Pedro Abrunhosa | “Inteiro”

Pedro Abrunhosa | “Inteiro”

Só falta mesmo um par de óculos de sol

Já se sabe que Portugal é um País onde se costuma dar muito e mau uso à língua. Tornou-se um hábito quase constitucional dizer mal do que é nosso, seja do futebol, do vinho, dos governos – aqui há que dar razão – ou da música. Pedro Abrunhosa é um desses casos de má-língua ou, pelo menos, um músico que sofre de um défice considerável de reconhecimento. Algo que “Inteiro”, caixa que reúne os seis discos do músico que tem Portugal na alma e o Porto na pronúncia, poderá começar a corrigir.

Estávamos em 1994 quando “Viagens” chegou às lojas como um furacão dançante. Um disco quase perfeito, assim como o foram “Só”, de Jorge Palma, e o homónimo de B Fachada. Nele, Abrunhosa encarnava Prince – com mais altura e menos cabelo – e oferecia-nos uma celebração funk, acompanhado dos enérgicos Bandemónio. Foi uma pedrada no charco no panorama musical português; como se, de repente, assistíssemos à mudança da televisão a preto-e-branco para uma paleta digital de cores. Nascia também a imagem icónica de Abrunhosa: cabelo rapado à magala, óculos de sol em estado de perpetuidade, a forma de vestir que parecia anteceder uma visita à passerelle ou uma ida a uma festa de arromba em casa de gente muito bem abonada. Criava-se uma forte ligação entre a música e a imagem, algo que, desde os saudosos Heróis do Mar, não se via por cá.

“Tempo” (1996) mantém o estado de alerta funk – «Não Dá» ou «Dá-me Tudo O Que Tens Para Me Dar» -, mas pisca já os dois olhos ao universo de baladas que Abrunhosa se tem dedicado a tecer – como «Se Eu Fosse Um Dia o Teu Olhar» -, e que o tem revelado como um poeta em estado crooner, um declamador musical que empresta um tom de erotismo e sedução a cada sílaba que canta.

Em 1999 aterrava uma espécie de OVNI na discografia de Pedro Abrunhosa. Com “Silêncio”, o funk dispersava-se e dava lugar a um rock espacial – «Noite na Noite» é U2 em estado “Achtung Baby” –, a um punk manhoso – «O Que Vai Ser de Mim» é provavelmente o pior tema composto por Abrunhosa – e a baladas com menos batidas cardíacas mas, ainda assim, descobria-se uma pérola chamada «Barco Para a Afurada», um fado em estado pop que parece ter sido gravado num café em hora de ponta.

“Momento”, editado em 2002, é o disco que representa o fim da turbulência, marcado essencialmente por baladas – como o tema que dá nome ao disco, até hoje um dos mais lacrimejantes e conseguidos temas de Abrunhosa –, ou um funk em fim de festa – como em “Diabo no Corpo» ou «Hoje É Tudo Ou Nada».

“Luz” (2007) recupera o desejo de festa – «Tenho Uma Arma» ou «A Dor do Dinheiro» -, mostra baladas mais luminosas – «Ilumina-me» – e aponta para um futuro abraçado por um rock já crescido e a pensar à moda americana.

Em 2010 surge o melhor disco de Abrunhosa desde o iniciático “Viagens”. “Longe”, já com a companhia do Comité Caviar, tem muitos motivos de interesse: há histórias de encantar – «Se Houve Um Anjo Da Guarda» -, um convite para pintar o futuro – «Fazer o que ainda não foi feito» – ou um apelo ao amor eterno – «Não desistas de mim» -, num disco que revelou um estado avançado de maturidade mas, sobretudo, uma inspiração renovada.

Nesta edição especial, que junta os seis discos de estúdio a um livro com todas as letras, muitas histórias e fotografias com uma boa dose de intimidade e muita pose, só falta mesmo uma peça de coleccionador para a festa ser inteira: um par de óculos de sol.



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