Pedro Hossi | Entrevista
Conversámos com Pedro Hossi, um pouco antes de mais uma sessão de "Uma Noite na Lua", no Estúdio Time Out, em Lisboa.
Como é que surgiu este convite, uma vez que este texto que já foi apresentado antes?
Pedro Hossi: Eu estava à procura do material certo para voltar a fazer teatro. Nos últimos anos tenho estado a fazer mais cinema e televisão e deu-se um reencontro com o António Terra, que é o encenador. E foi a pessoa com quem eu fiz teatro pela primeira vez na minha vida, há 20 anos atrás e decidimos fazer algo, criar algo juntos. Começamos à procura de material e quando apareceu este monólogo a decisão foi rápida porque é realmente algo muito bem escrito. E ser aqui na Time Out aconteceu porque, quando nós começamos a pôr este processo em movimento, de conseguir os direitos e tudo mais, entrámos em contacto com o Nóbrega que produziu a peça do Ivo – Todas As Coisas Maravilhosas – da H2N produções e depois encaixou-se tudo. Foi feita uma proposta aqui ao pessoal da Time Out, eles aceitaram. As coisas aconteceram assim, portanto tudo acabou por se encaixar a partir do momento em que nós descobrimos o material, aquilo que iríamos fazer.
E aqui a questão do espaço cénico, acaba por ser um pouco diferente do convencional.
PH: Sim, o palco italiano, em que o ator está de frente para o público.
Aqui acaba por ser um pouco mais “Peter Brook”?
PH: Exato, sim! A disposição é esta. Tenho que ter atenção ao facto de ter pessoas à minha volta, faz com que a interpretação seja em 360 graus, o que foi um desafio no início. E acho que acabou tudo por encaixar muito bem. A peça que nós criamos é muito diferente das encenações do João Falcão – a primeira com o Marco Nanini, a segunda com o Gregório Duvivier. Mas esta é nossa, tem o nosso DNA e estamos muito felizes com aquilo que foi construído.
E houve uma adaptação do texto, inclusive?
PH: Sim, houve uma adaptação feita por mim e pelo António, depois uma revisão feita pelo Agualusa. Até porque eu quero acreditar que, este autor, esta personagem tem muito do Agualusa, que é meu amigo há muitos anos e eu acho que tem muito dele. Ele, como eu, nasceu em Angola, vive em Portugal há muito tempo mas também viveu no Brasil e nós queríamos trabalhar à volta dessa triangulação. Ou seja, o português falado de diferentes formas e daí ter sido incrível ter a revisão do Zé porque acho que ele deu o toque final de que estávamos à procura.
E como tem sido a experiência, uma vez que já estreou no dia 3? Esta experiência de regressar ao teatro com um monólogo, sozinho em palco, sem contracena?
PH: Alguns amigos meus, atores, disseram “ah, tu és masoquista”. Eu não pensei muito sobre isso, na verdade. Houve uma altura que a minha preocupação era a memorização, depois acabou por não ser problemático, de todo. O que me faz acreditar que nós somos capazes de muito mais do que aquilo que pensamos. Nós impomos uns limites que por vezes não fazem sentido.
Então houve aqui uma superação?
PH: Sim, sim. Aconteceu tudo de forma mágica quase e eu não penso muito. Na verdade não penso “Ah, estou sozinho”. É o espetáculo que nós temos. Eu tento fazer isto com energia todas as noites porque é uma hora e meia em palco, mas estou super feliz. Eu vi tudo isso como um desafio, nunca como um problema.
Enquanto ator, encontras algum tipo de identificação com esta personagem?
PH: Eu acho que todos nós temos pontos em comum com este autor, vamos chamá-lo assim. Até pela temática, aquilo que ele fala, as preocupações. E já para não falar desta questão dos pensamentos. Nós temos uma série de pensamentos. Às vezes estamos a dialogar com pessoas que não estão à nossa frente e mantemos diálogos. E isso acontece aqui. Eu acho que a maioria das pessoas sofre desse mal. Depois há aqui uma Berenice, que é o grande amor da vida dele, que o deixou. Eu acho que muitos de nós já passamos por essa situação de amar alguém e de a relação não funcionar por algum motivo e depois terminar e nós ficarmos a questionar os porquês.
Mas será que os artistas padecem mais dessa confusão de pensamentos e ideias que atormentam? Também por causa dos bloqueios criativos?
PH: Eu acho que não. Acho que acaba por ser comum a todos nós. Mas depois há aqui um twist muito bem feito pelo João Falcão, pelo autor do texto. Ou seja, fica a sensação de que há bloqueio, mas depois percebe-se que não há bloqueio nenhum e que a tal peça que ele se propôs a escrever é o que as pessoas veem aqui a partir do momento em que ele – autor – entra em palco. Há quase aquela coisa do Inception, de um sonho dentro do sonho. Aqui é uma peça dentro de uma peça e aí tem a ver com o brilhantismo do João Falcão e da forma como ele amarrou tudo isto.
Agora, particularizando um pouco o teu trabalho de ator, será que nos podes falar um pouco da tua preparação para as diferentes vertentes em que trabalhas: cinema, televisão e teatro. Há alguma distinção em termos de preparação?
