Paredes de Coura 2006
O mágico e doce regresso da música!
Volta-se a Paredes de Coura na certeza que os braços verdejantes que envolvem o recinto do festival se mantêm inalteráveis; que a música vai fazer os corpos vibrar, encher-nos a alma e fazer-nos viajar para outras paragens; que os courenses estão prontos para receber quem vem de longe, partilhar o bom vinho verde e participar em quatro fantásticos dias de festa; que regressa o jazz na relva e os banhos no rio, que há surpresas como o cinema, o ioga e as leituras diárias; e por vezes até regressa a chuva para lembrar que quem vem a Paredes de Coura quer usufruir, em todo o seu esplendor, da magia que a música e a natureza têm para oferecer!
Para situar quem não está situado, estamos a falar da edição de 2006 do Festival Paredes de Coura que decorreu, nesta bela vila do Alto Minho, entre os dias 14 e 17 de Agosto. As margens do Rio Taboão, que beijam os pés a Paredes de Coura, foram espectadoras privilegiadas de mais uma edição do melhor festival de rock alternativo que se realiza em Portugal. Olhando para o cartaz do festival não é difícil entender o que fez arrastar público de norte a sul de Portugal, da vizinha Espanha e mesmo de Inglaterra: Morrissey, Fischerspooner, Broken Social Scene, White Rose Movement, Bloc Party, Yeah Yeah Yeahs, Gang Of Four, Eagles of Death Metal, We Are Scientists, Members of The Public, Bauhaus, The Cramps, !!! (chk chk chk)… apenas para não referir todo o programa.
Paredes de Coura não é um festival de música?
Não! O Festival Paredes de Coura não começa às 18 horas quando as portas se abrem para dar acesso ao recinto onde se realizam os concertos. Bem mais cedo começam as viagens entre as tendas e o centro de Paredes de Coura, fazem-se compras no supermercado para poupar uns trocos, bebe-se café para acordar, come-se uma sopa para acalmar o estômago dorido pela intensa noite anterior e pensa-se em regressar ao Palco Ruby onde o Jazz e as leituras na relva têm o papel principal.
Antes da chuva aparecer e transformar Paredes de Coura no encontro nacional de fatos impermeáveis e sacos de plástico, foi na relva que se passaram os melhores momentos da tarde. Ali estiveram Isaque Ferreira e A. Pedro Ribeiro com “A tarde é um objecto cardíaco” para partilharem sonetos líricos e leituras pornográficas de sua autoria, mas também textos de Mário Cesariny, Bob Geldof, António Boto, Heiner Muller, João Habitualmente, entre outros. Foi também na relva que se fez o contive, a quem tivesse “lata” suficiente, para subir ao palco e participar em sessões de jazz improvisado.
E é assim que nascem e se constroem imagens que pertencem sobretudo a quem esteve em Paredes de Coura, que ficam guardadas na memória colectiva e que nos levam a acreditar que o festival também nos pertence. Assim fica cravada na nossa memória a participação genuína, visceral e vinolenta de um andarilho que não tendo medo do palco improvisou jazz sempre de costas para o público; fica na memória um simpático grupo de “orelhudos” que remavam Taboão abaixo, Taboão acima, num pequeno barco de borracha; um balão em forma de vaca que se vestiu a preceito para a intempérie que se abateu sobre Paredes de Coura, não dispensando o casaco e calça impermeáveis com as cores nacionais; um divertido grupo de foliões sempre acompanhado de um megafone de onde saíam conhecidas músicas disformes como a banda sonora da série “Os Soldados da Fortuna”…
Mas sim, também houve música em Paredes de Coura…
Muita e muito boa música!
DIA 0
O primeiro dia de festival, a chamada “Festa de Recepção” a 14 de Agosto, poderia ter servido apenas para assentar arraiais. No entanto foi um dia de casa já bem cheia de gente que recebeu Bandex e Corsage com alguma timidez, mas que se rendeu a Warren Suicide. Com o ritmo já bastante acelerado, foi Miguel Quintão que beneficiou de um público com muita vontade de dançar e aquecer baterias para o dia seguinte.
