Pedro Madaleno

O jazz em Portugal segundo Pedro Madaleno.

De uma forma um pouco inesperada, o jazz nacional teve uma forte presença no ano transacto. Digo inesperada apenas por ser um género que nunca teve grande tradição, do ponto de vista comercial, no nosso país. No entanto, discos como “Single”, de Carlos Bica, ou a banda-sonora do filme-sensação de 2005, “Alice”, assinada por Bernardo Sasseti, ocuparam a maioria das listas da crítica musical portuguesa na altura de elaborarem o balanço de final do ano.

Aproveitando esta aparente vitalidade do mercado em Portugal, a Rua de Baixo foi ao encontro de Pedro Madaleno, um dos mais hiperactivos e estimulantes músico jazz português. O primeiro facto é comprovado pelo extenso número de projectos que abraça: para além do trio que responde pelo seu nome próprio, Pedro Madaleno toca ainda piano no projecto PeakPong, ou, por exemplo, compõe bandas-sonoras para filmes imaginários ou peças clássicas. Quanto ao segundo facto, basta escutarmos o seu outro grupo, U.N.derpressure, projecto diabólico de jazz psicadélico, para percebermos estar perante um dos mais originais exemplos do panorama do género contemporâneo.

Pedro Madaleno é um dos mais importantes guitarristas do jazz português. Estudou no Hot Club de Portugal durante quatro anos (onde lecciona desde 1990) e dedicou-se ao piano clássico durante dois anos, no Conservatório Nacional. Em 1986 mudou-se para Nova Iorque (onde permaneceu até 1990), onde experienciou uma importante aprendizagem musical ao lado de grandes nomes do jazz internacional, desde John Scofield, Hal Galper, Jim Hall ou John Abercrombie.

A solo ou em grupo já percorreu o país de norte a sul, tocando nos principais palcos e festivais nacionais, de onde se destaca o concerto com Karl Berger no Festival de Jazz de Lisboa de 1990 e com Lee Konitz no Hot Club em Abril de 1991. Para além disso, conta ainda no currículo com vários prémios e distinções. Em 1995, o Pedro Madaleno Grupo foi, inclusive, o escolhido pela pela Secretaria de Estado da Cultura para realizar o projecto Itinerâncias – uma digressão de vários concertos pelos Açores e Alentejo.

RDB: Esteve parado durante cerca de um ano, com uma arreliante lesão na mão. Imagino que não tenha sido fácil estar tanto tempo sem pegar na guitarra e longe dos palcos

Pedro Madaleno: A verdade é que ainda estou com o mesmo problema. Já faz quase dois anos. Já tive uma cirurgia  marcada e tudo, mas esquivei-me no último momento. Penso que posso ficar bom brevemente. Claro que tem sido difícil, continuei sempre a marcar concertos, mas tive de cancelar vários. E tem sido muito chato, porque eu já tocava a um nível muito bom e agora tenho andado a tocar a 10% das minhas possibilidades. Para um músico é uma grande frustração. Além de que, como só dependo em termos de remuneração de concertos, tenho andado com graves problemas financeiros. No entanto, recomeçei a tocar piano com a mão esquerda e estive sempre a compôr. Guitarra  também estudo, mas só com a mão esquerda. Uma pessoa tem de se virar para algum lado, não é?

Apesar de não ser um género com grande tradição no nosso país, nos últimos anos têm começado a sobressair alguns nomes do jazz nacional, como o Bernardo Sasseti ou o Carlos Bica. Como é ser músico de jazz em Portugal?

É dificil, como em qualquer outro lado do mundo. Não é uma carreira fácil. Começa pelo facto de a maioria não estar preparado para ouvir este tipo de música, que requer um pouco mais de inteligência [risos]. A maior parte das pessoas consome música como fastfood. O jazz é um prato muito especial, leva muito tempo a ser confeccionado e tem poucas substâncias tóxicas. Não tem carne nem peixe, nem adocicantes.

Em Portugal irrita-me a política dos organizadores de festivais e concertos. Como não percebem a ponta de um corno do que se passa cá, chamam sempre as mesmas pessoas. Eu tenho quatro CDs lançados no mercado que tiveram pouca divulgação, tenho vários prémios, toda a comunidade jazzística me respeita e mesmo assim são raros os convites para os festivais. Claro que músicos como o Bica, o Sassetti, o Laginha ou o Barretto são muito bons, mas em nada acho que o trabalho que eles têm apresentado seja mais ou menos de qualidade e inovador do que o meu, percebes? Em Portugal tem tudo funcionado por apadrinhamentos e contactos e lobbys. De forma que eu estou à espera da minha vez de ser apadrinhado. É estúpido, mas é assim que funciona.

Em relação ao resto, embora eu gostasse de só fazer concertos, eu (tal como todos os outros músicos) para sobreviver tenho também de ensinar. É uma segurança monetária que os concertos, por serem irregulares, não dão.