PH: O teatro realmente exige uma energia diferente a todos os níveis. Cada trabalho é um trabalho, são diferentes. Por exemplo, em televisão são muitos episódios, muitas cenas por dia. O processo de memorização é uma loucura, porque nós memorizámos para depois esquecer imediatamente que é para conseguirmos ter uma corrente a acontecer. No teatro não, a memorização tem que estar e marcas e tudo mais. O cinema… o cinema é uma coisa incrível porque é tratado com um cuidado com muita delicadeza e são menos cenas por dia. Agora em termos de preparação, eu devo confessar que a minha preparação não varia muito do cinema para a televisão, para o teatro. Há coisas que eu enquanto ator tenho de perceber: de onde eu venho, para onde é que eu vou, porque é que eu estou aqui, o que é que eu quero desta pessoa, o que é que esta pessoa quer de mim. E isso são perguntas que eu faço sempre, esteja a fazer cinema, televisão ou teatro. Agora aqui, acontece ao vivo, não há cortes, não há nada disso. É quase como “walking on a wire without a net”. É andar no arame sem rede, mas a preparação da personagem é semelhante, não vejo uma grande diferença.
Participaste há pouco tempo num filme da Netflix com o Wagner Moura, o Sérgio. Como é que foi participar num projeto para a Netflix? Sei que também já participaste noutros projetos internacionais, mas imagino que a Netflix seja bom no currículo.
PH: É interessante. Eu vivi muito tempo nos Estados Unidos e a Netflix era uma empresa que fazia aluguer de filmes.
Como o Blockbuster?
PH: Exato. Eles não tinham lojas físicas, eu na altura subscrevia a Netflix, era uma coisa feita online e eles mandavam os cd’s por correio. A Netflix começou assim. E é incrível ver a transformação da Netflix enquanto que a Blockbuster não aguentou e fechou. A Netflix consegui-se reinventar e começaram a produzir filmes e hoje me dia são uma potência da indústria cinematográfica. Roubaram, inclusive, protagonismo ao estúdios de Hollywood. Mudaram o jogo todo! Desculpa, dei aqui uma volta gigante. O Sérgio foi incrível!
Ficaste amigo do Wagner Moura?
Eu conheci o Wagner uns anos antes de fazer o Sérgio, porque eu fiz um filme que se chama O Grande Kilapy com o Lázaro Ramos, que é outro grande ator brasleiro de quem eu fiquei grande amigo. O Lázaro é um dos meus bons amigos nesta vida e conheci o Wagner através do Lázaro no Rio de Janeiro. O Lázaro é padrinho do filho do Wagner. E tivemos ali uma troca muito boa, eu e o Wagner. E depois fiquei um tempão sem o ver e recebo um pedido de casting para o filme, sugerido pelo Wagner e eu preparei-me bem para o projeto. Percebi imediatamente que era uma coisa muito bem escrita.
Sentiu algum peso por interpretar uma personagem como o Xanana Gusmão?
Não necessariamente. Eu fiz a minha pesquisa, vi uma série de vídeos, tentei perceber o contexto daquele encontro entre aqueles dois homens – o Xanana e o Sérgio Viera de Mello – e depois fiz a minha própria interpretação do Xanana.
Sim, mas existe sempre a questão biográfica e o facto de, por vezes, o espectador esperar algum tipo de semelhança…
Eu não sei se encontraram muitas semelhanças, mas aquilo foi a minha interpretação do Xanana. Mas a experiência em si foi incrível! Estar na Tailândia, nós filmamos lá com aquele calibre de talento, não só o Wagner, mas a Ana de Armas também, que hoje em dia é uma mega estrela. Todos eles, toda aquela equipa é um sonho. Mas não senti diferença por estar a fazer um projeto da Netflix. Ou seja, o filme foi uma rodagem normal, com mais dinheiro obviamente, mas o processo foi igual a outros processos dos quais eu já fiz parte e foi excelente, foi ótimo. É bom para o currículo, não faz mal. (risos)
E voltando aqui à Time Out e a Uma Noite Na Lua, como é que o público tem recebido?
Eu sou suspeito para responder a essa pergunta, mas eu acho que está a correr muito bem. Eu acho que as pessoas estão a gostar. Estamos a sentir que está a aumentar o volume de público, o que é bom. Começa a haver um passa-a-palavra, porque Agosto não é o melhor mês para estrear uma peça. E acho que as pessoas saem daqui satisfeitas e surpreendidas, até pela encenação do nosso encenador António Terra. Acho que está muito bem, estou muito feliz.
E há planos para uma tour nacional ou internacional, quiçá até ao Brasil?
Eu gostaria imenso! Gostaria de levar a peça a Angola, Moçambique, Cabo Verde. A ideia é essa, não vai acontecer logo porque o António vai viajar, eu começo um projeto em Setembro que me vai ocupar uns bons meses, cá em Portugal. Mas a ideia é depois continuarmos com isto. E porque não ir ao Brasil? Eu acho que seria muito interessante fazer isto no Brasil com sotaque português e angolano.
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