“PAULA REGO, Histórias e Segredos”
Uma história de vida contada pelo filho da artista.
Era uma vez.
Era uma vez uma casa à beira mar onde o vento soprava ao de leve e o mar gritava alto.
Uma casa na Ericeira, uma menina de cabelos negros e um futuro brilhante pela frente.
Mas isso ela ainda não sabia. Tal como nós não sabíamos a quantidade de histórias e segredos que Paula Rego escondia por detrás da sua maravilhosa obra, até o filho, Nick Willing, se ter dedicado a descobri-los e partilhá-los connosco.
Não haveria outra forma de começar o texto senão com “Era uma vez”, não fosse Paula Rego uma das maiores pintoras de histórias que o mundo já viu.
E podemos considerar este documentário exatamente isso, uma intensa história de vida, contada através de uma conversa franca entre mãe e filho. O que a moveu e demoveu. Os seus amores e os amantes. Os seus fantasmas e a luz que encontrou no caminho. A sua terra e a terra que se fez sua. E mais do que profissão, esta paixão desenfreada pela pintura.
Enquanto menina, adormecia com contos tradicionais e histórias de encantar a desenharem-lhe os sonhos. Agora mulher, transformou o seu estúdio num sonho vivo – um pequeno país das maravilhas. Dali fazem parte as suas esculturas grotescas, suspensas no ar, as telas colossais, os seus desenhos e pinturas a gravitar nas paredes brancas, lápis de cor e pincéis espalhados em toda a parte.
Nick Willing faz à mãe uma série de perguntas que nos levam por um caminho quase cronológico do seu percurso. Paula Rego, desde cedo fez dos lápis e pincéis a sua companhia predileta, talvez para compensar a ausência dos pais, opostos um do outro na forma como viviam a vida, num Portugal pequenino e oprimido.
E é nesta conjuntura, de ditadura repressiva e um ambiente opressor, que o seu pai lhe dá a liberdade de partir para Londres, para longe de “um país que não é para mulheres”. E foi lá, estudando na Slade School of Fine Art, que as suas fronteiras criativas se alargaram às bocas do mundo.
Foi também ali que encontrou o amor da sua vida, Vic Willing também ele pintor, a quem se dedicou e entregou incondicionalmente até ao fim dos seus dias. Nem traições nem irritações os arrancaram de uma vida repleta de frutos: os quadros e os filhos.
Paula Rego conta ao filho que em toda a sua vida só o pai fora capaz de compreender a sua obra em profundidade, só ele fora capaz de chegar ao seu íntimo: “Ela pinta para perceber o que sente.” E só ele entendia o que queriam dizer aquelas expressões grotescas que ela pincelava, aqueles horrendos monstros embelezados pela criadora. Monstros e medos que personificava na tela e com os quais preenchia os vazios de sua casa, e os seus também.
Que é bonito sim, e é bonito porque é verdade!
Quase todos os artistas se entregam por completo à obra pelo amor ou pela depressão. Paula não foi exceção. Os dias luminosos contrastavam com os dias sombrios que sempre a acompanharam pela mão de sucessivas depressões. Em 2007 sofreu uma das recaídas mais críticas que culminou num conjunto de autorretratos fechados em gavetas, onde se encontra amarrada por cordas, estática, imobilizada pela dor.
Noutras obras expressa outra forma de dor: a das mulheres.
Sempre se sentiu reprimida, mas desde sempre foi obediente. No entanto, esta sua timidez e subserviência transformaram-se em gritos e desabafos pintados nos quadros: coisas que a voz não podia dizer.
Como tal, uma das temáticas mais fortes de toda a sua obra foi o aborto, o sofrimento e o papel secundário que era imposto à mulher. Mulheres nuas, mulheres fortes, mulheres de armas, mulheres-cão são personagens criadas por si e com as quais desenvolveu uma relação de identidade própria até aos dias de hoje.
Paula Rego, foi e continua a ser uma das mulheres mais importantes nas artes e no panorama de igualdade de género. Paula Rego é uma das nossas mulheres e temos a sorte de ter ficado a conhecê-la um pouco melhor.
“Foi para isso que fiz este filme: para conhecer melhor as obras da minha mãe e conhecer a minha mãe melhor.” afirma o filho, realizador. Só temos de lhe agradecer por este bonito documentário. Que é bonito sim, e é bonito porque é verdade!
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