DIA 1
Sem tempo a perder, Paredes de Coura lança os seus primeiros trunfos! Ainda as portas não se tinham aberto para o segundo dia de festival e já a fila ia longa. Tudo graças aos muitos fãs de Morrissey que queriam garantir o seu lugar junto às grades. A abertura do dia ficou a cargo dos White Rose Movement que, apesar de não terem ainda conseguindo que o público ficasse rendido, garantem aplausos com um: “Este é o nosso festival favorito”! Gomez são os senhores que se seguem e, visivelmente felizes por actuarem ao vivo conseguem, realmente, fazer levantar os primeiros pés do chão. Da Noruega chegam os Madrugada que, com o cair da noite trazem sonoridades mais rockeiras dando passagem aos muito aguardados Broken Social Scene. Uma das curiosidades era saber se conseguiam igualar os seus conterrâneos The Arcade Fire, que no ano passado arrasaram por completo Paredes de Coura. As comparações são injustas e ainda que não tenham atingido o nível elevadíssimo de The Arcade Fire, os Broken Social Scene esforçaram-se frente a um público que já pensava em Morrissey. E eis que começa timidamente a chover para só terminar dois dias depois.
Morrissey entra em palco, dirige-se com os seus músicos à boca de cena e cumprimenta o seu público… um verdadeiro gentleman! Uma hora e 15 minutos depois, abandona o palco aos primeiros versos de «Panic». Antes avisa “a porta de entrada é a porta de saída” e nesse momento temos a certeza absoluta que não só estamos na presença de um gentleman, mas também de uma diva… a quem, obviamente, se perdoa tudo! Morrissey domina o público com a sua voz encorpada e envolvente, domina o palco como um artista de circo que vai chicoteando o ar em movimentos viris com o fio do microfone, domina-se a si próprio caminhando com altivez pelo palco, despindo camisas e atirando-as ao público para regressar impecavelmente superior a tudo o que o rodeia. Não sabemos se foi encenação, birra ou marketing… Morrissey quis dominar o público, nós deixámos e gostámos: obrigada! E assim, como que por magia, o público foi arrancado de um sonho chamado Morrissey para se render à louca folia dos Fischerspooner. Adereços, perucas, roupas coloridas, bailarinas e pinturas garridas, nem os confeti faltaram ao baile de máscaras que os Fischerspooner prepararam para um público resistentemente molhado.
DIA 2
Compradas as galochas e os fatos impermeáveis, Paredes de Coura estava pronta para a festa. Incrivelmente, os portugueses Vicious Five foram brindados com os primeiros raios de Sol do dia, e bem os mereceram pelo belíssimo espectáculo que deram. Os Eagles of Death Metal aguentaram um pouco mais a chuva e pelo palco Jesse Hughes passeou o seu bigode “à xerife”, lançou elogios às damas e deu espectáculo para um público que insiste em divertir-se mesmo que chova a cântaros. Foi assim em Gang of Four. A banda que, 30 anos depois continua a inspirar novos artistas, deixou marcas em Paredes de Coura, a mais física num micro-ondas que Jon King destruiu com um taco de basebol!
E eis que sobe ao palco a grande senhora de Paredes de Coura, Karen O e os Yeah Yeah Yeahs! Era muito bom que todos os concertos pudessem ser assim, um entusiasmante e vibrante espectáculo de entrega de parte a parte. Porque não são de cumprir calendário, os Yeah Yeah Yeahs entram em palco vestidos como toda a gente em Paredes de Palco, ou seja, não dispensaram os seus impermeáveis! Como uma heroína de banda desenhada, Karen O acaba por arrancar o seu casaco de plástico transparente para nos brindar com um justo e colorido traje, que lhe dá poderes de bailarina rodopiante, e uma luva de lantejoulas que nos hipnotiza a cada momento. Karen O dança e pula freneticamente para um público que se comporta como ela. Rendida canta «Wait, they don’t love you like I love you». O público responde “we do love you” e fica K.O. (entenda-se o trocadilho das iniciais de Karen O) pela passagem da banda em Paredes de Coura.
