“Pássaros Amarelos” | Kevin Powers

“Pássaros Amarelos” | Kevin Powers

Bem, e agora?

Muito já se escreveu, filmou e disse sobre a guerra. Do estado de alucinação de “Coração das Trevas” (Joseph Conrad) – mais visível na adaptação cinematográfica de Francis Ford Copolla em “Apocalypse Now” – ao lado mais contemplativo de “The Thin Red Line” (James Jones) – explorado de forma sublime por Terence Mallick no fime com o mesmo título -, tudo parece ter sido dito sobre esta invenção humana que tem colocado os seus num estado circular de agressão. Puro engano. “Pássaros Amarelos” (Bertrand Editora, 2013), do americano Kevin Powers, é um olhar angustiado sobre uma guerra recente, provavelmente a primeira obra-prima literária a ser escrita sobre os despojos trazidos pela guerra no Iraque.

A história é-nos contada por Bartle, um soldado de vinte e um anos que joga a sobrevivência nas ruas de Al Tafar, ao mesmo tempo que tenta cumprir uma promessa que fez à mãe de Murphy, um miúdo de 18 anos que tomou como seu protegido: trazê-lo para casa.

Através de Bartle, Kevin Powers leva-nos ao centro do Inferno, acompanhando dois seres lançados para uma guerra para a qual não estavam preparados (e poderiam estar preparados para o que viram?), perdendo-se na fadiga física, dilacerados pelo stress mental, celebrando a desgraça alheia apenas por não ser a deles próprios. Uma guerra vista, ao contrário de guerras anteriores, como uma causa perdida, um erro colossal, um absurdo que vive num imparável loop: «Pensei na guerra do meu avô. Como eles tinham destinos e objectivos. Como no dia seguinte iríamos marchar sob um sol baixo suspenso sobre as planícies a leste. Iríamos regressar a uma cidade que travava aquela batalha anualmente; uma parada militar vagarosa, sangrenta, no outono, para assinala a mudança da estação. Expulsá-los-íamos. Sempre o tínhamos feito. Matá-los-íamos. Eles disparariam sobre nós, arrancar-nos-iam braços e pernas e correriam para os montes e rios, de volta às vielas e às aldeias empoeiradas. Depois regressariam, e nós recomeçaríamos a acenar-lhes enquanto eles se encostavam aos postes dos candeeiros, a desenrolar toldos verdes e a beber chá em frente das suas lojas. Enquanto patrulhávamos as ruas, atiraríamos guloseimas às crianças com quem combateríamos no outono alguns anos mais tarde.»

O Inferno, porém, não existe apenas no deserto, nas ruas empoeiradas, no sentido permanente de emboscada. Quando acompanhamos o regresso de Bartle a casa, um novo e mais silencioso inferno estende-se perante nós, um mundo de vultos e sombras: «Os fantasmas dos mortos enchiam os lugares vazios de cada porta por onde passava.» A pergunta que todos colocam, ao sair do avião para um regresso à pátria, é comum: «Bem, e agora?»

Negro e luminoso, “Pássaros Amarelos” é um livro surpreendente, com uma aura que o torna num clássico para o presente e para o futuro que está por chegar. Um dos grandes lançamentos literários do ano, absolutamente obrigatório.



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