PAUS
A única premissa é não haver premissas.
Estão aqui representadas algumas das mais interessantes bandas dos últimos anos, no que ao panorama nacional diz respeito. Hélio Morais (Linda Martini, if Lucy Fell), na bateria, Joaquim Albergaria (ex-Vicious 5), também ele na bateria, Paulo Mokoto (If Lucy Fell, Riding Panico), no baixo e João Shela (If Lucy Fell), nas teclas. “Os PAUS são tudo e não são nada”, dizem-nos logo no início da entrevista. Para já são uma das mais interessantes propostas deste 2010 que ainda vai a meio.
Desde o início – e o início tem apenas alguns meses – que os PAUS se afastaram de qualquer tipo de relação entre as outras bandas dos vários membros deste projecto.
Faz sentido marcar este tipo de posição? Faz. Não fossem os Linda Martini uma das mais acarinhadas bandas dos últimos anos no que a rock cantado em português diz respeito. Faz sentido também porque os sons pesados e atmosféricos dos Riding Panico ficam longe da toada experimental daquela a que muitos chamam a “nova banda de Joaquim Albergaria” – sim, a sonoridade dos PAUS também fica muito longe do punk que caracterizou os dois álbuns dos Vicious 5. “Os PAUS não são nada e são tudo, ao mesmo tempo. Não são o escape de nenhum dos seus membros e são tudo o que estas quatro pessoas conseguem fazer juntas. São quatro pessoas a fazer música instintiva, sem rótulos e sem obrigatoriedade de respeitar quaisquer regras. A única premissa é essa mesma: não haver premissas. Fazemos a música que sentimos nos dias em que nos fechamos no estúdio. As bandas que temos ou tivemos para trás, acabaram por definir um caminho mais ou menos moldável. Com PAUS, queríamos ter total liberdade”, defende Hélio Morais.
Uma outra ideia que, desde logo, distanciou os PAUS dos projectos já mencionados: a existência de uma “bateria siamesa”. Tentámos perceber como funciona: “Em conversas circunstanciais entre mim e o Joaquim [Albergaria], falámos na ideia de se fazer qualquer coisa onde tocássemos os dois bateria, mas ligados pelo mesmo bombo. A ideia tomou forma e chamámos-lhe bateria siamesa. Quando decidimos gravar os primeiros ritmos com o [Paulo] Makoto, acabou por ser natural a inclusão dele no baixo e do Shela nas teclas, uma vez que são músicos que fazem parte do Universo de bandas irmãs, que ensaiam e gravam no mesmo espaço. Gravámos umas músicas, chamámos-lhe PAUS e fomos à procura de editora e concertos. Ao vivo, é intenso e alto.” Ou seja, os PAUS, na sua origem e concepção, são uma ideia de Hélio Morais e Joaquim Albergaria. Paulo Makoto e João Shela vieram depois, para ajudar a definir a sonoridade final do projecto, principalmente no que diz respeito aos espectáculos ao vivo. As sessões de gravação acontecem a toda a hora, porque “normalmente fazemos jams de bateria e quando achamos que encontrámos um ritmo bom, gravamos e começamos a meter vozes, baixos, teclados e tudo o que nos apetecer na altura, em cima”.
O vídeo de apresentação, a primeira amostra do EP, “Murdo e Surdo”, mostra-nos um ambiente bizarro em que vários jovens de etnia africana sugerem movimentos de dança, manobras artísticas, coreografias, juntando-se a um conjunto de idosos que joga dominó em várias mesas de jardim – coisa tão tipicamente portuguesa. O ambiente é tenso, mas não claustrofóbico. Questionamos Hélio Morais: Conseguem explicar? “Para ser totalmente sincero, não. O [Paulo] Makoto tinha visto os quatro bailarinos no complexo de garagens onde está situado o estúdio de gravação. Falou-se de encaixá-los num vídeo. Depois apareceu o Bruno [Ferreira, o realizador do vídeo] a querer realizar um vídeo no Ondaparque. Trocámos ideias e o resultado final é o que está à vista. A nossa música não tem outra explicação além da vontade destas quatro pessoas quererem fazer música juntas. Este vídeo respeita a mesma lógica, sem grandes pré-definições. Só empatias.”
Esta ideia de um projecto sem pré-difinições é muito clara para os PAUS. Ao vivo seguem a mesma lógica? “[É] uma confusão que não se aguenta. Só quando começámos a transportar as músicas para o palco, é que percebemos a embrulhada em que nos metemos. Muitos sintetizadores, vozes, duas baterias, pedais para aqui e para ali, cabos que nunca mais acabam. Não é fácil, mas acaba por ser isso mesmo que torna a coisa bonita. Temos que estar tão embrenhados no que estamos a fazer, que criamos ali o nosso espaço próprio, o nosso Mundo e o resultado é um turbilhão de emoções que faz daquele um momento tão intenso.”
Guardamos para o fim uma questão que não está directamente ligada aos PAUS, mas que é bem capaz de ser a chave que está por trás da concepção e das motivações do projecto. Acabamos de ouvir o EP “É uma água” e ficamos com a ideia que estes quatro são gente que anda informada relativamente ao que se passa no Universo musical. O que estimula Hélio Morais, Joaquim Albergaria, João Shela e Paulo Makoto? “Somos todos muito diferentes, ainda que tenhamos muitos pontos em comum. Mas somos também bastante interessados nas coisas novas que vão surgindo. Não encarnamos de forma alguma o músico autista que não vê mais que o seu Universo. Mas também não estamos constantemente à espera de perceber para onde é que a coisa vai virar, para ir atrás. Absorvemos tudo, desde o passado ao presente e tentamos com isso criar a nossa visão do futuro.” Bandas ou artistas? Não fazem nenhuma menção em particular. Talvez para não criar referências na cabeça de quem os ouve. Afinal de contas, esta é a mesma banda que fez questão de relegar o passado. Quando são os PAUS, não existe mais nada. São uma caso isolado. Não são uma pedra no charco, mas andam lá perto. Farão escola?
Review
Ao longo dos últimos anos muita coisa tem mudado na música portuguesa. Cantar em português passou de feio a belo para uma nova geração de músicos com vontade de fazer algo diferente. Há muito tempo que o panorama musical português não entusiasmava tanto. A FlorCaveira, a Amor Fúria, a Enchufada, um bom número de bandas com génese em Coimbra (Paulo Furtado, d30, Sean Riley…) e mais uma ou outra honrosa banda, longe de filiações editoriais ou de movimentos localizados. E isto, só para mencionar aquilo que salta cá para fora, para o (pequeno) grande público.
Linda Martini, Riding Panico e If Lucy Fell são bandas à parte, amigos que partilham bandas e ideias. Não admira que os PAUS sejam Hélio Morais, Paulo Mokoto, João Shela e o ex-Vicious 5 Joaquim Albergaria. “Esqueçam estas bandas”, dizem eles. A afirmação tem razão de ser. Chegamos a notar alguns coros que nos levam a “Marsupial”, o último EP dos Linda Martini, mas ficamos por aí.
“É uma água” é incómodo (elogio), proporciona ambientes estranhos, inesperados e claustrofóbicos. Bateria e teclados gozam de uma importância vital. Não há muito espaço para a palavra – também aqui conseguimos estabelecer alguns paralelos com Linda Martini e Riding Panico. É uma experiência poderosa, mas que não chega aos 20 minutos de duração. À partida já sabíamos que a mão-de-obra era de valor. Agora sabemos que a coisa tem mesmo pernas para andar. É favor avançar para o álbum.
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