Paulo Rocha
Um Novo Cinema em Portugal que surge pela mão de um grande homem
A morte é um monstro de sete cabeças, desconhecido e temido por quase todos nós. O conhecimento sobre ela ensina-nos e obriga-nos a viver, algumas vezes desalmadamente, outras estupidamente. Todos os dias sabemos que devemos à vida intensidade, paixão e amor. Se lhe damos, ou não, isso será um decisão individual.
O tempo por estas bandas é curto. Deste modo, temos o dever, ou teríamos, de eleger as obras artísticas às quais nos propomos entregar. Na Sétima Arte, por exemplo, cada um tem mais ou menos a sua lista mental sobre os filmes que gostaria de ver nos próximos anos. Mas, lá está, o tempo não é suficiente para todo esse leque de caprichos. Assim, surgem os escolhidos, que se destacam entre os descartados, com ferocidade, encontrões, e muito pouca humildade.
Tropeçamos nos filmes, muitas vezes motivados por um trailer, pelas críticas que lemos, por umas divagações cibernéticas, por uma recomendação ou imposição, por um DVD pós-almoço familiar de domingo, porque os Óscares assim o determinaram, pelo fanatismo descontrolado por algum realizador ou simplesmente porque sim.
Enfim, motivos para enxergar filmes não faltam. Curiosamente, também quando a morte envolve um realizador, actor ou actriz, o filme torna-se mágico e emblemático e passa automaticamente para a categoria de “escolhidos”, fruto de um sentimento de atracção pela tragédia e mediatismo.
O realizador português Paulo Rocha, natural do Porto, com uma carreira de alguns cinquenta anos dedicados ao Cinema e figura-chave no Novo Cinema, não é excepção. Desde que nos deixou em Dezembro do último ano que as retrospectivas, homenagens, e teorias dedicadas ao seu extenso trabalho aumentaram exponencialmente, e ainda bem para nós. Até então, só os mais antigos, atentos ou ávidos ouviram falar de “Verdes Anos”, “Mudar de Vida”, ou “Ilha dos Amores”.
Eis que surge a retrospectiva organizada pela Medeia Filmes no Espaço Nimas, em Lisboa, de 7 a 13 de Março, e no Teatro do Campo Alegre, no Porto, de 14 a 20 de Março, num ciclo que contou com a colaboração da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, e que motiva aqui o destaque a alguns dos trabalhos de Paulo Rocha.
“Os Verdes Anos” (1963) é o filme que marcaria oficialmente o início do trabalho de Paulo Rocha, a sua primeira longa-metragem, mas foi, também, o motor de arranque para o Novo Cinema português, movimento vanguardista que surgiu em Portugal durante o Estado Novo. Temos ainda, no arranque deste movimento, que pretendia uma ruptura com o Cinema que se fazia até então, Fernando Lopes, com “Belarmino”(1964) e António de Macedo com “Domingo à Tarde” (1966).
Há uma influência perceptível do movimento Nouvelle Vague nos “Verdes Anos”. Paulo Rocha acabava de regressar de Paris e trazia consigo muita teoria da cidade luz. Segundo se diz, consegue ser um dos filmes da época que melhor mostra a cidade de Lisboa, transmitindo-a como um espaço de frustração e desmotivação, de perspectivas futuras inexistentes e onde as pessoas mantêm um espírito retrógrado. Arriscava dizer que o contexto psicológico em pouco difere ao de hoje, e isso é sinistro, pois já passaram quarenta anos. A evolução é necessária, a felicidade precisa-se e o despertar é urgente.
O argumento segue o jovem Júlio que chega a Lisboa para se tornar sapateiro, vindo directamente da aldeia. Tenta a sua sorte, acabando por envolver-se com uma empregada doméstica. O filme começa com um travelling acompanhado por uma voz off que diz: “A primeira vez que vi a cidade de Lisboa, pensei comigo: Esta terra é como uma dama que tem que ser engatada com muito jeito. Nada de pressas, nada de deitar a mão antes do tempo, é preciso andar devagarinho com olho vivo e não cheirar-lhe os pés. É preciso, sobretudo, um homem lembrar-se que nasceu numa aldeia de pategos e aprender a aguentar-se (…)”. A banda sonora ficou a cargo do mestre da guitarra portuguesa, Carlos Paredes.
Quanto aos outros filmes que serão exibidos este mês, destaco o “Mudar de Vida”(1966), retrato sobre a Guerra Colonial, uma simbiose entre tradição e progresso, entre Terra e Mar, onde, mais uma vez, Carlos Paredes nos faz estremecer com a sua guitarra. “Ilha dos Amores” (1982), juntamente com “A Ilha de Moraes” (1984), revela o lado mais nipónico do cineasta, uma fase que pode definir-se como “Ciclo do Japão”. “O Rio do Ouro” (1998), uma história bastante mística, enquadrada no Vale do Douro, que pretende ser uma homenagem ao cineasta japonês Kenji Mizoguchi, tendo como protagonista uma implacável e maravilhosa Isabel Ruth. E, por último, também com Isabel Ruth no papel principal, “Vanitas”, é talvez o mais irreverente de todos, com doses de sentimentos de culpa, cansaço, anorexia e muita moda.
Para quem ainda não conhece a obra, chegou a hora, para quem já conhece, torna-se obrigatório, justo e necessário revê-la no grande ecrã. Consultem a programação nos links externos.
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