silvestre da Silva é natural de Torres Vedras. Licenciado em Artes Plásticas, pela Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha em 2004. Completa em 2009 o mestrado em desenho na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, instituição onde actualmente frequenta o programa de doutoramento em Arte e Design. Para além de ilustrador editorial, actividade que exerce desde 2006, (tendo ilustrado, entre outros, textos de Alice Vieira, Ana Saldanha, David Soares, João Pedro Mésseder, José Luís Peixoto, Sophia de Mello Breyner Andresen e Wang Suoying), é docente de desenho e ilustração na ESAP de Guimarães e na Universidade do Minho.
Panorama Orbital:1998-2013 é uma exposição que tem um ambiente de retrospetiva e que ao mesmo tempo se relaciona com o espaço em que está exposto. Num curto texto de sala o artista refere:
«Cresci numa casa próxima de uma saibreira onde havia um satélite russo caído. Era um gigante de ferrugem enterrado no chão acomodado pelos juncos. Eu ia para ali matar o tempo mandando pedras àquilo na esperança que alguma coisa acontecesse, mas nem o som tubular das pedras me entusiasmava mais, nem nunca mais os russos o vinham buscar. Foram tempos de longa espera, para ver no que o tédio dá.
Entretanto desenhava, a ver se me distraía. Nos meus desenhos os russos apareciam em máquinas com faróis potentes: desenhava as máquinas, os uniformes, os especialistas e os mapas que os ajudariam a sair do meu bairro.
Com os anos, comecei a desenhar outras coisas. Os temas foram-se transformando e os métodos foram-se expandindo.
O atual convite para expor no sput&nik the Window não poderia ser mais sugestivo para decidir mostrar um pouco do tudo que tenho feito desde então. A exposição mostra alguns grupos de desenhos que orbitam em torno de diversos focos, embora as divagações sobre os russos tenham ficado de fora, todos se reportam em maior ou menor grau ao mesmo lugar de origem. No fim de contas, a saibreira foi coberta para dar lugar a uma via rápida e o satélite lá ficou, coberto por toneladas de terra, mas ainda a pulsar»
Espaços geridos por artistas tornaram-se comuns a partir da década de 1970 na Europa e nos EUA e afirmaram-se como estimulantes alternativas à exposição temporária em museus e galerias. O afastamento das práticas artísticas contemporâneas das instituições de arte deveu-se em parte aos artistas que sentiam ter pouco controlo sobre o seu trabalho, os seus conteúdos e as formas da sua receção; E foi ainda encorajado por uma reflexão académica produzida a partir de 1980, em torno de questões levantadas pelas teorias do feminismo, a teoria pós-colonial e estudos da cultura material [3].
vistas da exposição Panorama Orbital 1998-2013 no sput&nik the Window © sput&nik the Window
A criação de alternativas às estruturas de arte tradicionais obrigou a uma séria reflexão em torno da institucionalização e mediação da produção artística e estimulou fortemente a produção de arte contemporânea para domínios para além da pintura, escultura, fotografia e multimédia. A apropriação que a Pop art fez da banda desenhada e ilustração, até então discursos comuns na cultura popular, e ainda, a crescente valorização do desenho como objeto artístico em si mesmo em detrimento da sua conotação projetual, tem levado a uma crescente hibridização destes discursos visuais. Hoje assiste-se a uma geração de autores a aprofundar estas estratégias e a um maior reconhecimento das instituições de arte por estas práticas. Estas tendências exploram não só conteúdos e temas originais em arte como introduzem novas variáveis ao entendimento da obra de arte.
Vários autores têm vindo a apresentar, ainda que esporadicamente, o seu trabalho no contexto das artes. Por exemplo, a obra do ilustrador e cartonista Saul Steinberg (1914-1999), foi apresentada no Whitney Museum of American Art em Nova Iorque em 1978, com uma exposição intitulada Saul Steinberg Retrospective; O trabalho de desenho de Raymond Pettibon (1957) pôde ser visto numa exposição que passou entre 1998 e 1999 pelo Philadelphia Museum of Art, The Drawing Center, em Nova Iorque, o Museum of Contemporary Art, Los Angeles, entre outros. Pudemos ver a obra de banda desenhada e alguma ilustração do pintor Eduardo Batarda, realizada nas décadas de 1960 e 1970, integrada na exposição Outra vez não. Eduardo Batarda no Museu de Serralves, no Porto, entre novembro de 2011 e março de 2012.