Mas ainda havia muita energia para receber Bloc Party que temeram que o belíssimo anfiteatro de Paredes de Coura não enchesse, fruto do temporal que caíra durante a tarde. Perdoamos o receio porque só nessa noite Kele Okereke (o segundo K.O. da noite e líder dos Bloc Party) ficou a conhecer Paredes de Coura. Foi um recinto cheio como um ovo que recebeu em grande êxtase uma prestação fabulosa desta banda. A culpa é de Kele, da sua voz limpa, da sua ânsia de receber do público o que lhe dá, de uma genuína fome de palco e uma vontade de regressar. E o público não se esquece que Kele vestiu um impermeável atirado do público e prometeu “See you next year!”.
O final da noite no palco principal estava guardado para os We are Scientist, mas infelizmente estes não souberam arrasar com ele. O esforço foi notório, a entrega ao público grande e a verdade é que, apesar da debandada de alguns, muitos fãs não arrastaram pé usufruindo de cada momento com o trio nova-iorquino. De passagem para a tenda, muitos pararam no After-Hours onde actuaram os chilenos Pânico, numa das maiores enchentes deste palco que não se quer menor!
DIA 3
O dia da despedida estava guardado para vários públicos, os de !!!, os de The Cramps e os de Bauhaus. Mas a tarde de concertos começou com os espanhóis Catpeople que se mostraram para uma reduzida plateia, seguidos de Shout out Louds e os portugueses Maduros num dia de concertos a outras velocidades. Por exemplo, com a velocidade dos frenéticos e muito divertidos !!! que, contam as lendas, pediram à organização lugar no cartaz de 2006. Este ano prometeram ao público voltar em breve para fechar o festival. Obvia e visivelmente contentes por estarem em Paredes de Coura os !!! têm em Nic Ofer uma máquina de energia inesgotável. Ora a cantar, ora a passear em frente ao público, ora a dançar lascivamente, Nic Ofer é como uma criança a quem deixam brincar ao seu jogo preferido. Foi essa entrega e ritmo que nem todos quiseram usufruir, especialmente os fãs de The Cramps e Bauhaus que contavam os minutos para o fim de um espectáculo contagiante e aguardado por muitos. Foi pena, Paredes de Coura não é apenas um palco de confirmações, é-o também de descobertas…
The Cramps subiram ao palco e com a frase de Lux Interior “Estou surpreendido que não esteja a chover porque Deus odeia os The Cramps”, o céu desabou sobre a cabeça de milhares de fãs da mítica banda. A seguir foi um espectáculo dentro de um espectáculo… Lux impecavelmente vestido de preto, luvas incluídas, e, sempre acompanhado de uma garrafa de vinho tinto, espalhou “charme” pelo público. E quando o palco não foi suficiente trepou colunas acima, mostrando que os seus quase 60 anos são apenas um acessório. Depois dos rockabillies, o fecho do palco principal estava marcado para outros monstros, desta vez do movimento gótico: Bauhaus. Por entre um palco debaixo das trevas, a noite torna-se ainda mais escura e junta fãs de todas as idades. E esse é um dos maiores feitos de Peter Murphy e companhia. Depois vem o culto e a certeza de um espectáculo sempre irrepreensível e arrepiante! Com o regresso a casa marcado para a manhã seguinte, a noite não acabava sem uma passagem pelo palco After-Hours onde os britânicos Selfish Cunt provocavam os últimos dos resistentes muito molhados e muito satisfeitos. Até para o ano!
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