Como vê a nova lei da música na rádio?

Estou a leste do paraíso disso. Sei mais ou menos do que trata, acho importantíssimo passarem mais música portuguesa, mas como sei que a fatia do jazz no meio disso tudo  é sempre minúscula , estou-me nas tintas para essa lei. O que o pessoal quer é passar e ouvir Xutos e Pontapés e Gift, etc. Não me afecta nem me interessa. Andem lá à tareia uns com os outros, são sempre os mesmos que beneficiam.

Ao longo da sua formação, tocou ao lado de vários nomes grandes do jazz, como o Jim Hall, o John Scofield ou o Brad Meldhau. Sei que esta é uma pergunta ingrata, mas quai são as suas principais referências?

Hoje em dia é impossível, com tanta coisa boa, não se ser influenciado por alguém. Eu ouço muito e tenho muitas influências de não guitarristas, como saxofonistas e  pianistas. Bill Evans, Keith Jarrett, Ken Werner, Lee Konitz, Jerry Bergonzi, Jim Hall, Pat Metheny, Scofield, Bill Frisell, Abercrombie… Estes são os mais nítidos.

Para além da guitarra, o Pedro Madaleno começou também, recentemente, a dedicar-se ao piano, o qual toca todas as quartas-feira, ao vivo, na Capela no Bairro Alto, com o seu projecto PeakPong. Como vai essa “relação” musical?

É um projecto interessante, mas também a música electrónica tem pouca saída cá. Faz mais de um ano que o PeakPong toca na Capela, por isso  já era tempo de começarmos a tocar em grandes espaços como o Lux, pois pomos todo o pessoal a dançar e ao contrário dos Djs, ali o que fazemos é tudo improvisado e em tempo real. Faltam convites. Para mim, este projecto é uma consumação da minha faceta de freak dos sintetizadores, que eu sempre fui. A abordagem para esta música é um desafio para mim, porque não dá para ter a mesma abordagem que se tem no jazz. É preciso tocar o menos possivel, ter uma aproximação minimal e aprende-se muito em termos de orquestração, cada som tem de ser inteligentemente escolhido, tal como o seu registo.

É um músico bastante activo. Para além do grupo e do trio pelo qual responde em nome próprio, do já referido projecto PeakPong ou do projecto U.N.derpressure, existe mais algum “segredo na manga” que queira revelar?

Estou sempre a compor para novos projectos. Tenho o meu Standards Trio em que toco arranjos meus do repertório jazz, tenho o Earth Talk que gravou já dois discos, sob encomenda dos Festivais de Jazz do Seixal e do Porto, tenho o Paintings Trio, com um som vanguardista e tenho agora a ShortMoviesBand. Sempre compus música de filmes e temas que poderiam ser incluídos em bandas-sonoras. Como cá em Portugal ou convidam grupos de rock para fazer banda-sonora para depois melhor venderem  o filme, ou usam música já feita, resolvi fazer esta banda que toca temas cinematográficos meus e que são uma espécie de homenagem, cada um à sua maneira, a compositores de música de filmes que sempre adorei, como Morricone, Rota, Mark Isham, Eric Serra…

O projecto U.N.derpressure, apesar da sua originalidade, parece não ter sido muito bem aceite junto ao público em geral. Porque acha que isso aconteceu?

Isso não é verdade. Em qualquer local onde toque com o U.N.derpressure as pessoas passam-se e adoram o grupo. É sem sombra de dúvidas o PowerGroup mais activo e importante em Portugal. Tem uma energia em palco, que muitos grupos de rock gostariam de ter!

O facto de passar desapercebido ao público é apenas uma questão de divulgação. O disco que está agora nas FNACs foi gravado em 1992, e passou dois anos à espera de arranjar editora. Como não tenho contactos, assim foi. Depois, a editora que pegou nele, tem muito pouca margem de manobra. É um disco que poderia ter vendido 5000 exemplares se tivesse caído nas mãos de uma editora com peso e com meios de divulgação; assim, só vendeu 500. É o habitual em Portugal. Até os merceeiros da FNAC, apesar de eu ter lá quatro CDs, mostraram-se pouco interessados em divulgar os meus trabalhos. Só pegam em nomes como Maria João e Sassetti, porque sabem que assim não correm riscos.

Termino então com a pergunta da praxe: quais são os seus projectos para o futuro? Para quando o próximo disco? E o estrangeiro, volta a estar no horizonte?

Tenho dois CD’s prontíssimos para gravar este ano, o segundo do U.Nderpressure e  o primeiro da ShortMoviesBand. Espero estar bom da mão brevemente e, assim que o estiver, começo a tocar três, quatro vezes por semana cá e sempre que estiver na Alemanha, em Hamburgo, poderei tocar todos os dias, dado os contactos que lá tenho. E continuo a escrever peças e música clássica… sempre a compor… só falta é dinheiro.



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