Expor não é uma ação simples e descomprometida, não se apresentam apenas imagens e objetos mas sim toda uma hierarquia de relações e estruturas narrativas de valores que completam o significado do que estamos a mostrar, replicar, observar e percecionar [4]. Daniel Silvestre da Silva explica como o desenho aparece exposto em Panorama Orbital:1998-2013:
«O desenho sempre esteve presente na minha formação. Entendo-o de forma polivalente: referindo apenas dois aspetos possíveis, ora por vezes divago nas possibilidades do métier – como, por exemplo, quando desenho paisagens a partir da memória – e nesse caso a prática do desenho se debruça sobre a sua própria materialidade; ora o entendo como mediador para qualquer coisa exterior a si, como é o caso dos desenhos “construção de um abacateiro dodecaedro” ou “performance do saco”, que funcionam como instruções para uma ação que não tem necessariamente de realizar».
Nesta exposição Daniel Silvestre da Silva organizou uma parte significativa do seu trabalho gráfico em vários núcleos de desenhos: um dos núcleos reúne trabalhos realizados entre 2009 e 2013 que pertencem a vários contextos e que aparecem aqui para contribuir para a diversidade expositiva; outro núcleo é constituído pela série de 8 desenhos intitulada Performance do saco, realizada em 2008; Nesta retrospetiva estão ainda incluídos um conjunto diversificado de postais a p/b realizados entre 1998 e 2001; os desenhos Converse yourself into a Cinderela e Dirty shoes don’t go to Heaven realizados igualmente em 2001; e uma pintura a óleo sobre tela realizada em 1999 onde podemos ficar a conhecer ainda melhor os antecedentes de Silvestre da Silva; Incluída nesta exposição está ainda uma série de três desenhos, fonte no vale, peixe na fonte, sangue no buxo, que representam a partir de diferentes pontos de vista o mesmo espaço ficcional.
fonte no vale, peixe na fonte, sangue no buxo#01, 2013, caneta sobre papel, 190mm x 200mm © Daniel Silvestre da Silva
Daniel Silvestre da Silva tem ainda em mãos, e num futuro próximo, trabalhos que exploram a noção do desenho narrativo (literatura infantil e novela gráfica), o projeto de doutoramento que envolve a elaboração de um filme que incide sobre a simulação dos desenhos de outros como estratégia criativa e ainda uma série de workshops de desenho e ilustração a decorrer nas cidades de Braga e Guimarães em 2014.
O artigo segue o novo acordo ortográfico.
[1] Um outro exemplo recente de artistas que reservam uma área da sua casa para exposições sem fins comerciais é o caso de Matthew Day Jackson e Laura Seymour que abriram Bunker259 no rés do chão da sua habitação em Greenpoint, Brooklyn, Nova Iorque em setembro de 2013. [2] Pode-se ficar a conhecer o contexto cultural do Porto de onde emergiu uma série de espaços geridos por artistas, através de entrevistas aos seus vários dinamizadores, realizadas por José Maia, José Peneda e Samuel Silva no âmbito do projeto Criadores – Projetos curatoriais entre capitais europeias da cultura (Porto 2001 – Guimarães 2012) integrado no Curators’ Lab/ Laboratório de Curadoria do Programa Arte e Arquitetura, Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura. [3] Sobre estes tópicos ver Género, Identidade e Desejo. Antologia critica do feminismo contemporâneo, org. Ana Gabriela Macedo, Lisboa: Cotovia, 2002; Edward Said [1978], Orientalismo. Representações ocidentais do Oriente, Lisboa: Cotovia, 2004; Arjun Appadurai [1994], Dimensões culturais da globalização, Lisboa: Teorema, 2004. [4] Sobre este assunto ver também Tony Bennett, “The exhibitionary complex” in New formations, Number 4, Spring 1988; What makes a great exhibition? Philadelphia: University of the Arts, 2007; e A Manual for the 21st century art institution, Londres: Koenig Books and Whitechapel Gallery, 2009.
Sofia Ponte é natural de Lisboa mas vive atualmente no Porto. Doutoranda na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde leciona, e investigadora do Instituto de História de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
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